quarta-feira, 27 de maio de 2009

Coração Satânico - By Véio China -


- Zig, conforme o que combinamos.... estou aqui – Disse o demo.

Aos poucos vi o seu rosto surgido no meio de nuvens multicoloridas. E e as fumaças psicodélicas seguiam na direção do teto e criava na sala uma atmosfera toda especial, assim como estivesse na primeira fila dum show dos Stones. Não sabia ao certo as emoções que experimentava, ou de fascínio, ou do horror. Aos poucos fui distinguindo o contorno do seu corpo.

Evidente, a “coisa ruim” viera cobrar a nota promissória, uma dessas dívidas que só os bêbados contraem. Eu bem me recordo daquele dia dos infernos. Nada, absolutamente nada dera certo em minha vida, principalmente os empregos que desperdiçava como mãos que acenam para esses ônibus que não param no ponto. Talvez nem mesmo os patrões fossem os culpados, e ainda mais levando em conta o meu jeito de poucos amigos além de me suporem dispersivo e improdutivo, talvez imaginando que eu estivesse em seus empregos por mero oportunismo, subvertendo a ordem,  sobrevivendo à custa dos esforços  dos outros, exceto o meu. Talvez até acreditassem que me contentava com as migalhas dos salários de fome que mal davam pra comprar alguma comida e pagar o aluguel da casa de um dormitório.

Se os empregos nunca foram bem, o que falar sobre as mulheres? Simplesmente eu não dava a menor sorte com a maioria delas. apesar de nunca me manter distante de uma. Se, demasiadamente carinhoso e compreensível me olhavam desconfiadas, afinal o que poderia sugerir um sujeito que beirando aos cinqüenta jamais tivera uma mulher  a quem tratasse por "minha mulher"?  Porém se me manifestasse num cara durão, desses que batalham uma mulher com a faca nos dentes e as mãos dentro do sutiã, aí sim me tinham por um brutamonte, um casca grossa, insensível. Evidente, Zelda, a mulher que morava comigo jamais se preocupava com essas sensibilidades, fineses ou cultura, e ás vezes eu supnha  que suas pernas pensavam mais que o cérebro.  Enfim, não faltavam problemas para mim, e por falar em problemas, lá estava eu com o mais recente deles.

-Senhor Zig, sentimos muito, mas somos obrigados a demiti-lo - Informou-me um daqueles almofadinhas do escritório. Olhei para o seu rosto repleto de acnes e para um pavoroso terno dois números maiores ao que deveria ser. Ele esperava por alguma reação minha.

-Certo! – Concordei –

De lá nos dirigimo-nos ao Depto. Pessoal onde fui notificado oficialmente da demissão. Ainda me trocava no vestiário quando surgiu o encarregado da nossa turma:

-Zig, por favor, ao sair deixe as botas em cima do banco. – Eu olhei pra ele e nada falei

Aqueles caras do setor automotivo eram incríveis!  A insensibilidade humana mais uma vez  me causava problemas ao se  preocupar com um maldito par de botas que deveria ser deixado sobre o banco do vestiário. Eu não era ladrão! Por que os homens não se preocupavam com coisas mais relevantes como a cura do câncer ou os loucos perdidos na multidão, ou mesmo com esses assassinos em série e que, apesar das evidências jamais são encontrados pela polícia. Não, não me surpreenderia se naquele mesmo instante houvesse um corpo esquartejado no porta mala dum Chevette 73 pronto para ser desovado às margens do Guarapiranga.  Porém não era isso o que  lhes interessava, nem mesmo á polícia, mas  sim um maldito  par de sapatos que deveria ser deixado num banco de vestiário.
Enfim, talvez fosse mesmo a melhor solução - Pensei - Ao mesnos me livraria das incomodas botas que causavam-me imensas bolhas, provavelmente por fornecerem-nas dois números menores ao que também deveria ser. Nesse quesito eu e o almofadinha nada  devíamos um ao outro.

-Ok! Estão aí! – Respondi jogando o calçado no banco.

Assim que abandonei a fábrica peguei um coletivo que me largou na estação ferroviária. De lá para casa mais hora e meia num ônibus apinhado de gente até descer no meu ponto, defronte à farmácia – “Hoje eu vou escrever” Disse comigo mesmo à caminho de casa, afinal eu gostava de escrever quando alguma coisa me emputecia. Ah sim! Também me julgava um escritor, sem talento é verdade, mas escritor. Livros publicados mesmo que fracasassados? Não, nenhum, eu er apenas um sujeito que peregrinava e deixava cópia de contos pelas editoras e jornais de bairros com um ar de cão pedinte, vadio, porém jamais obtive algum retorno. Talvez nem lessem o que eu escrevia e jogassem meus textos  na lata de lixo assim que lhes dava as costas..

E foi com esses pensamentos cheguei ao portão de casa e entrei pelo pequeno jardim e pressenti algo estranho - O safado do Jason não estava lá para me receber - Jason era o meu cão, enorme e mentalmente retardado,  Jason vivia dando cabeçadas por todos os cantos, um destruidor nato, principalmente das roupas estendidas no varal. Nele,  tudo eu podia suportar, menos a sua passividade com os gatos da vizinhança e a promíscua liberdade que lhes dava para que lambessem o seu rabo grosso e peludo. Ah, aqueles gatos!  Eu ficava furioso ao ver as pragas amotinadas pelo meu quintal, tagarelando entre si, algumas vezes com longos e agudos miados, talvez até trocando informações  sobre a movimentação do meu desmiolado cão.

Entrando em casa tudo permanecia da mesma forma quando saíra para trabalhar. Os quartos  bagunçados, na sala o chão sem encerar e  na pia da cozinha uma montanha de engorduradas louças. Procurei por Zelda, afinal ela deveria ter explicação razoável para tanto desleixo.
Fui para o quarto, nada! Nenhum vestígio dela. Abri o guarda-roupa e seus vestidos e blusas haviam desaparecido. Ao dar meia volta  percebi uma folha pousada na mesa de cabeceira.

"Querido Zig, foi impoçível continuar assim. Minha vida com você se rezume em lavar e paçar roupas, alem da limpesa da casa que tem que pareçer um brinco. Você abuzou demais de mim. Beijos! Até um dia.
Z"

Fiquei olhando para o inacreditável bilhete; Zelda gostar de assinar o seu nome com apenas a letra “Z” assim como o seu ídolo "Zorro". Bem, de resto eu já me acostumara com as trocas das letras, principalmente o  Ç, S, e o Z.
No fim do bilhete a última observação – “Estou levando O Jazom, pois sei que você não toma conta dele direito”.

Foi dessa forma tanto melancólica que ambos saíram da minha vida. Não mais teria a companhia da balzaquiana Zelda e nem do cão que, se humano fosse bem poderia ser taxado de esquizofrênico ou lunático.  Com muita dificuldade dormi. Ao amanhecer sozinho, sem a voz de Zelda reclamando de algo, sem os frenéticos e inexplicáveis latidos de Jason, entrei em colapso. O que poderia fazer além de lavar as louças e arrumar a casa? Chamar a vizinha para saber da sua vida com o marido ou o aproveitamento das crianças na escola do bairro era uma opção? Que merda! 

Passava das 13hr quando sentei pra almoçar. A casa estava limpa, as louças lavadas, e até o chão encerado. Procurei na geladeira e em vasilhas plásticas encontrei prontos o arroz, feijão e alguns pedaços duma lingüiça calabresa mal assada. Não, eu não iria almoçar. Irritado, tirei do armário  da cozinha um garrafão de vinho tinto “Sangue de Boi” que comprara na mercearia há uns poucos dias.  Talvez passasse das nove da noite quando  quando 3/4 do volume do garrafão se esvaíra. E isso significava que eu havia bebido demais. Num impulso tentei me levantar da cadeira da cozinha e tudo girou ao meu redor - Esbocei alguns passos e iria até a gaveta do armário do banheiro à cata de comprimidos pra dor, mas a deficiente coordenação não me permitiu ir muito além. Atirei-me ao sofá e trazendo curvo o tórax coloquei a cabeça entre os joelhos – Foi pior; O cérebro latejava como estivesse sendo martelado. Eu podia sentir cada pancada dos pinos penetrando as mãos de Jesus –

Deus! Eu jamais experimentara dor tão intensa. Aliás, eu até rezara dois padre nossos para me livrar dela, porém Deus deveria estar de folga ou em horário de janta, não sei ao certo, só sei que de nada adiantou. Eu sentia a cabeça massacrada e estava ao ponto de enlouquecer quando por desabafo evoquei:

-Satã, eu faço um pacto com você. Quer a minha alma? Livre-me dessa dor infame – Roguei em alto e bom som. Talvez as ferroadas em meu cérebro tivessem me afetado os miolos e eu continuei pedindo ao vento:- Também quero um emprego bom, a burra da Zelda de volta e o cabeçudo do meu cão– Pedi com voz mole.

Repentinamente o meu corpo incendiou, e eu me senti tostado, uma pizza saindo do formo à lenha. Antes de desfalecer lembro-me de ter vomitado no esgarçado tapete da sala.


- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


TRIMMMMMMMM... TRIMMMMMM......TRIMMMMMMM  - Era o maldito telefone que me acordava às 8 da manhã.

-Merda! Ainda não cortaram essa porra! – Ruminei. As contas estavam com três meses de atraso. Levantei com um gosto de papelão na boca e a uma sensação de ter a cabeça três vezes maior do que era. Peguei o telefone.

-Alô, é o senhor Zig? – Perguntou-me um sujeito de voz nasalada.

-É – Respondi mal humorado.

-Senhor Zig, quem fala é Afrânio, da Editora Newdymon. Gostamos muito dos seus contos e gostaríamos de publicá-los. Se tiver interesse poderia passar em nosso escritório para conversarmos melhor. É possível? Ah, nós mudamos de endereço – Finalizou -

-Claro! Claro! – Retruquei mais atencioso – Anotei o endereço da Newdymon e desliguei. Pensei sobre a ligação; Só agora eles davam retorno pros mais de 20 contos que lhes enviara há mais três anos.

Ansioso, não perdi tempo com outras divagações. Tomei banho e saí de casa vestido no meu melhor terno: um obsoleto modelo de ombros quadrados, bem ao estilo dos anos 70. Chegando à editora fui atenciosamente recebido pelo Sr. Afrânio. Depois de algumas amabilidades, cafezinhos e burocracias saí de lá com um contrato assinado e um novo nome artístico; Zig Borowski. Também assumira a obrigação contratual de apresentar num prazo de 12 meses outros 20 contos inéditos para um outro livro. O acordo, a meu ver, foi  em condições satisfatórias - uma renda mensal de 4.500 pratas, mais uma porcentagem fixa caso o livro superasse os 10.000 exemplares.  Antes de sair de lá e  atendendo o meu pedido a Newdymon providenciou um cheque no valor de dois salários - Finalmente o homem lá de cima começava olhar por mim. – Sorri –

De volta para casa pensava no vomito no tapete; Seria nojento limpar aquela coisa ressecada e mal cheirosa. E além do mais eu estava com um belo cheque no bolso  e não deveria me preocupar com os sapólios ou desinfetantes. Convicto, fui atrás dona Ernestina, faxineira das boas e que residia no início da  nossa rua.
Chegando ao seu portão bati palmas e fui atendido por seu filho - um pirralho 9 nove ou 10  anos - Como não estava, deixei o recado para que sua mãe desse um pulinho no núemro 420 pois tinha um bom serviço para ela. – Foi estranho, mas me sentia acima da carne seca ao falar com o guri que,  espantado só me olhava.

Chegando em casa  qual não foi minha surpresa ao ver Jason latindo no portão?  Ele parecia feliz ao me rever e o seu rabo se agitava mais que nunca.
Entrei e dei umas tapinhas na sua imensa cabeça e ele pulou em mim sujando-me com as patas, tanto a calça como o paletó do terno. Não liguei, estava feliz ao reencontrar o safado. Demonstrávamos  mútua afeição quando ele percebeu os gatos entrando pelo jardim. Foi o suficiente para desinteressar de mim e saltitar feliz ao encontro daqueles felinos pavaorosos. Ainda eu o olhava e ele ameaçava avançar nos animais, mas os gatos não estavam nem aí com ele não dando bola para os seus latidos.
Outra surpresa; Na sala,  Zelda me aguardava num vestido amarelo canário –
Em suas trêmulas mãos um outro bilhetinho. Ela o deu para mim.

“Zig! Me desculpa amor, Eu não sei onde estava com a cabesa para tomar aquela desição. Me perdoa amor, eu te amo muito! – Diziam as frases escritas por uma caneta Bic com a  tinta falhando –

Assim que terminei fixei-me nela por alguns segundos e lhe abri um sorriso. Foi o sinal que aguardava para atirar-se em meus braços. Seus lábios carnudos avidamente procuravam minha boca enquanto duas grossas lágrimas despencaram daqueles bonitos olhos escuros.
Surpreendentemente a casa já estava impecável. Tudo limpo, lavado e cheirado á desinfetante de lavanda – Nos atracamos novamente – Foi uma tarde mágica e fim de noite melhor ainda, talvez uma de nossas melhores trepadas. Depois pegamos no sono.

Repentinamente acordei e me senti em estado febril. Levei a mão sobre a testa e ela parecia em brasa. Um cheiro estranho  invadia o quarto. Olhei para Zelda e ela roncava como uma porca. Era um ronco estranho e finaliza num longo e pavoroso assovio. Levantei e fui para a cozinha – eu precisava urgentemente de água gelada – Após uns três copos eu voltava para o quarto quando ao passar pela sala  vi e o show de fumaças coloridas. Jesus Cristo! O que era aquilo? Sonho ou pesadelo?

-Zig, conforme o que combinamos... estou aqui – Ele disse, grave, austero.

Eu olhava para ele e tudo pareceu inacreditavelmente surreal. Eu sempre imaginei satanás como aquele da minha infância, vermelho, par de chifres, tridente, capa engra  e uma feição aterradora - Eu me enganara - Bem afeiçoado, barba grisalha e voz de galã, Satanás mais parecia um Brad Pitt cinquentão. Magnânimo e autoritário olhou-me friamente naqueles olhos azuis e sentado de pernas cruzadas na minha poltrona favorita inquiriu:

-Está pronto Zig?

-Pronto? Pronto pra que?  - Eu tremia. Terminara o encanto

-Zig... Zig! Com o diabo não se brinca! – Advertiu-me. Momentaneamente os seus olhos ganharam uma tonalidade rubra,  olhos de rubi.

-Não, não me leve a mal, mas não estou brincando... senhor, senhor, senhor..-  Nervoso eu tentava fazer-me de desentendido. Talvez o diabo fosse compreensivo.

-Demon! Charlie Bob Demon – Apresentou-se autoritário. Os seus olhos rubis me fulminavam. Eu tinha que falar alguma coisa.

-Pois é senhor Bob, num mundo de tanta gente ruim, desalmada e assassina, o senhor vem cobrar dívidas de um pobre e desafortunado trabalhador? – Claro, tolas chantagens emocionais. Restava apenas saber se satã era sensível.

-Zig, Zig! Não seja tão dramático e chantagista. Aliás, o nosso acerto nada tem a ver com essa coisa da humildade do trabalhador. Estou aqui apenas pelo nosso trato comercial. Toma lá, da cá, lembra-se? - Depois continuou:

-Para mim tanto faz o sujeito ser malandro, punguista, médico ou um metido a escritor. O fato é que meus serviços têm um preço e eu apenas estou cobrando. _ Disse polindo as enormes unhas numa camisa de manga curta num estilo florido e havaiano.

-Mas, mas, mas... - Eu tentava replicar, convencê-lo que eu era um zero à esquerda, um sujeito desimportante para o inferno, porém com o terror a voz quase não se ouvia.

-Sem, mas, mas, mas! Palavra é palavra e têm que ser honrada! – Replicou num riso diabólico. O cheiro de enxofre que desprendia dele era insuportável e impregnava a casa dum olor acre. Muni-me da derradeira coragem e apelei:

-Poxa vida sr. Bob Demon, o senhor não poderia levar em consideração que me encontrava completamente embriagado e fora do meu juízo perfeito?

-Oras, oras Zig!  Cu de bêbado não tem dono... não é assim que dizem entre vocês? Então.. estou aqui para te provar ao contrário. O teu têm e é meu!  – Sentenciou arrogante

-Mas seu Bob, por favor, me dá mais uma chance. O senhor sabe que o álcool nos faz cometer loucuras. – Ele me olhava impassível. Eu tentava ganhar tempo, gozar de sua simpatia


– Façamos o seguinte Sr. Demon! Esqueçamos essa dívida e eu vou ao mercado buscar um bom vinho italiano e discutiremos o assunto com mais calma O que acha?  –Sim, foi uma proposta pra lá de imbecil, contudo era a minha cabeça que estava a prêmio -

-Nada disso Zig! Se afrouxar  com você,que credibilidade terei junto a outros devedores? E olha, eles são milhões por todos os cantos dessa terra de Deus! - Justificou-se.

Pareceu-me estranho ouv´-lo  falar em Deus com tanta cerimônia. Então  levantou-se da minha poltrona  e a transformação manifestou-se. A aparência de Brad Pitt cinquentão foi consumida e em seu lugar chifres pontiagudos cresceram logo acima da testa. Sua pele, antes clara,  agora se tingia de vermelho e sua boca lançava labaredas que me tostaram alguns pêlos do peito. Agora sim o Sr. Charlie Bob Demon era o satanás, a imagem da minha infância.
Em pé, Bob abriu a sua manta  negra  com adornos vermelhos e eu vi o seu coração exposto e ladeado  por chamas que eram expelidas do seu peito..

-Venha para mim Zig! Venha! – Ele ordenava. - Venha! - Charlie Bob Demon insistia

-Não, por favor! Agora não seo Bob! – Eu me debatia, transtornado – Agora não! Agora não! - Eu suplicava. Não...não...não


- - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -



-Acorde homem! Acorda! Ta ficando louco? – Zelda me dava pontapés por debaixo do cobertor

Olhei no relógio, assustado – Eram 3 horas da madrugada –

-Que merda, Zelda! Eu estava tendo um pesadelo com Satanás! – Disse com o peito arfando enquanto o  suor me descia no rosto

-Ah! Larga de bobagens homem! Sonhos com o Diabo? Era só que me faltava – Exclamou Zelda.

Depois ruminou um tanto aborrecida e sonolenta: -  Agora vê se dorme e deixa a gente dormir. Você tem que levantar cedo! – Dito isso virou para o lado oposto onde eu estava e em minutos roncava novamente.

Fiquei olhando para ela e ainda sentia meu corpo febril e exausto - Parecia que eu havia tomado uma surra de um peso-pesado – Levantei lentamente e fui á direção do bolso da camisa e não havia qualquer cheque em seu interior. Confuso caminhei até à janela do quarto e a abri; eu precisava de ar, de brisa fresca. Olhei para a noite e ela estava bela. Ainda confuso exalava um ar gélido enquanto minhas vistas focavam as estrelas daquela noite de lua clara e que resplandecia de forma que jamais vira. Num céu forrado de astros  procurei pelo  Cruzeiro do Sul e o seu conjunto de estrelas era fabuloso. Esqueci as estrelas e fixei-me num canto perdido do quintal e me surpreendi ao reparar que Jason estava fora da sua casinha.  Firmei as vistas ainda mais e procurei pelos habituais gatos, mas não os achei, pois talvez até eles ficassem com o saco cheio das boboseiras do Jason –   Olhei para o meu cão e ele para fazer gracinha rastejava o corpo na grama do jardim e depois  esfregava o dorso na relva enquanto emitia pequenos ganidos – Aquilo tudo era novidade para mim, e talvez Jason estivesse em comunhão com a natureza

-Jason, vem cá! – Chamei-o carinhosamente estalando os dedos.

Assim que me ouviu ele se levantou daonde estava e a claridade me permitiu ver os seus movimentos – E lá vinha ele, ele e o abano do seu imenso e peludo rabo –
Assim que chegou próximo  Jason levantou o focinho e eu vi o seu olhar –  Os olhos faiscavam e estavam vermelhos como tomates maduros. Um calafrio me  percorreu. Foi então que entendi que Jason havia comprado a briga por mim e assumido o meu posto. Se dúvidas eu tinha, agora nehuma mais; O cachorro era o melhor amigo do homem.
Claro, como seria de se esperar fiquei apreensivo tanto pelo jason quanto à  minha potencialidade, afinal e de alguma forma o Sr. Demon achara que a alma do meu cão fosse mais interessante que a minha. 

-Valeu Jason! Devo-te essa! – Disse-lhe virando o polegar para cima e olhando praqueles olhos tão vermelhos como os carros de Maranello– Repentinamente a tonalidade rubra foi perdendo a coloração até voltar à seu castanho natural.Eu nada podia fazer.

Possessão findada e a alma entregue Jason abana o rabo e dispara na direção de uma das roseiras do jardim – Ele ouvira longos miados dum gato recém chegado –
Assim que Jason o descobriu juntou-se  a ele. Em seguida o bichano postou-se atrás do meu cão e lambeu o seu rabo peludo e grosso. Eu ri miseravelmente daquilo tudo. Eu tinha que voltar para a cama e tentar dormir pelo menos mais 3 horas, pois ás 6,30 eu tinha compromisso com o ônibus e a necessidade de arranjar um emprego.

Voltei para a cama,  deitei-me e suspirei fundo.  Adeus aos best sellers, salários, comissões. Fora uma noite insana, sobrenatural, eu conhecera o demônio e ele me vencara ao tirar-me tudo e ainda de quebra levar a alma do meu perturbado cão. Claro, eu deveria saber; O diabo jamais faz negócios para ter perder. 
Sorrateiramente ajeitei-me debaixo do cobertor e tentei ser cuidadoso para não acordar Zelda novamente.  Sutilmente ao me encaixar nela cutuquei o seu rabo com um dos joelhos - "Humm" - ela resmungou e eu, esperto, não fiz qualquer outro movimento. Depois fiquei olhando para o teto como se  tentasse vislumbrar algo - Nada – Fechei os olhos, talvez eu procurasse Deus e sua semelhança com Sean Connery. Eu tentava dormir e não conseguia, mas apenas pensava e os pensamentos me corroíam e eu questionava aquela loucura toda. 

Então só me restou torcer para que não demorasse a pegar no sono. talvez fosse aquele o momento de demonstrar alguma fé e eu rezei para quando o relógio me despertasse às 6 da manhã eu pudesse dar sorte e encontrar um emprego decente. Mas não era só isso. Não, eu também rezei e acima de tudo que eles estivessem por lá quando eu voltasse – Quem sabe eu encontrasse no portão uma Zelda apaixonada, que me beijasse com fúria naqueles lábios vermelhos e carnudos. Ah, como seria bom! E eu também  estaria feliz e a faria girar sobre o próprio corpo só para ver a sua beleza numa  saia  negra com quatro dedos acima dos joelhos. Meus olhos cintilariam e eu diria um “Uauu” e sorriria e daria uma palmadinha em seu bumbum arrebitado e sussurraria um "Eu te amo" no seu ouvido esquerdo. Ela, vaidosa,  retribuiria com um olhar de "cara, você é o sujeito mais incrível desse mundo" e nos acariciaríamos e minhas mãos percorreriam suas curvas e seus olhos faiscariam de desejos e paixão.

Jason, o nada implacável exterminador de gatos também sorriria, dessa vez diferente, olhos grenás, olhos que faíscavam q que àqueles gatos ainda teriam o desprazer de conhecer. Dessa vez eu me compadeceria dos pobres bichanos. E a vida continuaria,  assim como persistem os passos que nos levam sempre para algum lugar. Sim, em minha mente continuavam fervilhando as dúvidas e talvez a minha única certeza fosse de que o diabo preferiu o  meu cão a mim. Sim, o diabo me rejeitara,  e talvez a única salvação do heróico Jason fosse algum exorcismo com algum padre acostumado com o diabo. Contudo antes que isso ocorrese eu gostaria de ver como ele se sairia com aqueles gatos.

Até lá ainda tínhamos algum tempo.

2 comentários:

Um Telles..... disse...

Isso que dá mexer com o diabo....porém vai ser imprestável assim nem no inferno kkkk o demo optar por possuir o cão ao invés de alguém kkkkk afff esse alguém não sei se tem muita sorte ou é muito desprovido rssss aiaiaia...bom texto...legal sim...engraçado, bem escrito...Queria saber o fim do gatinho coitado rsss...Mas ai é outro conto não é?rss. Parabéns.

Uma TelleS.... disse...

Hunnnn modificações hein.....hun...ficou muito melhor o conto....e como sempre digo rss nem de conto eu gosto rsss porém rsss...sabe me recordei de um filme chamado: o homem que desafiou o diabo rss mas eu sei que vc não assiste filmes há anos rss e odeia literatura rsss....então apenas deixo reforçado o elogio ao conto...bjs,