segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A obscenidade dos pássaros vermelhos.

Na época eu estava com 52 e metido com uns garotos de 20 e tantos. E estava entre eles porque de certa forma a literatura nos aproximara: éramos participantes de um clube literário que homenageava o velho Buk. Evidente, para eles o que menos importava eram as obras de Bukowski, e sim o estilo de vida que o velho dizia ter. Uma forma de vida que passava ao largo de valores tradicionais, do bem estar ou do senso comum, ou mesmo a delimitação de algum horizonte para uma carreira promissora. Ali o que importava era falar em bebidas e putarias. Muitos deles universitários, desfilavam os seus mais variados cursos: direito, filosofia, historia, letras, línguas, medicina e os cambaus A4. Porém, o que traziam pra dentro da comunidade não era o grau da sapiência institucional em que transitavam, e sim, a agilidade de formular pensamentos de uma vivência mundana e a consequente transmissão destas posições para as teclas de um computador.

Garotos inteligentes e ferinos que eram, faziam dos duelos virtuais uma questão de sobrevivência, de necessidade suprema de manter o “status quo” do “eu sou fodão”, impondo ao oponente uma espécie de morte literária, principalmente àqueles que não mais conseguissem interagir aos desafios propostos por eles. E com o conhecimento veio a afinidade. E a afinidade, vez ou outra nos fazia marcar encontros em botecos do Bixiga ou da Vila Madalena, porém, desde que fosse referenciado pela maioria. Talvez eu tivesse algum prestígio entre eles porque me julgavam um sujeito irônico e sarcástico. Talvez nem fosse isso e sim o fato de eu usar o avatar de um Buk consumido, contornado no rosto enrugado por redondas e negras lentes, mesmo que essas originalmente fossem duas laranjas, as quais uma amiga tivera a idéia de pintar de negro para que dessem um efeito de óculos de sol. Lembro-me da primeira vez desses encontros:

-Combinado no Red Bird?

-Sim! No Bird! – concordaram grafando suas concordâncias.

Eu estava pontualmente as 9 da noite no Red, meia hora atraso ao horário proposto. Ao entrar, entendi porque o denominaram daquela forma; todas as luzes eram de um carmim pesado, que refletidas em nossos rostos faziam-nos parecer com os mortos-vivos das telas de cinema. Juntamo-nos nuns 12 ou 13; umas 5 mulheres e o restante homens. Mesas foram anexadas, e então um imenso retângulo abrigou à todos. As bebidas foram pedidas;cervejas, vodkas, gims, conhaques, e até vinhos tintos licorosos surgiram na mesa.

-Hey Veio! Tu gosta de vinho?

-Claro! – Eu respondi.

Um garoto me passou a garrafa de vinho e eu emborquei num longo trago, afoito, que permitiu um caudaloso rio vermelho transbordar da minha boca e manchar a minha branca camiseta do The Who.

-Véio, ta a fim de vodca?

-Manda! – E mais uma vez lá estava eu tragando um líquido transparente logo após ter ingerido cervejas e vinhos licorosos.

Talvez os garotos estivessem me colocando á prova; não sei ao certo. Talvez quisessem ver se eu era bom de bebida como achavam que era de idéias.

-Véio, tu quer........

-Sim, sim! Eu me lembro de ter aceito pela última vez, depois de quase 3 horas que estávamos lá.

Assim que dei o último trago na vódka, algo pareceu travar os pulmões e eu não conseguia respirar aquela atmosfera carregada de névoas de nicotina e de maconha. Então me levantei e dirigi-me à escada de saída; dragões com floretes duelavam dentro de mim - Assim que meu corpo se viu ereto, as luzes vermelhas pareceram ganhar uma coloração roxa, fúnebre. Olhei para os seus rostos e eles eram disformes, distorcidos, e suas vozes ecoavam em meu cérebro como se eu estivesse ouvindo hinos de guerra à beira do Gran Cannyon. Com alguma dificuldade eu tentei andar em direção reta; teria que haver alguma dignidade num sujeito de barba em boa parte branca, ainda mais vestido com uma camiseta daquelas. Ao ganhar as escadas as minhas pernas pesavam ½ tonelada, e foi graças ao amparo de um corrimão de madeira maciça que não rolei os seus 15 degraus.
Ao chegar no último uma garota de maquiagem pesada e botas escuras tentava entrar. O seu rosto era negro assim como a capa que a abrigava do frio. Ao se deparar comigo me pareceu um pouco assustada - talvez os meus olhos esbugalhados pretendessem se suicidarem, atirando-se do último andar da minha órbita ocular -

- Hey tiozinho! Tu ta mal pra caramba, heim? . Quer que chame uma ambulância ? – Disse sentindo-se em segurança, la pelo 7º ou 8º lance escada, depois de deixar para trás a minha aparência patética.

Lembro-me de ver o vulto negro no meio da escada e de ter ruminado para ele um “vá se foder” mas acho que não me ouviraram.

Ao sair pela porta e dar na calçada parecia que eu fora jogado num redemoinho e girava tão rápido como se fosse uma turbina de Itaipu, enquanto a ânsia de vômito me subia pelo tubo e ali, miseravelmente no céu da boca, encharcado, os detritos alimentares rogavam para serem expelidos. Mesmo estando completamente embriagado eu tentava ser altivo e então me esforcei, fechei os olhos e engoli de volta a maçaroca que transbordava da cavidade bucal. Com um gosto ácido na boca senti o vento gélido das frias noites de julho me arderam nos pulmões, e eu tentava andar contra o vento, na esperança que ele fosse a cura pro mal estar da morte. Minhas pernas trôpegas caminhavam em desalinho e eu não conseguia manter-me reto, e assim que tive a certeza que era um poste o que via na frente tentei agarra-lo; eu desabaria à qualquer instante. Consegui alçá-lo com os braços e me segurei para não cair; mesmo estando fora de mim, de controle, sempre senti esse horror de parecer ridículo diante dos olhos dos homens, das baratas.

Abraçado ao poste como se estivesse lamentando por alguém numa cerimônia de adeus eu senti o frio do concreto gelar-me a face. Olhei para cima e a luz néon iluminava um raio de 5 metros ao meu redor, e ao voltar com a cabeça o mundo rodopiou forte, e talvez, revoltado com meu estado de letargia não me perdoou: Longas, azedas e abomináveis golfadas foram lançadas na direção do vento. E as contrações vinham uma após outra e eu jateava e mal conseguia respirar.
Aos poucos a força que restou não foi o suficiente para manter o peso do meu corpo e então eu desabei ao pé do poste. Lá eu continuei vomitando, mas em quantidade menor e em surtos mais espaçados; sem detritos, somente um líquido ácido que me amargava a boca. Fiquei por lá uns 5 minutos, até que aparecerem alguns dos garotos.

-Hey veio! Tu sumiu! Ficamos preocupados – Me disse um deles tocando-me no ombro.

Eu apenas o olhei com olhos petrificados, mas sem falar: eu não queria me expor ao ridículo, mais que me expussera.

-Mano, o véio ta maus pra caralho! Que vamos fazer? – Questionou um garoto de cabelos loiros repicados, talvez o mais baixo deles.

-É, É! O véio tá maus mesmo! – Concordou um mais gordinho, de voz estridente.

Em seguida se agacharam e bateram as mãos nos meus bolsos à procura de alguma grana: Justo. Mesmo bêbado eu tinha que pagar a minha parte nas bebidas. Assim que conseguiram resgatar uns 30 ou 40 paus, um deles se levantou e caminhou de volta para ao Bird.

-O véio tá de carro? – Alguém quis saber

-Tá! Na hora que eu tava entrando eu vi ele sair de um Pálio. Ah! É aquela ali, ó!– Indicou um dos garotos apontando o dedo para a minha Weekend verde, estacionada do outro lado da rua, uns 30 metros adiante.

-Acho que é melhor levar ele pra lá !

-É! É sim!– Concordaram.

E então dois deles me levantaram e cada um passou o meu braço por seu pescoço e me carregaram para o carro, sem precisarem procurar as chaves do carro, que estavam aparentes no chaveiro, preso num passante dianteiro da calça.
Abriram a porta traseira e me socaram deitado no banco de trás.
Eu percebia todos os seus movimentos, porém impotente há nada eu contestava. Assim que me deitaram todos eles vieram ver como eu estava.

-Porra! O véinho num agüentou o tranco! Diziam uns para os outros.

Uma das meninas entrou no banco traseiro e se deitou em cima de mim - eu estava de bunda pra cima – então ela simulou o ato sexual - eu sentia os golpes da sua xana batendo forte no meu rabo -

-Tô te fodendo, véio! To te fodendo, sente! Ela sussurrava no meu ouvido enquato cavalgava em mim. Depois começou a gemer uns uis e ais, simulando orgasmo.

Era o sinal que os escrotos esperavam – Gargalhando, entraram uns dois no banco traseiro e me desabotoaram o zíper das calças, tirando-a pelos pés, me deixando de cuecas. Do lado de fora o vento zunia, parecia fazer frio, mas eu não o sentia, apenas um vento assoprando a minha pele. Assim que me viram de cueca, viraram-me.

-Quem é a filha da puta que tem coragem de chupar o pau do véio? – Desafiou um deles, e depois completou – Dou trintão pra quem topar.

Uma garota que vira a outra me fodendo foi a primeira a se apresentar – ela também estava bêbada- Eu olhava para ela: apenas um corpo e um belo par de olhos negros. Ela entrou, afastou ambos os joelhos e sentou-se na parte debaixo das minhas pernas. Em seguida senti seus dedos fazendo pressão lateral na minha zorba. A cueca já andava pelos calcanhares quando experimentei a sensação da sua boca enterrar-se no meu pau – “Slap, slap, slap” ela sugava quente e forte, mas não obtinha de mim qualquer reação.

-Caralho véio! Tu tem que tomar Viagra! – Gritou um deles, até que a menina, diante do fracasso, se deu por vencida.

-Putz! Assim não vai dar! O véio já era! – Ela bradou e gargalhou para os outros, enquanto subia minha cueca e depois as calças.

Assim que a garota travou o meu zíper eles me abandonaram ali deitado – acho que não mais achavam graça em mim – Eu os ouvia se afastando, ouvia suas risadas e gritos de guerra que desafiavam a madrugada.
Deveria ser mais de uma da manhã e eles traziam cervejas compradas num buteco rampeiro, defronte de onde estavam. Eu escutava o som das garrafas sendo abertas. Escutava seus rocks sendo gemidos na 97, alto, forte, saídos de um potente amplificador de um dos seus carros. Novas gargalhadas e então uma das meninas gritava para um exibicionista que dera de abrir as cervejas com os próprios dentes:

-Abre a minha! Abre a minha, Toni! –

Aquele mundo pervertido e perverso durou aproximadamente uns 70 minutos, até que comecei a dar por mim e voltar à realidade. Eu respirava com menos dificuldade e o raciocínio não estava entorpecido como antes:

-Porra! – Cadê a minha cerveja – Esbravejei com a língua enrolada no céu da boca. Tomei impulso e o tórax foi levantado com enorme dificuldade , tentando manter firme o meu pescoço.

-Seu velho filha da puta! Pensei que tu fosse morrer! – Berrou a garota da chupada. – Depois, veio em minha direção com uma garrafa de cerveja.

-Bebe aí, velho bebum! – Disse sorrindo ao entregar-me a garrafa.

Eu a peguei e senti o volume gelado me umedecer as mãos – eu estava vivo, finalmente! – Em seguida emborquei alguns goles para delírio daquela cambada de desajustados. Com algum estorvo consegui sair do carro e me juntar a eles. Foi então que algo mágico aconteceu – Eles me olhavam com certa admiração – Eles sabiam que eu estava muito velho pra acompanhar aquela “pegada” – Mas sabiam também que eu fora um lutador – Um daqueles velhos e obsoletos peso pesados, sem o “upper cut” de antes, sem o cruzado demolidor de outros tempos – Eles sacavam isso e valorizavam o que achavam que eu representava – Talvez eu fosse pra eles algo mais que um velho babaca, ou um sujeito ridículo que tentava competir com suas juventudes e seus hábitos de vida – Eles percebiam isso. Foi então que a garota da chupada tocou em meu ombro e me pegando pelo braço nos levou de volta para o banco traseiro. À princípio, fez sinal para eu entrar – Entrei – Em seguida ela se acomodou ao meu lado, e colocou o meu rosto entre suas mãos. Então enfiou a língua dentro da minha boca – O gosto azedo, acre se juntou ao meu. O contato da sua língua, quente, viscosa, meu deu algum tesão e o pau tentou levantar, mas não foi além. Ela pegou minha mão direita e a levou para dentro do seu sutiã, e a imensidão do seio me encheu a palma. Ela me olhou com aqueles seus olhos negros que teriam fulminado Fidel Castro, e pediu:

-Véio, faz massagem no meu peito. Eu sei que não vai ser hoje, mas eu quero ser fodida por você.

Eu olhei pra ela e sorri. Eu não poderia me desculpar; tinha o lance da altivez. Em seguida formei a mão em concha e o fiz saltar para fora – Ele surgiu como a liberdade de um ginasta que ganha as barras assimétricas.
Era belo, apetitoso, um mamilo enorme. Parecia que me fitava, então deslizei a cabeça em sua direção e o beijei até senti-lo rijo. Em seguida o peguei com ambas as mãos e o suguei como se fosse a primeira mamada em minha mãe. Ela gemeu, sensual, jovem, feminina.

-Véio, o Bukowski teria me deixado na mão? – Perguntou-me.

-Claro! – Eu confirmei – Aquele velho não comeu 1/3 das mulheres que diz ter fodido – Disse sorrindo nas palavras zonzas.

Ela também sorriu – De alguma forma ela queria me comparar á Bukowski, imaginar que realmente eu pudesse ser Bukowski.

-Mas, Véio, você vai mesmo me foder algum dia?

-Vou!. Não hoje, mas vou – Eu lhe disse com palavras ainda tortas.

Em seguida voltei a acomodar o seu seio dentro do sutiã e fiz sinal pra ela sair. Ela saiu e eu também. Esbarrando em seu corpo entrei pela porta do motorista, sentei no banco. Dei a partida e o motor rugiu forte, descompassado, e os garotos olharam para mim, surpresos. Ela se manteve ao lado da porta. Acelerando bruscamente apertei a busina e lhes dei um sinal com o braço – era um breve adeus – Soltei a embreagem o mais rápido que pude e à tempo de ouvir um deles gritar:

-Seu velho filha da puta, amarelão!

Era esse o estilo deles, a “pegada” deles, e isso me fazia bem. Eu não tinha mais os seus 23 ou 25 anos, mas seria capaz de dar conta daquela garota de belos olhos negros. Não naquela noite, eu bebera além do meu limite, tentando provar sei la o que, sei la pra quem. Talvez em comum entre o Velho Safado e eu havia essa necessidade de convivermos com os garotos, reciclar-nos em algo, apesar de certamente nem sabermos no que. Talvez, ainda mais em comum havia o fato de perdermos mulheres interessantes. Mulheres essas que só nos sorririam uma única vez. Eu perdera a minha chance, apesar do mundo ser constituído de chances, chances e mais chances. E com as chances sempre vinham os blefes, e eu blefara como num jogo de poker. Eu me iludira com um relés amador que acredita que pode quebrar a banca em Lãs Vegas com um simples par de copas na mão. Um erro quase imperdoável, mas que certamente me traria uma nova oportunidade para poder acertar. Afinal, seria justo que o mundo crucificasse alguém por um motivo desses?
Eu acreditava que não.

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