quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Véio China...um traidor!


Eu estava ansioso. Aliás, mais que ansioso...nervoso. Era a primeira vez que meu personagem marcava um encontro inadiável. “Precisamos ter uma conversa séria. Aguardo-te no BDE às 21hrs –Véio China” – dizia a mensagem em meu celular.
Estranhei. Seria dinheiro emprestado? – me perguntei. Não não! O China sempre foi ponderado, econômico. Nunca fez questão de casa em local nobre, apartamentos com suítes, viagens pras Bahamas, carro do ano, e todas essas coisas burguesas. Bem...o que poderia ser? Talvez pretendesse juntar os trapos com alguma dona e queria ver se eu bancava a sua despedida de solteiro – Seria isso?  Não não! Acho que também não. O Veio jamais foi chegado nessas frescuras de firmar rabo de saia.

Bem, o que sei é que aquilo martelou em minha cabeça no passar do dia. Claro, em vista a seriedade da intimação lá estava eu no BDE às 9:20hrs, em ponto. Entrei e vi alguns bebuns espalhados pelas mesas bebendo cervejas, caipirinhas, copos de vinho enquanto escreviam. Procurei o China com os olhos e o vi sentado solitariamente numa mesinha de canto mais ao fundo do bar. A penumbra do local combinava com seu rosto sombrio e vincado.

-Porra! 9:20 não são 9:00hrs! – Esbravejou ao me ver e olhar pro seu relógio de pulso.

-Desculpe Veio, me atrasei porque tive de deixar a Sara em casa. O carro dela quebrou e..

-E eu com isso, merda! Ela que tomasse um taxi! –  Mal humorado cortou

-Ta bem! Desculpe! Desculpe! – Realmente ele não estava com feição boa.

Olhei para ele e me deu certa pena. Veio China era sujeito solitário, e isso naquela idade não era bom sinal. Vivia as custas de uma modesta pensão paga pelo governo. Eu perguntava aos meus botões o como ele se “virava” com tantas responsabilidades. Fora o aluguel do quarto, havia a despesa com alimentação, vestuário, remédios e outras necessidades. Ele me flertava com certa impaciência.

-Quer um trago? – Ele perguntou. Confirmei com a cabeça. Ele chamou o garçom.

-Uma vodka pro moço - Pediu com ar sisudo enquanto bebia do seu drink.

Assim que chegou eu a emborquei metade num único trago. Aquilo desceu queimando como se um dragão cuspisse bolas de fogo no meu esôfago. Era uma bebida horrível, e ele percebeu pela minha feição de asco ao estalar a língua.

-Então! Isso é pra você ver. É essa porcaria que você me faz beber, Sputnik, uma vodka ordinária,  de 5ª. – Ele suspirou erguendo os braços lateralmente à cabeça para soltá-los com enfado.

-Caracas, China! É ruim mesmo! Eu não fazia a menor idéia – Tentei me desculpar

-Sim.... E isso sem contar os bloods que me faz engolir, um após outro, todo o santo dia – Se lamuriou.

-Uai! Mas, quais são os problemas com teus bloods? Acho que eles te dão um ar cult, de coisa underground, descolada, um estilo eclético - Devolvi com certa empáfia.

-Cult?  Cult, é? Você só pode estar louco! – O bloodmary que você me faz beber é  com puro-purê de tomate  Cica! A pimenta é de vidro, e da Jimmy, ainda! – Ele alardeou.

Bem, ele tinha toda a razão. Na verdade um bom blood se faz com vodka de qualidade, com legítimo suco de tomate. E se for pra ser de primeira é indispensável algumas gotas de pimenta ao nível da Tabasco,  americana – Concordei em pensamento.
Novamente ele emborcou um longo trago. Sua feição recendendo desesperança se estendia aos sulcos do seu rosto, agora mais talhado que da última vez que o vi. Recolocando os olhos em mim  perguntou conciso:

-Ainda ta de rolo com a Sarah?

-Sim, por quê? – Estranhei a pergunta

-Por quê, por quê? Porque a Sara é uma garota sensível, leal, amorosa, decente. E essa somatória de atributos deveria deixá-la à léguas de você. – Respondeu com certo aborrecimento

-Véio, vai me dizer que você não gostaria de ter uma mulher assim ao seu lado? –

-Claro! Mas....sem chances! – Retorquiu ferino.

-Sem chances, por quê? – Espantei-me.

Ele me olhou seriamente como um pai austero e infeliz com as notas no boletim escolar do fedelho de 10 anos.

-Por quê, cabeça de pudim? Simplesmente porque você só me faz relacionar com rampeiras! Putas! Vgabundas! Em todos esses malditos anos que estamos juntos foi unicamente o que você me deu....tranqueira! – Berrou. Seus olhos faiscavam.

-Mas...Véio, isso é bacana! Veja, reservei para você o submundo, os esgotos e todos os tipos de miseráveis existenciais. Isso é totalmente underground – Exclamei confiante e continuei:

-Perceba Véio. Empregos péssimos, pensão de governo, vodka barata, quartos de pensão fedendo à barata, e. principalmente...esses malfadados relacionamento com as prostitutas, é a mais pura vivência underground, um subterrâneo de excentricidades  fadado à poucos. –

Discursei inflamado.  Incompreensível era o fato dele não perceber a importância da sua história, do destino que lhe dava.

Ele nada ouviu. Ele não estava mais ali, aliás, a sua atenção não estava.  Olhei para onde se dirigia o seu olhar e encontrei o destino. No balcão do bar duas altivas  mulheres loiras e balzaquianas. Afirmei o olhar e elas pediam informações ao Niko, o barman. 
Compreendendo o que elas queriam apontou o dedo na direção e elas vieram em ao nosso encontro. Ao chegarem próximas eu pude sentir o perfume do Chanel 5 delas; Certa vez eu tivera um caso com uma grã-fina e distinguia a fragrância. E vinham num andar altivo, coisa de classe, e  isso podia ser comprovado naqueles trajes de gabarito, uma,  inclusive,  portava um estola de pele e a qual eu não reconhecia. Talvez  fosse de lontra.

Já em nossa frente pediram licença para sentar.  Educado, concordei.
A mais bonita delas era um perfeito desfile de jóias que reluziam diamantes e platinas  em seus anéis, pulseira, brinco e colar. A outra, quase tão bela quanto portava uma pasta de couro, executiva, provavelmente de antílope. A grife era visível;  Christian Dior. Foi a da pasta executiva que perguntou, dirigindo o olhar ao China:

-Por favor, o senhor é o Veio China?

-Sim! – Respondeu ele naquele seu jeito rude, seco.

-Senhor China, conforme combinamos por telefone, trouxe  a Claris Lisprevitor. E eu sou a Ludmila Zohen, sua secretaria- Disse olhando carinhosamente  para a amiga.

-Ô, que honra dona Claris! – Disse o China ao pegar-lhe a mão e beijá-la com sofreguidão.

Caraça! Claris Lisprevitor? Eu sabia que já vira aquela mulher! Claris era simplesmente a mais famosa escritora nacional. Fantástica autora, Claris era um fenômeno e tinha seus romances publicados em diversas línguas, verdadeiros best-sellers em mais de duas dezenas de milhões de exemplares vendidos. Era inacreditável, mas la estava ela em carne e osso sendo beijada por aquele escroto. Inclusive, pela sua forma de sorrir parecia ter gostado do malandro. O velho afastou os lábios das suas  mãos sedosas e me apresentou:

-Claris, esse é meu autor, Leduard Pavone! – Ela sorriu discretamente para mim.

-É já ouvi falar – Disse sem grande entusiasmo

-Sr. China podemos ver os papeis agora? – Perguntou Ludmila com ares de eficiência profissional.

Heim? Mas que merda era aquela de “vamos ver os papéis”? –  Aquilo me assustara.
Foi naquele momento que o Veio pediu licença á elas para ter um particular comigo.
Elas assentiram e rumaram para o balcão. Ainda olhei para elas e vi o Niko tirar da prateleira um Jack Daniels; Era lendário o fato de Claris Lisprevitor  ser fanática por ele. Inclusive li várias  reportagens nessas revistas de fofocas dando conta dos seus escândalos e porres homéricos.
O velho percebendo a minha aflição  pediu-me para sentar. Ele transpirava e eu demasiadamente confuso.

-Garçom! Duas Sputnik, por favor – Ele pediu ao Norberto, o garçom mais antigo do Bar.

Assim que as bebidas chegaram tragamos em duas talagadas.  Provavelmente ela deva ter queimado tanto como a outra vez, mas nervoso, nem me apercebi. Estava assustado com aquilo tudo. Foi então que o China tocou a mão em meu ombro e falou:

-Pavone, te chamei aqui hoje para darmos um fim à relação profissional autor/personagem, Pavone/Véio China. Fui procurado pela Ludmila há coisa duns 10 dias. Ela disse que a Claris adorava o estilo do Veio China. Inclusive já sabiam que a marca  “Veio China” estava registrado em meu nome, portanto direito autoral  meu.
Eu não te falei na época, mas há muito tempo eu registrei a marca, pois te conhecendo, não me foi difícil supor que me venderia por qualquer 10 contos de réis. E assim, diante do fato ela se mostrou interessada e negociamos cifras, percentuais e outras relés questões mercadológicas.

-Mas, mas, mas.... – Eu não conseguia formar qualquer raciocínio diante do que aquele velho me falava. A garganta secara por completo, não havia saliva em minha boca.

-Veja Pavone. – Ele continuou. – Com Claris vou ser um personagem de filigranas. É bem verdade que vou continuar permeando esse mundo erótico, porém com filigranas. Vou vivenciar o Jet - set internacional, transar com as mais descoladas atrizes, cantoras internacionais. Inclusive terei um caso com uma famosa Secretaria de Estado. Claro! O meu nome será o único há não ser ficcional. A idéia de Claris é internacionalizar a marca “Veio China”. E daí e se tudo correr bem, serei marca de perfume masculino, estarei estampado em invólucros de camisa de Vênus, marca de xampu anti-caspa, boneco inflável com pênis de 22 centímetros, e outra infinidade de produtos que atendam as necessidades do mercado. O meu acerto com ela foi de 50% para cada parte,  em tudo!

-Mas, mas, mas... –

Era inacreditável. Aquele velho desgraçado me enfiara uma adaga pelas costas. E ela doía, doía muito, e sangrava, sangrava, e o sangue escorria de mim ensopando a toalha engordurada da mesa e pingava pelas beiras e como cachoeira mergulhava na direção do piso. O velho era um traidor, o maior  de todos, maior até mesmo que Cleópatra.
Definitivamente aquele sujeito era o maior filho da puta deste mundo!

Inconsolável eu olhava para os bicos dos meus sapatos esfolados enquanto o China sinalizava para que elas voltassem para nossa mesa. Elas chegaram e sentaram-se  - “Corja de Safados”  -  Pensei comigo mesmo.  E além do mais a sorte deles é que eu nunca fora um sujeito de escândalos; talvez essa minha parte covarde e fraca  fosse suprida pela coragem que eu  impregnava no meu personagem. O Veio China,  esse sim em minhas mãos jamais teve medo de algo –  Concluí aturdido.
Diante um sinal afirmativo do velho a fina secretaria abriu sua pasta, esparramou os papéis por sobre a mesa, separou alguns e iniciou a leitura. Primeiro discorreu sobre publicações de livros com o China sendo o protagonista, depois adentrou às questões dos produtos que levariam a marca do velho. Por fim referenciou os  percentuais –

-Para, Claris Lisprevitor caberá a participação de 50% no lucro líquido dos negócios - Fez uma breve pausa e continuou - Para Veio China,  25% do lucro líquido.  E aqui cabe a ressalva......


Epa! Mal começavam a sociedade e já estavam passando a perna no velho? Aquilo me revoltou e eu a interrompi.

-Cambada de aproveitadores! 25% jamais serão iguais à 50% ! – Vociferei alto. Já bastava um lesado naquela história. Pra que outro?

Elas riram. O velho gargalhou até perder o fôlego. Eu não entendia nada. Assim que as contrações desistiram do seu abdome forrado de banha e  flácidez  Ludmila continuou:

-Caberá à Leduard Pavone, 25% do lucro líquido dos negócios. Esta aqui o cheque de  R$ 200 mil  para  algumas necessidades iniciais que tenham. Podemos assinar agora, senhores?

Por Jesus Cristo! Eu me tornara um milionário em menos de 40 minutos e  três doses de vodka? Ah, eu sabia que aquele velho jamais me deixaria na mão. O China era o cara mais fantástico do mundo! Talvez eu tivesse alguma participação  pois eu o construíra um velho, sacana, mas, um sacana de princípios.
Selamos o nosso acordo com apertos de mãos e abraços, exceto o China que tascou um beijo melado no perfumado rosto de Claris Lisprevitor . Sorríamos uns para os outros enquanto Ludmila e os seus peitos 46 me olhavam de forma convidativa.

-Garçom, por favor, Jack Daniels pra todos!  E por favor, traga a garrafa e deixe outra de sobreaviso. Rompemos com a miséria!  – Bradou o velho devasso.

O mundo nunca me parecera tão belo. Eu olhava pra todos aqueles bêbados, pros escritores   e torcia para que tivessem a mesma sorte que  a minha ou que se ficassem  próximos. Outras coisas me invadiam os pensamentos naquele instante; A minha pequena e embolorada kitchenette da Pça da República era carta fora do baralho.  Que tal um 3 dormitórios com hidromassagem  no Pacaembú?  Ah sim! O carro também. Eu daria o meu Gol 95 com rodas de liga leve pro Luis, porteiro do meu prédio. Eu sempre me amarrara naquela Van que ostentava uma enorme e empafiosa estrela metálica um pouco abaixo do capo. Queria-a de cor negra tal qual os olhos de Sarah ou provavelmente como algumas sensuais lingeries  “Victória Secret”  de Ludmila Zohen .

Copirraiti Dez2010
Véio China©



sábado, 11 de dezembro de 2010

Flagrantes caseiros (Da série Avô & Neto )

-Vô! A gente ta apaixonado quando o coração da gente bate muito rápido? – Pergunta o garoto.

-Também, Lauro Roberto. Também! – Responde laconicamente o seu Jurandir.

A avô, observador, já flagrara a excitação do neto ao flagrar a vizinha do andar de baixo bronzeando-se ao sol. Graças à ampla área de serviço restrita unicamente aos apartamentos de primeiro andar, a moradora mantinha o hábito de se refrescava numa dessas piscinas de plástico, vestida a bordo dos costumeiros e ínfimos biquínis de tonalidade clara. Ele mesmo havia passado maus bocados ao ver aquela garota de 23 ou 24 anos com o rabo empinado dourando ao sol. Portanto eram questionamentos inerentes à liberdade que mantinha com o neto. Todavia sabia dos perigos que essas conversas esondiam, ainda mais com um garoto que nem completara os  seus 13 anos.

-Mas...Como assim ... “também”, vô? – Insistiu o garoto.

-Óras! É que também pode ser alguma taquicardia, oportuna. Antes que me pergunte o que é, repondo; é o excesso de  batimentos do coração. Não explicam isso na escola, menino? - O velho tentava distraí-lo, levá-lo pra longe daquela conversa.

-Vô! Isso não tem nada a ver com a minha escola e nem com que me ensinam! - Após a réplica uma curta pausa para em seguida voltar à carga -  Vô! E se a gente além de sentir o coração batendo forte, ainda se sente muito  feliz ao estar perto de alguma coisa. Isso não está me dizendo que posso estar apaixonado por aquilo?

-Nem sempre, Lauro Roberto! Da última vez que vi meu time ser campeão me deu uma batedeira danada e fiquei numa felicidade só! E nem por isso estava apaixonado! - Ele sabia que subjugava a Inteligência do neto; privilegiadíssima diga-se por sinal.

-Ô vô! Assim não da pra gente manter uma conversa de gente grande, pôxa! Eu até até te perguntar uma coisa que não tenho nem mesmo acoragem de perguntar pro meu pai -

Respondeu num tom de quem dava muita importância a pessoa que estava em sua frente. Se havia coisa que aquele fedelho sabia fazer era uma boa chantagem emocional. E o moleque, se apercebido que deixara o avô sem reação apontou o gatilho e mandou ver:

-Vô! Eu queria saber se quando  fico todo “coisado”  ao ver a Cleide do 14 se queimando ao sol... isso não pode significar que eu esteja amando ela ?

Era esse o assunto que o velho tentava evitar. Primeiro, Lauro Roberto não tinha idade e nem discernimento para discutir coisas das questões adultas. Segundo, porque não era só ao neto que a vizinha dos biquínis excitava, Ele mesmo sempre estava de olho nas movimentações vindas do andar abaixo.
Contudo, pelo sim e pelo não ele tinha que escapulir daquela conversa.

E assim, num jogo de estratégias o Sr. Jurandir permaneceu pensativo por alguns momentos;  “Já imaginou se minha filha me pega nessas conversas com o seu “Lari”? - Perguntou-se com alguma culpa no cartório - "Aí é que tô fuzilado!” – Concluiu incomodado.
" Mas...tem que ser agora!" -  Decidiu-se ao voltar o olhar pro garoto.

-Então... "coisado". É assim que você fica ao ver a  Cleide, heim Lari? - Perguntou-lhe meio constrangido, quase estagnando sua voz no "coisado"

-É vô! É assim que eu fico; coisado, principalmente na hora da piscina! Por isso que eu falo; é paixão, é paixão, eu sei que é paixão! - O garoto Insistia

Arre égua! Como lidar com aquele garoto? Contudo a experiência tentou mostra-lhe uma saída.

-Que paixão que nada, Lauro Roberto! Tire isso dessa cabecinha de cabelos amarelados ! - O velho exclamou refutando a conclusão do garoto.

-Bom..então se num é paixão, que raio que é, vô? - Ele jamais poderia entender tanta teimosia daquele velho. Evidente! aquilo era amor. Só seu avô para não querer perceber.

O Sr. Jurandir levantou-se do sofá e de onde estava olhou profundamente para o guri; Ele achava lindos aqueles olhos azuis do neto - Em seguida pigarreou, ajeitou os ombros, deu alguns passos na direção dele e ao passar  por ele deixou a resposta namorando o ar:

-Lauro Roberto, querido! Isso não tem nada a ver com paixão e nem com o amor! Isso é somente a tua vontade de fazer xixi...capito, capito?

Foi com certa perplexidade que Lauri viu o velho atravessar o corredor e seguir na direção do quarto.
O Sr. Jurandir fez até que não ouviu uma pequena frase de revolta deixada atrás de si: "Gente velha é foda, viu!” O garoto resmungara baixinho.

Ao entrar no seu quarto o velho foi acometido por uma explosão de gargalhadas, mudas como o bom senso mandava ser; Não seria bom dar bandeira numa hora daquelas.
As contrações doloriam-lhe o estômago enquanto a mão enrugada selada na boca  evitava que o riso fosse ouvido. Mais um pouco e  já acalmado dos espasmos e ali sentado em sua cadeira de balanço o  velho cedeu ao relembrar Cleide, o sol e as tonalidades dos seus libidinosos biquinis. No ir e vir do móvel, pra ele uma única certeza; Os problemas dele e do neto com a exibicionista do 14 estavam  longe de terminar, aliás, mal começavam.


Copirraiti 2010Dez
Véio China©

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Captain my Captain

 Captain my Captain!

Era assim que ele gostava de chamar a si. A certeza de falar unicamente aos  botões parecia revestir o termo "Captain my Captain"  de toda poesia que necessitava a solitude dos seus dias.
Há muito nada trazia interesse ou coisa que  importasse. Deixados para trás como  as nuvens de tempo  ficaram os homens e  suas hipocrisias. Ao final, cansado de fraudes despiu-se de humanidades e foi para o mar. Talvez fosse esse o  legado;  as águas e um horizonte infindo  a apaziguar a alma.

O tempo veio e com ele se tornou o sentinela dos mares.  Nas ondas bravias o pequeno barco era apenas tonalidade esmaecida, emergida à sucessão de ondas. Esquecera por completo do espírito humano ao ganhar um novo alento;  Nadie, um cognome carinhoso dado por ele a Nadine, uma majestosa orca que circundou o seu barco num dia de sol ardente e jamais o abandonou.

E os anos decorreram e era comum flagrá-lo orgulhoso  diante dos movimentos da sua Nadine. Eram momentos que Captain my Captain gritava palavras de incentivo a cada salto da baleia como se ela fosse  a sua cadela de estimação. E ele apenas ria e ria; Nem ele sabia se havia enlouquecido ou transmutado num  peixe; Um peixe com feições humanas. Um homem-peixe que alimentava-se unicamente  daquilo que o mar oferecia.
Quem o visse navegando os mares, sem destino e relegado a própria sorte questionaria se Deus o houvera esquecido ali  ou  apenas se divertia ao vê-lo digladiar com a fúria dos oceanos. Jamais se soube a verdade.

Contudo, num dia de mar agitado e céu cinzento a trégua veio.  Nadine se manteve quieta, serena, apenas emitindo lamentosos assobios. Naquela manhã a baleia não irrompera em saltos  e nem espanara a cauda na fragilidade da embarcação à espera dos xingamentos do velho comandante.  Captain my Captain não acordara com a aurora e nem tocara por três vezes o bastão no madeiramento  para chamar a atenção da velha amiga. Nada disso aconteceu. Ao contrário; supõe-se que Deus tornou-se tanto mais  melancólico ao abrir mão do seu destemido guerreiro.

Ao fim daquela mesma tarde, cravado entre as pedras costeiras  o barco de Captain my Captain foi resgatado. Um pouco distante dali  Nadine mergulhava incansavelmente, voltando à tona , rodopiando a sua imensidão no ar como se fosse  a estrela de um show aquático. No barco, ao lado do leme, entre os enrijecidos dedos de Captain my Captain um papel de amarelado tempo foi encontrado. Nele,  uma poesia ainda legível; Era de sua autoria.

Captain my Captain

Perversa, num quebranto além mar
a tempestade avassala o que  resta
No horizonte vislumbro coisas que me desordenam
Seria o arco-íris ou as visões das minhas quimeras?

Desorientado, dobro-me às terminações nervosas
sangrando lamentos nas interseções do meu tempo
Qual a finalidade de mim nessa vastidão azul?
Desconhecendo, amaldiçoo aquilo que me fez sobrevivido

É assim, sem saber quem sou, que deixo-me levar pelas ondas;
Talvez eu seja apenas a deriva dum velho barco solitário 
que singrou todos os mares, mas que jamais resgatou
a consciência perdida do sujeito que um dia fui


Por algum tempo  os estalidos de Nadine foram ouvidos  por todo aquele pedaço de costa. Porém tudo mudou num dia de ondas mansas ante a torridez dum sol que abrasou rochedos e fez arder a pele dos pescadores.. E foi sob a exuberância dum ceu de nuvens densas que pareciam raptar  a beleza do firmamento  que uma última vez a baleia  foi vista ; Talvez Nadine descobrira que nada mais havia ali.

Copirraiti 2010Dez
Véio China©

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

BBFB - O BBB do Bar do Escritor -


5:00 AM – O silêncio reinava completamente na casa BBFB - Nesta edição a produção do Big Brother Fazenda Brasil apostou metade de suas fichas numa comunidade literária de Orkut,  convidando alguns dos seus membros para o "reality show".
Programa em curso em sua 8a semana,  metade dos participantes se encontra eliminada, rendida ao magnetismo e empatia que os sobreviventes mantinham junto ao grande público – Sete sobraram;  quatro mulheres e três homens, carismáticos, todos da comunidade do Bar do Escritor, óbvio.
Naquela madrugada foi a primeira vez que o bicho pegou. O aborrecimento da maioria ficou latente pois os embalos daquele sábado à noite não foram curtidos na sua plenitude, fato comprovado pelos "ochokos" contendo saquê e deixados  pela metade, espalhados entre exóticas  iguarias da culinária e a eclética e vibrante decoração de uma festa japonesa. Não passava de meia-noite quando  todos se recolheram, exceto o Veio China que,  solitário e na varanda dedilhava a nolstalgia em seu violão relembrando canções de um passado que lhe abria algumas  fendas.

"Lampião de gás, lampião de gás....!" - Ele cantava com a  voz grave e ligeiramente ébria.

Momentaneamente algo se junta ao seu canto  triste; Era nada mais nada menos que o sapo Harry, seu  inseparável parceiro de melancolias. Aliás, Harry, exceto a sua grande amiga na casa, era o único a lhe prestar alguma solidariedade. Incentivado pelo apoio repentino  seguiu-se outra canção, agora acompanhado pelo desafinado anuro:

"Oh Chalana sem querer....! ROAH! ROAH ROAH!"

E a canção,  de certa forma trazia um complexo sentimento quanto a árdua batalha de sobreviver a tudo  naquele maldito jogo de egos e vaiades. E a constatação se viu no anteceder da madrugada e nas agressões mútuas, acusações pesadas,  atiradas por vezes à esmo. Tudo começou por volta das 22:00 horas,  como passaremos a  relatar:

-Véio, não agüento mais dormir na cama ao lado da sua! – Reclamou Liz – Não há nariz que aguente esses gases fétidos a noite toda!

-Uai! Aonde consta no regulamento que eu não posso flatular? Eu flatulo, tu flatulas, ele flatula! – China ver e defende-se batendo firme o dedo indicador no grosso tampo de madeira da mesa da cozinha.
Liz sorri sarcástica ao ouví-lo criar o verbo "flatular". Contudo, conhecedora da teimosia do velhaco achou melhor não colocar reparo.

- E vocês que ficam mostrando o rabo o tempo todo?  Por acaso eu reclamo? – Vocifera olhando para todas.

Ele aprendera desde o pré primário que o ataque sempre será a melhor defesa, eficiente ou não. Aliás, isso só poderia ser gozação do Véio China; se havia algum sujeito que jamais reclamaria de mulheres mostrandos as nádegas, fatalmente essa pessoa seria ele..

-Ah, cê tá de  brincadeira, Véio! - Replicou Rosa Cardoso - E quanto as tuas flatulências, nem deveria se valer do regulamento e sim da educação! Deveria por princípios saber onde termina o seu espaço e começa o do outro! – Concluiu severa.

-Isso mesmo. Tá com toda razão, Rosa ! - Reforça Barbara em apoio à amiga - E ainda se fosse só isso! O pior são os  roncos dele que me fazem acordar sobressaltada  - Finalizou ao olhar com severidade para o homem dos puns.

-Bom! Se eu solto gases e ronco,  é inconsciente! Se estiver dormindo não domino as ações do meu corpo. E se não domino, como posso controlar as vontades que se dão nele? Sabem... tudo isso é científico.... - Defende-se mal sabendo se há sustentação na ciência para sua afirmação. .

-Humm, humm, humm....... Deixe de conversa fiada, Véio! Isso já é estória pra boi dormir! – Exulta Zulmar, para depois completar – Pior que isso são as tuas cuecas deixadas dentro do box do banheiro.

-Sim, e o que tem minhas cuecas? - Descaradamente  China. questiona o amigo.

-O que tem suas cuecas? Óras! Larga de ser cara de pau, Véio.  Elas ficam mofando já que nao tem o hábito de lavá-las. Vira e mexe tem moscas zanzando por la! - Revolta-se o amigo dirigindo a todos, abandonando sua costumeira e metódica postura iogue.

Sem resposta que contradissesse o amigo, o velhinho dessa vez sentiu  chamas tosqueando suas batatas.

-Olha gente, acho que vocês estão sendo intransigente com ele. Eu não tenho nada a reclamar do meu velho queridón,  tun tun tun – Tenta defendê-lo a Fazendeira da semana e amiga de todas as horas; IndiaOnhara.

-Claro né! Não há nem como te sentires  incomoda! Se tu dormes com  fones de ouvido e tubinho de oxigênio, reclamar do que? – Ironizou a Liz. – Vai me dizer que quando não estás com esses fones horrorosos não escuta o arrotos desse troglodita? - Ataca novamente Rosa Cardoso

-Eu não! Não ouço, não ouço e não ouço! Jamais ouvi o Véio arrotando –  Outro dia o vi soluçando, mas, arrotando? Nunca, tum tum tum! - Novamente  IndiaOnhara defende o amigo.
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Claro que ouvia! Contudo sua extrema gentileza com o amigo jamais deixou de ser exercitada. Se fosse preciso ela o defenderia até o fim. E outra; Índia pressentia que o velho corria perigo. Ela podia sentir nos olhares.

-Putz, India! Então você é mais incrível que ele! Os roncos do infeliz mais parecem  turbinas de  747 em plena decolagem- Finaliza Barbara mais debochada que irônica.

-Bem, querem que confirme algo que não ouço? E quanto ao tubo de oxigênio é por causa minha bronquite asmática! tum tum tum – Justificou-se Onhara.

-Tá! E os fones de ouvidos? – Investiu Rosa Cardoso

- Bem...Quanto aos fones é que só consigo dormir com músicas árabes. E pra se ter a plena comunhão com o universo é necessário ouvi-las sem qualquer interferência dos ruídos do universo, na plenitude da paz! Capito? tum tum tum! – Conclui Onhara.

-Ah, vocês estão fazendo tempestade em copo d’água – Ameniza mestre Calaça, entrando em ação – Os meus problemas com o Veio são bem outros... – Anota o poeta –

China surpreende-se com as falas do amigo. Ele nunca imaginou que tivessem problemas. Pelo sim ou pelo não isso o perturba:

-E quais são esses problemas, cumpade?

-Veja, Veio. Eu entrei na casa com 12 cuecas samba-canção. Agora só me restam quatro. E pelo que eu saiba, eu e você somos os únicos nesta casa a usá-las. O compadre Zulmar gosta daqueles mais entradinhas no rêgo – Se queixa contrariado – Será que minhas cuecas criaram perninhas por conta própria? – Finaliza tanto sarcástico.

-Bom... acho que não, né? Mas... Você é mesmo um ingrato, mano velho! – O tom lamuriento da voz do Veio tem finalidade; ele tenta sensibilizar o amigo.

-Ingrato? E por que eu seria ingrato, amigo China? Sempre fui correto com você – Afirma Calaça. Ele sabia que teria que ficar esperto; conhecia as jogadas do amigo.

-Ingrato sim! Quer ver como és um?

-Quero! – Mostre! Desafia Calaça

-Por acaso é você que lava as cuecas que eu possa abduzir da sua gaveta? – Pergunta- à queima roupa ao  bom e velho Calaça.

-Não.. num lavo, mas... - Calaça claudica. Que raios de colocação estapafúrdia foi aquela? Aonde aquele espertalhão pretendia chegar?

-Então! Se você não lava e eu não lavo, já não é um motivo para estarmos quites? Ô mania de perseguição comigo, sô! - Exclama Veio China com um sorriso sacana no rosto ante a  perplexidade do amigo.

Evidente, matreiro do jeito que sempre foi, o China sempre supõe-se escapando daquilo que normalmente não se escapa. Pois bem! Não escapou; Apenas Calaça, sabedor dos lenga- lenga e lero-lero daquele sujeito tinhoso soube que o momento era de fazer-se de desentendido; bosta de cachorro impregnada em sola de sapato sempre seria um transtorno.

..........................E assim decorreu aquela semana até que se chegou no domingo. Domingo, c mo todos sabem é o dia de eliminação. Como era de se prever, lá estavam o  China e  a Liz no paredão. Como fazendeira da semana, ÍndiaOnhara, indicara Liz.  Do outro lado e por votação, o Veio China foi emparedado pelos participantes da casa, sem que compreendessemos exatamente a composição dos votos:
Dos seis votos possíveis o China obteve a indicação de 100%, ou seja, a totalidade. Mas para se chegar nessa totalidade seria necessário que ele  votasse contra si próprio. Pois é, ele votou!
Todavia a hora era agora e chegara o grande momento. O Brasil votava em peso e o âncora do programa, Fredo Trial, dava oportunidade aos emparedados  dizerem ao o porquê mereciam permanecer na casa.

-Liz, querida! Por favor, vá ao confessionário e diga ao Brasil os motivos pelos quais merece continuar na Fazenda! – Solicitou à participante

Liz, sorridente, tchauzinhos para a câmera, solta um gritinho histérico assim que entra no confessionário” Allan! A mamãe te ama!”  Depois senta-se e ansiosa pede apoio ao Brasil:

-Olha gente! Eu mereço continuar porque participo das tarefas. Logo cedo vou ao estábulo e cuido dos cavalos, ao chiqueiro e lavo o local. Ordenho a vaca diariamente. Muitas vezes consigo extrair 6 litros do mais puro leite - Diz com ares de cansaço.

-Não existem outras coisas que faça e que gostaria que o Brasil soubesse? - Insinua Fredo Trial. Provavelmente ele achara  fracas as justificativas de Liz.

-Bem.... Ainda ajudo nos afazeres da casa, lavo louça, limpo o fogão, o chão.  Que mais, que mais? Ah! Faço comida, lavo o banheiro, limpo o furô. Tava me esquecendo...faço pipocas em microondas, corrijo e faço indicações aos poemas dos meus colegas,  menos do Veio,  é claro! Bem gente! É isso!
É por tudo isso que mereço ficar na Casa! Obrigada, Brasilllllllllll!

-Grato, querida! – Responde um sorridente Fredo Trial, ao pedir para que saia do confessionário

– Véio China! Pode se dirigir à cabine e fazer sua defesa. Rápido, por favor! - Indica ao participante aparentando certa impaciência

O Veio China adentra o confessionário. Fredo Trial o bombardearia com perguntas capciosas, tal qual a descarada edição televisiva da Rede Bobo ao dar  de mão beijada a vitória a Collor sobre Lula.
Antes de passar a defesa ao emparedado, Fredo Trial faz iniciar suas tendenciosas colocações.

-Veio China, vou relatar algumas situações que gostaria que respondesse ao Brasil. Certamente seriam perguntas que o povo estaria fazendo, se pudesse – E continuou -Não é verdade que você levanta depois do meio dia? – E continuou....

-Minto se falar que você nada faz só para ficar de papo pro ar na rede da varanda? E insistiu....

-Seria menos verdadeiro o fato de você terminantemente se recusar a limpar qualquer cômodo da casa ou, participar da turma da bóia? Persistiu.....

-Seria inverdade dizer que espertamente aproveita-se dos descuidos das pessoas para subtrair-lhes o sabão Omo e o amaciante Confort para as suas cuecas?  E perseverou....

-Seria mentira dizer que os animais não tem a menor afinidades com você?  -Concluiu.

O Véio se  manteve  impassível diante a parcial metralhadora de Trial. Era mais que evidente que Trial pretendia eliminá-lo. Estratégicamente fez bocas e caretas ao disparar a pergunta final que, segundo sua avaliação sacramentaria a exclusão do China:

-Você tem como justificar tudo isso, senhor Veio China?

O Véio permaneceu impassível dentro do confessionário. Repentinamente vai ao ar para milhões de brasileiros um sonido estreito, agudo: Era umas dassuas  famosas flatulências. Mais alguns segundos e um arroto gutural também estarrece o país.

-Brasil, desculpe a flatulência e a eructação - Diz aparentando toda a calma desse mundo. -  Bem....sobre as questões levantadas por Trial, tenho a dizer que sobre o sono é porque sofro de Tripanossomíase Africana –  Justifica ao apresentador.

-Ah sim! Já ouvi falar da tal doença do sono – Exclama Fredo Trial – Contudo, até para ela há remédio...e há muito tempo!  – Trial sorri, sarcástico; tentava demolí-lo.

O China percebe a sua joagada. Ocupa alguns segundos com su avaliação  da situação. Processado, responde com naturalidade ao Brasil induzido:

-Bem, Trial... é que de fato nunca senti a necessidade de fazer tal tratamento! A doença vive comigo há 57 anos. Nasceu comigo, de parto. Atravessou uma infância pobre, conviveu  numa juventude espancada pela ditadura, esteve comigo na imaturidade das minhas ilusões, nos casamentos desfeitos, e até nos momentos de alegria. Sabe... há quase 40 anos trabalhamos juntos. Aposentamos juntos, e ainda juntos diante da necessidade damos nossos pulos na informalidade de uma banquinha de  livros de 2a mão no Largo da Concórdia.

-Sim...mas.. - Tenta protelar Fredo Trial. Contudo a hora do apresentador passara. Aquele momento pertencia ao Véio China, e ele sabia disso.

- Sabe Trial...somos eu e a minha doença mais dois brasileiros que envelheceram juntos. Apenas mais dois andarilhos recorrentes das humilhações nas filas do SUS, vilipendiados por olerites escarnecidos de paupérrimas aposentadorias pagas pela União. Aposentadorias essas que não nos permitiriam  sequer pagar o  aluguel de um quarto e sala na periferia de São Paulo. Portanto Trial, não fale do meu sono. Fale das dificuldades que vivo, das necessidades que passo apesar de tanto de mim ter dado a esse país. Vagabundos não se aposentam por tempo de serviço! Sabia, Trial?

Fredo Trial o ouve atônito. Por essa ele não esperava; “Esse filho da mãe sabe como fazer uma chantagem emocional”– Rumina Fredo, entre dentes.

Na casa, no confortável sofá do BBB as justificativas do China  sensibilizam os colegas. Liz também se comove. Alguns deles deixam rolar a emoção em discretas lágrimas. O Brasil também se mostrara solidário, e sensível vota em peso, talvez numa tentativa frenética de mudar o que já parecia sacramentado.

Encerrada a votação e passados menos de 10 minutos entre as peças de publicidade para a TV, Fredo Trial anuncia o resultado; Pela sua feição tanto decepcionada já se previa o resultado:

-Com 51,09% dos votos....Você....Liz! Está eliminada! - Anuncia oficialemnte.

"Vocês vão ter que me engolir" – Grita um Véio China pulando e socando o ar ao mais puro estilo do Rei Pelé.

Os participantes abraçavam-no emocionados; ainda não se tinham dado conta que no dia seguinte a vagabundagem se reiniciava. Cavalheiro, o Véio suspende do chão  a enorme bagagem de Liz e juntos se encaminham até o portal de saída onde será recebida por Trial, familiares e torcedores.

Antes de ela transpor o portal, eles se abraçam enquanto ele sussurra para ela:

-Foi pena, Liz! Definitivamente você era a melhor!

-Eu sei! – Ela responde – Porém você foi esperto. Percebi a tua joagada -  Ela responde enquanto se encaminha para o portão de saída. Ele a vê sumir pela porta. Os pensamentos não lhe largam.

Na mente daquela sujeito de cabelos ralos reprisam velhas imagens dos vídeos dos Mundiais de 50, 54, 74. Brasil, Hungria e Holanda eram descaradamente os melhores, e não levaram.
Depois só o imenso alarido lá fora: parecia dia de jogo de Palmeiras x Corinthians, de Flamengo x Fluminense.
Ele apura os ouvidos com as mãos em concha e escuta da galera “Liz Liz Liz Liz”
Logo depois “Véio Véio Véio Véio”

Ele sorri. E sorrindo segue o caminho de pedras brancas, caprichosamente dispostas no gramado, fazendo um caminho que o levará a sede. Ele sabe que tudo se faz motivo para um show, ele é parte disso.
E o show, como dizem, jamais poderia parar. Ele sabe que nada mais é que um festival de tempo perdido, de fatos tolos, coisas fúteis e  falsidades planejadas. Ele tenta compreender a necessidade da nação por ídolos. Ídolos tão inúteis e fúteis quanto às fumaças que desaparecem pelos vãos dos dedos dos fumantes impregnando pulmões incautos.

Quem sabe se ele não poderia vir a ser a pessoa mais amada do Brasil?
Claro! Um inútil famoso por 30 ou 40 dias, não tinha problema!
Ele estava cansado de saber de tudo isso. As manipulações, em maior ou menor grau jamais lhes passaram desapercebidas.  Sempre ele soube que a lábia é capaz de conduzir mansamente o mais feroz dos bois ao matadouro. E ele era prova cabal; acabara de penetrar na sensibilidade dum Brasil sedento por mentiras. Aquilo fora uma farsa! Alias a farsa mais séria da sua vida.
E agora finalmente compreendia  que tanto quanto os outros estava ávido por aqueles dois milhões de reais.
“Custe o que custar” – Disse para si ao sentir a tendenciosidade de Fredo Trial.
E foi naquele momento que descobriu o quanto valia a pena competir.
E agora era pra ganhar! Ganharia? Ele não sabia!
Sabia sim que para haver chances razoáveis deveria elaborar boas estratégias.
E, estratégias, eram com ele mesmo.


Copirraiti 2010Nov
Véio China©

domingo, 5 de dezembro de 2010

Dezesete anos, bonito, sensível e viciado em bloodmary

Eu chegara em casa mal pra caramba. A angústia viera comigo pelo caminho onde tudo pareceu tão triste e até  mais que as lágrimas que ameaçavam despencar. Decididamente eu não choraria – Eu era macho, muito macho – Disse para as gotas que afloraram.
E além do mais, chorar pra que?  - Perguntava-me  –
Lembro-me que entrando pelo portão dei á porta da entrada de casa e ao colocar a chave percebi que havia algo estranho naquele som que num volume insuportável percorria o corredor, atravessava a sala para no fim reverberar em meus ouvidos.
Mas que merda seria aquilo? Meus pais estavam viajando e Benê, a nossa empregada, em férias  (Sempre que meus pais viajavam cismavam em dar férias  pra coitada). Entrando na casa nenhuma alma,  não havia ninguém, aliás, havia sim, o meu avô. Mas aquele velho a quem quase nada conhecia, pouco  falava e se  refugiava em seu dormitório mais tempo ao que permanecia fora dele. Aliás, o seu quarto que eu apelidara de bunker, porquê era cercado de mistérios e segredos e onde ninguém tinha autorização para entrar, nem mesmo a minha mãe.

Contudo, recordo de certa vez que só  foi o velho descuidar-se uma única vez ao sair de casa deixando a sua porta destrancada para que descobrisse os seus obsoletos mistérios. Lembro-me que ao entrar no quarto me deparei com as paredes forradas de pôsteres dos seus ídolos e amores. Por la desfilavam Leila Diniz com uma rosa vermelha nos cabelos,  Marta Rocha, a miss,  Rachel Welch e Brigitte Bardot. Um pouco mais adiante o mártir venerado por todas as gerações; Che Guevara, seguidos pelo do  Beach Boys,  Beatles e uma bandeira do Esporte Clube Madureira.  No lado oposto uma imensa  flâmula da Beija Flor ladeava com outros Posters tais como do Eder Jofre, Jerry Lee Lewis, Creedence Revival,  Bob Dylan, e no fim da parede um do AC\DC.
Mas não terminaram, ainda havia  a cabeceira de sua cama, e acima dela um do sorridente John Fitzgerald Kennedy na companhia do casal Jean Paul Sartre e  Simone de Beauvoir. Todos me pareciam fazer sentido, exceto o AC\DC, já que não fazia menor ideia o que  Angus poderia ter em comum  com todos aqueles dinossauros, e principalmente tendo em vista a idade do vovô. Talvez  e agora eu acreditasse mais que nunca que o pai de meu pai  fosse aquilo que pudéssemos rotular de.... um figuraça.

Era isso o que relembrava ao ensimesmado avançar corredor adentro e notar que o som vinha do meu quarto e  sustentado por um  Pró-1200,  antigo amplificador da Gradiente da década de 70 e de potência extraordinária, e que,  juntamente de duas pesadas caixas acústicas Jumbo detonavam a música com estardalhaço.  Claro, eu sempre dera preferência aos aparelhos isolados tais como o toca CDs, tape-deck, equalizador, sintonizador, pois além de suportarem altas potências e numa eventual quebra saberia  qual  a unidade danificada.
Caraca! Praticamente com o pé dentro da porta do meu quarto o som era avassalador  e eu próprio jamais ouvira naquele volume. Me Deus!  Entrei e dei com meu avô curtindo  “Hells Bells” do AC\DC! Á princípio supus um marginal tentando se habilitar nos meus aparelhos, mas era ridículo imaginar um gatuno ouvindo rock pesado em plena atividade do roubo. Já no segundo passo observei que as  vidraças da minha janela trepidavam e o meu avô dançava ao mais fiel estilo Angus Young, levantando uma das pernas, indo em frente, saltitando e tocando a sua guitarra imaginária. Em cima da minha mesa de cabeceira uma garrafa da vodka Sputnik pela metade ao lado um copo quase vazio denunciava que ele andara se alcoolizando. Ao me notar  o velho não deu o menor sinal de  ter ficado surpreso.

“Hells bells/ Hells bells, you got me ringing" A música persistia e vovô seguia adiante com seu dançado insano, um Angus sexagenário, e era simplesmente inacreditável o seu vigor do velho e via a boca fechando e abrindo num duo com Brian Johson . Claro, eu também era da da turma do rock, mas meu gosto musical era literalmente oposto ao que vovô curtia. E fiquei por lá curtindo aquele  ambiente quase que surreal até que a música  terminou ele diminuiu o volume.

-Fala, seo bunda mole! - Ele me disse numa voz mole. Olhei para a garrafa de vodca e ele havia consumido mais da metade dela.

-Vô, ce tá louco? - Foi o que consegui dizer, ainda perplexo com o show.

-Vá la cozinha pegar um copo pra você! Aproveite e traga uma garrafinha de suco de tomate que ta na geladeira. E ah, não se esqueça a Tabasco, sal, limão e muito gelo. – Ele pediu ao colocar três dedos de vodka em seu copo vazio –

“Bunda mole”? – O meu avô nunca tinha falado comigo daquela maneira. definitivamente ele estava em pior estado do que imaginara  – Cada coisa maluca que ele pedira. Olhei pra ele surpreso e ele me pareceu irritado.

-Ainda está aí fedelho? - B em, não seria eu que discutiria com vovô, portanto  fui à cozinha e trouxe-lhe o que indicou.

-Vô, pra que esse monte de bagulho? – Perguntei curioso ao colocar tudo em cima da rack do meu computador.

-Hoje você vai conhecer o verdadeiro bloodmary., a bebida de macho!  – Ele me disse grave e depois abriu um sorriso bem  sacana. Era a primeira vez que eu bebia com meu avô, aliás, eu nada bebia exceto Gatorade e energéticos

Jamais estiveramos tão próximos -Concluí. - Enquanto ele despejava a vodca em meu copo, depois adicionou meio copo de suco de tomate, duas gotas de pimenta Tabasco, sumo  limão, e uma leve pitada de sal.   Por fim misturou tudo com uma colher  e despejou três pedras de gelo e me mandou  beber.

-Um gole profundo, anda, beba! – Me incentiva.

Talvez me fizesse bem beber, pois retornava da casa da Aninha, minha namorada, aliás, ex-namorada. Ela havia me dado um pé na bunda  pra ficar com um carinha do cursinho da Poli  -
" Alex, entenda por favor! Estou apaixonada por um sujeito mais maduro que você" -  Ela confessou pedindo-me compreensão. Depois subiu ao seu quarto e voltou com  o meu skate que  guardara  numa semana atrás -  Eu bem  que percebera que ela se mantivera fria comigo por todo tempo que estive ali, mas não supunha que o motivo fosse um outro sujeito - "Quer saber, Aninha? – Vá se foder!" –  Ruminei  num murmúrio doído assim que ela  me deu as costas e desapareceu por detrás da porta da sala.
Eu estava mal, muito mal, pois amava aquela loirinha de  peitos 46 e manequim 38. Valéria era três anos mais velha que eu. Talvez fosse essa diferença o motivo da minha grande paixão, nunca vou saber.
Porém isso de nada me valia e então fiquei atento às mãos de vovô; Eu precisava  me desviar das lembranças.

-Vamos lá! manda ver! - Ele ordenou ao brindar o seu copo no meu. Olhei para a bebida de cor atraente e enfiei goela abaixo aquela mistura de gosto horrível. Eu era macho, muito macho! Que não duvidassem!

-Bom, né? – Ele me pergunta. Eu não queria desapontá-lo, portando levantei o polegar num sinal de positivo.

O velho sorveu o seu copo em no máximo quatro grandes goles. Terminado voltou para meu aparelho de som e colocou outra faixa. Dessa vez foi a “For Those About to Rock”
For those on the line and those on the make, we salute you, yeah" - Brian cantava com sua voz esganiçada enquanto vovô me incentivava a terminar com o drink com sinais insistentes do polegar apontando para a boca, assim como se estivesse pedindo carona. Incitado, dei umas cinco ou seis talagadas e consumi o líquido carmim que desceu queimando, e mesmo que não fosse muito bom. estava me dando barato e eu comecei a rir, inexplicavelmente. Terminadas as bebidas ele preparou mais dois e novamente  brindamos os copos, enquanto novas músicas do AC\DC eram tocadas. Já não me sentia dono de mim, nem do meu raciocínio, e muito menos das frases ditas por minha boca

-Aninha! sua vaca, vá te foder!  Tinha que me chutar pra ficar com aquele babaca? - Gritei quase que  em transe enquanto o som penetrava em meu espírito diante daqueles rocks maneiraços.  Nada é eterno, muito menos a bebida, e assim e ao fim do nosso segundo blood a Sputnik  havia terminado.

-Vô! Eu quero mais dessa merda! – Disse entusiasmado. E Aninha? Ah..Aninha que se fodesse mesmo! Deveria existir no mundo peitos mais bonitos que os dela, pois pernas eu tinha certeza que haviam. Surpreendentemente vovô deu uma travada em minhas intenções.

-Pega leve, garoto! Pega leve! – Ele alertou. Eu não entendi muito bem; primeiro me incentivou e agora me mandava maneirar.

Mas o velho sabia dio que falava, tinha experiência, afinal depois do meu segundo drink me senti bêbado, completamente alcoolizado. Aquela coisa tinha me devastado. O bloodmary era bem diferente dos Ice que  ves ou outra eu tomava, e isso mais por influência da Ana, pois eu não gostava. Surpreendente e velho sai do meu quarto e vai para o seu e volta de com uma nova garrafa de vodca. Talvez o meu estado de espírito tenha se aliado ao seu sexto e  o obrigaram agir assim. O som persistia no mesmo volume absurdo e ele preparava novos drinks, e eu não relutava e bebia e o meu sentimentos se perdia no cadência do contrabaixo e dos diabólicos riffs de Angus Young.  - “Ah Aninha, por quê? Por quê? - Ainda me perguntei ao início do terceiro bloody  e o meu pé socava o piso com força para depois tentarem imitar os passos de Angus, assim como vovô o fazia

“Back in black, I hit the sack/I've been too long, I'm glad to be back' - Brian urrava louco e vadio o mais puro rockin roll. Minha cabeça rodava e eu sentia que não podia parar, e então dançava e cruzávamos um à frente do outro saltitando como cangurus. E aquilo estava divertido e eu pegara o jeito que Angus fazia com a perna e que fazia multidões delilarem

-Vô, quer saber? ! A Aninha é uma grande  filha da puta! – Eu disse atropelando palavras enquanto ele foi ao aparelho colocar outro  CD pra rodar.  Pelo jeito naquela noite só ia dar  AC\DC. .

-Ah! a Aninha... É  aquela loirinha de bunda magra e peitos grandes? –  respondeu sem denotar qualquer surpresa. Pelo jeito nada passava  desapercebido por ele..

-É vô! É essa mesmo – Confirmei. Em meu rosto algo parecia estar represado,e  então as lágrimas desceram e fizeram um caminho até o queixo. Meu avô percebeu.

-Guarde um pouco dessas lágrimas, garoto – Ele disse – Você necessitará demasiadamente delas  na tua vida. Sempre as deixe secarem para outras virem. - O som de sua voz soou duro, gélido, insensível. Talvez meu avô jamais tivesse amado. Talvez nem mesmo soubesse o que era o amor.

-Vô, o senhor já chorou? – Perguntei enquanto tentava disfarçar esfregando  o dorso  da mão direita sobre os olhos.

-Choro, claro! Choro, ouço AC\DC e encho o cu de bloodmary – Ele respondeu  rígido como um iceberg.

Foi então que notei; ele também devia estar com seus problemas. Mesmo envolto em pensamentos confusos e complexos  eu percebia agora o toque que ele me dera: “Deixe que sequem para outras nascerem” –  Talvez o seu tom de voz carregasse o peso dos erros enquanto na sua boca  um gosto de sangue amargo  fosse aquilo que era sentido. Olhei para ele , e ele estava embriagado, mas era duro e não caía, mas apenas me olhava e seus olhos brilhavam mais que o rotineiro. Pensei comigo e para mim os bêbados deviam parecer tristes assim como eu estava.
Então entornei mais um gole quando  me veio a primeira ânsia  de vomito e com ela só o tempo de  ir ao banheiro e vomitar.  E eu vomitei. Vomitei  muito, vomitei  tudo o que havia para ser vomitado; detritos de alimentos, vodca, suco de tomate, e por fim vomitei a Aninha.
Esbarrando em objetos, derrubando coisas  e enfeites do corredor foi que retornei para o quarto. Vomitar me fez sentir melhor, ao menos estava livre das ânsias.

E voltando me deparei com meu avô dançando, e ele era o próprio Angus Young, e ele era duro na queda e persistia naqueles  estrambóticos passos  no alto dos seus  63 anos, tentando manter o equilíbrio, assim como o fazemos na vida, pois é ela é o teste para os nossos nervos, ela que nos vestes a loucura, ou faz mantermos-nos sãos, apesar das  pressões que jamais terminam.
E  ele continuava bebendo com o mesmo vigor duma idade que já não possuía,  suportando o peso de muitas mágoas e decepções que nunca eu haveria de saber, além do fardo do próprio corpo que se certamente caminhava para a  velhice.  Contudo e  para os poucos que conhecessem o seu temperamento, talvez para esses as suas lágrimas pudessem ser perceptíveis mesmo que persistissem  no alto dos olhos como espelhos de águas que não desabem. Talvez vovô estivesse cansado desse jogo todo,  do feio pretendendo ser belo e das desgraças se fingirem  bençãos. E isso me tornava atento para o quanto essa vida poderia me surpreender  -
" You shook me all night long" -  Tocou e Mr. Brian cantava enquanto eu  e vovô atravessávamos o quarto, dois Angus Young, um mais jovem e outro um pouco mais velho. A bebida  ainda se aproveitava dos  restantes efeitos que me causava e vovô ria para mim.
Eu tinha um avô, e talvez ele fosse  meu novo mestre, o guru, e aquilo começava parecer interessante.

Copirraiti 17Jan2013
Véio China©

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Andie MacDowell que me perdoe! ( Para Rosa Cardoso)

Sentia-me ansioso ao aguardá-la ali entre os cotovelos de algumas dezenas de pessoas. Era chegado o dia de conhecer uma das minhas poetisas prediletas que vinha à São Paulo unicamente para conhecer seus amigos escritores.
Aliás, o meu estado parecia ir além da ansiedade já que ardia em meu peito uma alegria quase juvenil que fez-me revoar em rgressão aos meus 14 anos. Resguardadas as devidas proporções, era como se me devolvessem o tempo e a admiração quase santa que nutri pela professora de francês no meu 4º ano ginasial. “Saviez-vous que je vous aime, ma chère?” - ela costumava dizer-me à saída das aulas, sempre aos beicinhos e de uma meneira que eu gostava de supor provocante.
Talvez os seus olhos amendoados e o belo par de pernas por debaixo de suas saias sempre justas, aliados ao meio palma acima do joelho me causassem compreensivo pânico. No fim das contas um “oui” era a única resposta que eu lhe tinha antes de abandonar a sala e ganhar o alarido dos corredores. – Deuses jamais estariam sujeitos à profanações - Era a conclusão que chegava a cada de suas insinuações, brincadeira ou não. Lógico,  conspirava contra a lascícia o respeito que sentia por dona Catarina, ainda mais diante do fato dela ter sido minha professora desde o 1º ano daquela série.

Talvez  a recordação pouco ou nada tivesse a ver com a poetisa que eu aguardava. Todavia encontrava-se lá a mesma excitação dos tempos das aulas de francês, lembranças que de mim não desgarravam ao esperá-la na ala de desembarque do Aeroporto de Congonhas. Conforme o que combináramos eu viera munido da placa indicativa com meu nome  - “Véio China” -  o que deveria facilitar o reconhecimento.
Repentino,  um imenso alarido e o saguão é tomado por outras dezenas de pessoas portando  cameras e filmadoras profissionais. “Nossa! O que poderia ser?” questiono-me ao perceber o  bando se infiltrando entre nós, deixando-nos ainda mais espremidos. Um pouco mais de correria generalizada e os “clicks” das máquinas foram  ouvidos às dezenas.

Flashes espocavam como se querendo fazer sol  naquele início de noite de um dia de calor modorrento. Repentinamente ela surge pelo saguão interno. Era ela!  O andar refinado num par de saltos 12, clássico, espetacular. Os flashes persistem espocando em sua homenagem.
Uau! Era para a minha linda poetisa todo aquele aparato?
Claro! La estavam os paparazzi  a sua espreita,  o que não deixava margem para qualquer outra interpretação.


E isso me deixou feliz. Contente ao presenciar o fato que sua poesia, de alguma forma  havia galgado os horizontes impostos àqueles que pretendam se tornar celebridades. Chegara no topo, no mais alto dos  degraus sem que eu soubesse como foram vencidos. Me era uma gratíssma surpresa! Todavia sentí-me incomodado; E se perguntassem para ela quem era o  senhor de barba branca e óculos negros que lhe pareceu tão amigável? Quem seria aquele sujeito de ares desgastados com um cartaz  irregular em folha de cartolina? Eu pressenti-me  insignificante naquele momento que me foi impossível não acatar à mesma conclusão dos tempos de ginásio – deuses jamais deveriam ser incomodados – Diante a definição nada mais me restou se não esconder o cartaz –  Talvez ela nem tivesse  notado   –
Notara sim! Tanto que vinha sorridente ao meu encontro.

-Nice to meet you. You seemed very nice! – Ela disse-me à queima roupa – Permaneci estático. Mas por que estaria falando comigo em inglês ? –  Me questionei.

Eu não sabia o que poderia estar se passando por debaixo daqueles cabelos sedosos e de um perfume delicioso. Esnobismo, talvez? Não! Impossível! Jamais lhe percebera tal ranço. Em todo o caso eu não seria  indelicado, então lhe respondi timidamente:

-Sim! Você também é tão ou mais simpática e bonita que em suas fotos de Orkut -

-What? Orkut? what has this to do? – Ela rebateu olhando com certa surpresa.

Eu continuava sem compreender. Ainda mais que os paparazzi avançam para uma nova sessão de fotos. Eram mal educados, grossos,  berravam, urravam, gemiam:

-Please, Andie MacDowell, join the old man! Please! – Rogavam num inglês que se pretendia surtir efeito.

-Andie MacDowell? Jesus Cristo, ela é a Andie MacDowell? - Balbucio estarrecido. Então tudo me fez sentido ao relembrar suas fisionomias e os traços dos rostos e sorrisos. - Como eram parecidas a minha amiga e Andie MacDowell! – Concluí abismado.

E surpreso eu sentia os cotovelos dos fotógrafos nas minhas costelas e aquilo me incomodava. Eles que fossem à puta que pariu! Malditos caçadores de celebridades! Eu não precisava daquela corja pedindo para a senhora MacDowell  posar ao meu lado, ou melhor; ao lado de um velho decrépito– “Abutres sensacionalistas! Quanta falta de respeito!” – Indignei-me e irado regurgitei para eles.

Contudo o surrealismo daquilo me faz olhar à volta e perceber o enorme equívoco que eu cometera:

Eu tinha ido parar no  desembarque dos vôos internacionais, quando de fato deveria estar na ala dos nacionais. Olho para o relógio e passava mais de 25 minutos do horário previsto para o pouso do seu vôo – “Meu Deus! Numa hora dessa ela deve ter desembarcado” Exclamei para mim, apreensivo

-What? – Novamente  lady MacDowell  me pergunta. Certamente ela não entendera uma única palavras que dirigi àqueles idiotas.

Eu tentava me desvencilhar dela e da multidão enquanto lady MacDowell insistia nos olhares sem que eu entendesse os motivos; parecia que ela se afeiçoara à mim. Talvez a minha feição lhe fosse excessivamente familiar e a fizesse lembrar o pai, o tio, o avô, ou mesmo algum velho amante de flagelos, coisa muito comum entre esses atores carismáticos. Em todo caso não me havia tempo e nem vontade de descobrir. Olhei para Andie e acariciei as maçãs do seus rosto enquanto lhe dava o melhor dos meus sorrisos; Era agradecimento.
Em seguida estiquei o pescoço, pus-me nas pontas dos pés e lhe dei um respeitoso beijo na fronte. Ela pareceu gostar. Comovida fecha os olhos como se aquilo fosse um cerimonial na entrega do Oscar.
Antes de desaparecer de sua vista estaciono o meu olhar em seus expressivos olhos castanhos esverdeados e procuro me fazer compreender no meu sofrível inglês:

- Andie! His eyes are wonderful. And you're a talented actress and success. However, there is poetry in his eyes - Falo mansamente sem a certeza de estar usando as palavras certas, mas esperando compreenda, sem enganos.

Ainda ouço o último dos seus “what?” enquanto saio em disparada para a outra ala. Eu estava atrasadíssimo  no meu encontro com a poesia.
Eu não mentira para a senhora MacDowell. Havia enorme beleza em seus olhos e a intrigante curiosidade minha ao deparar com alguém de tanto sucesso e de reconhecimento internacional. Contudo, apesar da beleza não havia poesia naquele olhar.
E ainda mais porque não seria Andie MacDowell que me deteria o prazer  encontrar-me com uma de minhas poetisas. E no atraso apertei o passo ainda mais e suo em bicas ao chegar aonde deveria estar desde o princípio. Olho para os meus pés que latejam dentro do tênis menor do que deveria ser. Passo-me em revista e percebo que a  placa encontra-se na  minha mão e adormece à altura do joelho direito. Encho-me de heroísmo e levanto o cartaz enquanto a procuro com o olhar. Súbito, por trás de mim sinto um leve toque no meu ombro esquerdo. Viro incontinenti.

-Seu velho safado! Eu já tinha te visto! Nem precisei da tua placa! Reconheci pela barba e os óculos escuros! – Ela exclama divertida. Cansado do jeito que me encontrava, à princípio só consegui responder um “Pois é” Porém ela queria falar, demonstrar a sua felicidade ao estar ali. E além disso o seu senso de humor era ótimo:

-China, aposto que se eu fosse a Andie MacDowell,  você  estaria me esperando na 1ª fila há mais de meio século! – Exclama uma sorridente Rosa Cardoso. Eu retribuo;  Nós sempre brincáramos com aquela coisa dela se parecer demasiadamente com  Andie MacDowell. Porém ela não sabia da missa um terço.

Continuei sorrindo, à princípio, discreto, divertido, "China, aposto que se eu fosse a Andie MacDowell..." sua frase reverberava em minha mente. E as cenas de momentos antes se reprisavam, grotescas, ridículas, e isso me fez rir, alto, espalhafatoso e depois  largar-me em gargalhadas incontroláveis. Surpresas, as pessoas que passavam nos olhavam, aliás, mais à mim que a ela ja que não supunham o que podia se passar pela cabeça do velho louco.
E assim foi por mais de minuto e até se tornarem doloridas as contrações que as gargalhadas me provocavam.  Decididamente,  Rosa Cardoso deve ter considerado a hipótese de estar diante dum demente.
E ela simplesmente persistiu sorrindo, sorrindo, sorrindo.... sem nada compreender.


Copirraiti 2010Dez
Véio China©

***Rosa Cardoso é uma das poetisas exponenciais dentro desse novo universo literário tupiniquim.
Dona de sensibilidade e lirismo impar, nada mais me restou se não a grata oportunidade de homenagear  minha querida amiga. Afinal...ela também ansiava por esse encontro!

domingo, 28 de novembro de 2010

E por falar em poesia......

Ele saíra de um desses prédios comerciais onde fora entregar para a firma  alguns contratos importantes e que deveriam ser vistados pela outra parte. Já  na rua, sentou-se numa das mesas dum barzinho da moda e em plena Av. Juscelino Kubitschek. Olhou para o relógio; quase 18 horas dum estúpido horário de verão. Olhou também para o cardápio e deu por falta do rol de bebidas. Estalou os dedos e chamou o garçom que voltava de uma mesa próxima:

-Meu rapaz, você pode me servir uma dose da Sputnik.

- Espu... o quê senhor? - O garçom arregala os olhos

-Sputnik! - Paciencioso esclarece e depois complementa - Sputnik é uma vodka, nacional, muito boa por sinal!

-Ah, é uma pena, mas,  não temos, senhor! – Ele confirma e depois sugestiona - Senhor, o que temos é uma polonesa,  ótima, aWiborowa, ou, se preferir a Stolichnaya, russa. Maravilhosas, ambas!

-Humm... e quanto sai a dose? - O senhor pergunta-lhe com um olhar cravado no desinteressante cardápio. Talvez o incitador dessa  apatia foi o preço do primeiro sanduíche que pousou os olhos  - X Burguer à moda do Rei - 28 reais.

- Bem...A polonesa, 42 reais. A russa, 46,  a dose, senhor! - Ele respondeu num sorriso encabulado - Claro, a essa altura o garçom devia ter percebido os trajes do sujeito que,  aliado à deplorável aparência de sua barba de  mais de três dias faziam-no um peixe fora da água e  bem distante das praias que costumava frequentar. Em todo o caso, o forasteiro se surpreende com os valores.

-Nossa! Tudo isso? -  Assusta-se

-Bem senhor.... em promoção temos a tônica da Antártica. Dois reais e cinqüenta! Sabe como é, né? Esses jovens não querem saber de água tônica. Pra falar a verdade acredito que nem saibam que gosto tenha – Completa com ares de  propriedade naquilo que fala.

O cliente o olha de cima àbaixo. Ele tal qual o garçom  também viera de baixo, ele podia perceber. E vindo de baixo  tinha a certeza de quanto é duro subir nessa selva de vidraças e concretos. Contudo, simpatizou-se pelo rapaz.

-Seu nome? - Ele pergunta.

-Genivaldo, senhor! - Devolve-lhe o garçom  dirigindo-lhe a mão em cumprimento.

-Prazer! Gonçalves –   Retribui.

Então ele pede ao rapaz  duas garrafinhas de 290 ml  daquele refrigerante; era necessáio se refrescar do calor que rachara mamona naquele tarde embolorado.
Talvez Genivaldo fosse um sábio ou uma criatura bondosa como Madre Teresa de Calcutá, afinal poderia ter-lhe  indicado o boteco mais próximo e que fugisse daquele corredor de ostentação. Portanto, com a sua simpatia induziu-o às duas garrafetas, pressentindo talvez que o sujeito estivesse propício á embebedar-se  caso encontrasse preços compatíveis com o poder aquisitivo do su bolso pelos bares da redondeza.

Colocadas em cima da mesa, o velho despejou o conteúdo num  copo alto e sorveu o líquido em fortes talagadas,  estalando a língua no céu da boca assim que o copo se esvaizou.  Genivaldo sorriu.
Atrás do forasteiro, numa mesa,  dois garotos e uma garota riam alto. Ele olhou para  eles e percebeu que eram bem bonitos e que vestiam roupas caras, de grife, e provavelmente estivessem ali às custas de seus carros do ano e contas de poupanças mantidas pelos pais. Continuou bebendo seu refrigerante enquanto os observava pelos cantos dos olhos. Eles continuavam rindo, rindo muito,  sabe-se la de quê. Repentinamente os risos foram cessando quando um deles consultou um laptop colocado à sua frente. Achado o que procurava, o silêncio. Ele pigarreia duas vezes, enquadra os ombros numa postura ereta  e solta a voz na declamação de um poema; uma poesia de sua criação.

“Que pensaram as araras,
divisando ao longe as naus
naquele dia de abril?”
Que terão pensado as onças,
as tainhas e os saguis
quando os botes do homem branco
vieram dar ao litoral?
Teriam previsto o destino?
Teriam sentido que......."

Era uma poesia de época e que retratava um Brasil descoberto, as aflições, os transtornos que esse descobrimento causou aos povos indígenas, à flora e à fauna.
De onde ele estava pode ouví-lo com toda clareza; o poema seguia linhas descompromissadas com o sentimento do ser ou de suas inexploradas profundezas.
E o seu poema era lido sem interpretação, raso, um desses que não se envolvem em demasia, que não  falam  da dor, do amor e nem de nada que demande alguma carga emotiva contundente. Ao terminar  pode ouvir dos  amigos que o acompanhavam os mais efusivos elogios: “Oh, que bárbaro” ... “Putz, cara! Que bacana!"

Ele sorriu. De fato não gostara do poema com um todo. Houvera sim uma ou outra parte interessante, porém distante das viscerações e daquilo que ele tinha como valores. E analisando a situação concluiu que  hoje,  mais que ontem,  lhe parecia que o importante era ser o explorador dos seus próprios oceanos. Que era necessário mergulhar e de lá submergir trazendo consigo as dores, esperanças e as desilusões que não foram encontradas na superfície, mas que certamente estariam  escondidas nas profundezas e entre as pedras mais rasteiras.
 E o tema?  Oras! Tanto faz! - Concluiu - Não lhe parecia importante desde que trouxesse sentimentos ao chegar-se na superfície.


Após a declamação os rapazes voltaram aos sorrisos e discutiam os caminhos da poesia enquanto o nosso cliente consultava o relógio se dando conta das horas.  Pago os refrigerantes, apertou a mão de Genivaldo e seguiu o seu caminho;  ainda pensava naqueles três. Sorriu novamente ao olhar para trás. Dessa vez um sorriso cúmplice; Naquela idade ele também fora um contestador do seu tempo. Recordou que  gostara de alguma de suas namoradas. Mas, gostava-as acima de tudo quando entre de quatro paredes, sem  exposição.
Amou algumas delas,  é verdade, mas não admitia demonstrar publicamente o seu afeto. Palavras meladas então, nem pensar! À seu ver eram coisas sentimentalóides, de babacas! Claro, ele jamais quis  pagar o mico já que sabia que seria interpretado pelos amigos como um mero atorzinho afeito aos dramalhões, assim como eram as novelas mexicanas de então.
Portanto vencida a juventude e com a maturidade lhe batendo nos calcanhares foi necessário que mergulhasse nos mares da existência e de lá surgisse à tona com a sensibilidade debaixo de um braço e a fragilidade por baixo do outro.

Antes de dobrar a esquina parou e voltou o olhar. De  donde estava ainda era possível ver-lhes as roupas.
O rapaz de camisa amarela que aplaudira a poesia parecia estar agora compenetrado no laptop do seu amigos,  provavelmente à caça de outros poemas  ou de fotos de garotas no HD . A garota loira,  de pernas bonitas e lindamente bronzeadas atirava os seus lindos cabelos, ora para o lado, ora para trás, enquanto  o poeta,  de camisa vermelha, não conseguia  traduzir que aquele lance da menina e dos seus cabelos eram  com ele. O velho sorriu saudoso do tempo. Provavelmente jamais tinham alertado aquele poeta – Concluíu  - À ele alertaram sim! Isso quando entrou pela casa dos 14 ou 15: - "Filho, toda mulher que insistentemente joga os cabelos enquanto conversa com você, é porque tem a intenção de conhecê-lo mais intimamente – Instruiu-lhe o pai. Houveram muitas ocasiões em que seu pai errou já que nunca fora um sábio. Mas....e quanto a isso?

-Te devo essa, velho! Isso naunca falhou! - Admitiu num sussurro de saudade. Depois sorriu para o nada, sacanamente.

Sobre àquele garoto poeta,  ainda havia tempo para ele.  Tempo suficiente para que aprendesse essa e outras coisas da vida, além dos sentimentos e das esmeradas poesias, é claro!


Copirraiti 2010NOV
Véio China©

sábado, 27 de novembro de 2010

Rio 40 graus!

Bexigas amarelas, verdes, azuis estouravam ao contato de ínfimos gravetos colhidos no chão de terra. – A gurizada se deleitava entre brincadeiras de pega-pega e de pular cavalinhos. Surpreendentemente no aniversário outro balão acabava de espocar. Um balão humano e de sorriso arteiro mesmo  lhe faltando um dente. O que se viu foi o sangue esvair e manchar de encarnado o corpo pequeno e frágil de pouco mais de sete anos. O gosto da morte se apossou de tudo; do bolo de chocolate aos sanduíches de cachorro quente.
Nas vias de acesso ao morro homens fardados numa mescla de tonalidades do verde empunhavam metralhadoras poderosas pondo em polvorosa toda a comunidade. A cena era de terror. Tiros espocavam morro abaixo, morro acima. Nas ruas, veículos incendiados  pelas mãos do tráfico como se fossem tochas de balões indicando o aviso fatal;  Estamos aqui, venham nos buscar!

Mais tiros à deriva se ouviam numa possibilidade infinda de ceifar outras vidas  ou atingir  outras gentes inocentes de tal gravidade que  nunca mais recuperassem seus movimentos.
O cheiro da morte persistia na atmosfera. O vento sul  soprava nos estreitamentos daquelas vielas  deploráveis,  silêncio apenas entrecortado pelo trotar das ágeis pernas dos soldados e das vozes estabelecendo comandos. Nas entradas dos barracos nenhum morador;  todos enfurnados para dentro de suas portas de madeiras compensadas,  reclusos no próprio medo. Nas escadarias nenhum agrupamento de crianças, suas algazarras, muito menos o som pueril de seus pés serelepes escalando os degraus que as levavam morro acima.

Perto dali os braços abertos de uma estátua descomunal pareciam assimilar a violência.
Ela nos olava. Olhos pétreos que à tudo percebia e que pareciam chorar as mesmas lágrimas das nuvens, contudo, impotentes, e mesmo em  sendo o Cristo, não pôde fazer.

No dia seguinte em meio ao trânsito caótico e na frieza dos envidraçados corredores das segundas feiras, homens fardados e autoridades civis se pronunciariam ante um batalhão de repórteres e microfones e TVs. Naquelas horas das mais tristes onde se perdeu gente inocente e não se chorou por filhos que não eram deles,  se baseiam em estatísticas para amenizarem o caos que nos vemos expostos-  “ Neste ano, se comparado ao  mesmo período do ano anterior,  veremsos que as mortes ocasionadas pela guerra do tráfico” reduziram em 25%  – Dirá um deles  dentro dum terno de boa marca e um sorriso eficiente.

Para eles, acostumados a estudar a desgraçada alheia como mero número estatístico  pouco importará que estejam há poucos momentos do laudo do  IML com o resultado da “causa mortis” da criança aniversariante – “Disparo de projétil de arma de fogo - calibre 38” –  Certamente confirmarão os caracteres de um laudo  gélido ante a insensíbilidade alva da folha de um computador.

Nos céus o sol continuará cintilando, forte,  desumano, 40 graus,  enquanto  as areais se enamorarão das ondas sob os olhares plácidos de mulheres que se bronzeiam em toalhas estiradas. As agitadas ruas de bairro acolherão os feirantes que bradarão  suas bacias de um real.  No alto, o Redentor continuará de braços abertos numa postura impassível para mais um dia das sabidas desgraças.
Nas vias, casas e escritórios outras guerras acontecerão, sejam elas do tráfico, de casais, de pais e filhos, amigos e inimigos,  ou mesmo,  dos chefes e seus subordinados.
Muitas sirenes se farão ouvir. Muitos choros  serão inaudíveis viscerando apenas um pranto de alma. - " O Rio de Janeiro continua lindo/O Rio de Janeiro fevereiro e março/Alô, alô, Realengo/Aquele Abraço" Gilberto Gil cantará em alguma caixa de som de qualquer  bar de orla. O turista o  ouvirá sorridente  e meneará os quadris numa tentativa  desastrada de repetir com  sucesso os passos vistos num mestre sala vencedor do carnaval.
" O Rio de Janeiro continua lindo" Insistia o poeta.


Copirraiti 2007/2010
Véio China©

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A morte pede carona na ABL

Sabiam que peixes se constituem animais perigosos?
Sim! Saborosos, mas de alta periculosidade!
Entre eles posso citar o mais terrível: O “We are Champion”

O que muitos não sabem sobre o “We Are Champion” é que é um peixe de água doce e se origina no Rio Tamisa, na Inglaterra, berçário de sua espécie. E o fato nos passou despercebido até que foi trazido ao Brasil da era colonial pelos fidalgos ingleses, assíduos freqüentadores dos salões de Buckingham. Também não devem saber que esse peixe fornece uma carne compacta e de sabor inigualável. Contudo, apesar de tantos predicados o We are Champion veio junto com alguns dissabores, tornando-se algoz de muitos de nossa corte ante o despreparo de nossos "chefs" no processo do estripamento e preparo do peixe, e o que permitia que, camuflados, seus perigosos espinhos fossem à frigideira.

Conta a história que numa noite chuvosa da década de 20, na Academia Brasileira de Letras, o We Are Champion foi servido num jantar de gala. Milionário e sabedor dos segredos gastronômicos contidos aos redores do mundo, sigilosamente um dos imortais reproduziu a espécie em cativeiro e quis surpreender seus pares com um fausto jantar onde pudessem conhecer a inimaginável iguaria.

E assim foi; Numa mesa imponente O “We are Champion” foi consumido com avidez. Atônitos, os mortais procuravam entender o milagre daquilo. Todavia não contava o Barão de Tiririca, patrocinador do deguste e titular da cadeira número 5, que fosse sufocar ao ter um enorme espinho cravado à garganta. O desespero do barão tornou-se evidente para o seu companheiro de mesa.

-O que foi Barão? – Assustado perguntou-lhe Adamastor Freijó – titular da cadeira de número 29, apreensivo ao vê-lo esganiçar tal qual cachorro engasgado.

-We Are Champion! – Respondia o velho Barão, massageando a garganta com insistência.

-Sim Barão! Eu sei que o senhor é um vencedor, mas... – Retrucava Adamastor sem entender perfeitamente aquela estória de "We are Champion”

We Are Champion! We Are Champion! – Aflito insistia o Barão.

Evidente, o esforço vocal fazia o espinho deslocar-se e aprofundar-se na faringe do imortal. E, em se aprofundando o Barão passou a ter problemas para respirar – O ar parecia fugir dos seus pulmões –

-We Are Champion! We Are Champion! – Ele repetia ante a perplexidade Adamastor que estapeava as suas costas, mas sem que surtisse efeito.

-We Are Champi... We A…Cham… – O Barão murmurava. A sua voz agora rouca perdia a força como a de alguém em estado terminal.

Sem o ar para ventilar os pulmões o rosto do barão ganhou uma tonalidade arroxeada, acompanhado das pupilas dilatadas e pernas tremulantes. Não tardou para que desabasse como um prédio implodido. Surpreso, Adamastor gritou por socorro. Diante da gravidade do fato instalou-se um corre-corre, telefonemas e pedidos de ambulância. Porém, quando chegaram se fazia tarde; O Barão de Tiririca falecera, desencarnara. Após muito fuzuê, policiais, imprensa, curiosos, o corpo do homem foi retirado. Academia evacuada, os imortais aglomeraram-se no salão nobre para discutirem entre si o que se fazer numa situação daquela.

-Adamastor, como isso pôde acontecer? – Questionavam-no perplexos.

-Não sei ao certo, digníssimos colegas – Respondeu o imortal, desolado – Eu só sei que ele perseverava: We Are Champion! We Are Champion! E assim foi até arroxear-se e lhe faltar o ar vital - Respondeu desconsertado.

-Oh! Pelo grande Machado de Assis! – Exclamou um deles – Estúpida tragédia! – Retrucou o outro.

-Estúpida coisa nenhuma! Esse filho de uma puta mereceu! – Excitado berrou o quase centenário Afrânio Coutinho, titular da cadeira de número dois – Esse miserável não teve humildade nem pra morrer!

E o imortal Afrânio Coutinho, como se mergulhado num processo de perturbação persistiu na ladainha, duas, três, quatro, dez, vinte, trinta, cem vezes e até sua voz definhar. Ele estrebuchava e continuava fora de controle e nada nesse mundo e nem os protestos dos seus pares o fizeram calar. Aliás, algo fez sim; um fulminante enfarto do miocárdio.

E assim, melancolicamente, dois funerais foram agendados para a manhã do dia seguinte abortando uma pendência de mais de 40 anos entre os antagonismos literários e batalhas de egos.
Dizem as más línguas que a partir daquela desgraça os imortais jamais foram os mesmos. Dizem até que em comum acordo determinaram a proibição de almoços e jantares nas dependências da Academia.
Contudo e em respeito à fleuma britânica e, principalmente ao inesquecível "We Are Champion" mantiveram e realçaram um fato light e que se tornaria a marca registrada da casa; Precisamente, o chá com torradas, das cinco em ponto.



Copirraiti 2010Nov
Véio China©

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A Tattoo

Novembro. Minha vida não andava lá grande coisa nos meus incompletos 57 anos. E como desgraça pouca era bobagem lá estava eu desempregado pela 33ª vez, lutando bravamente com a solidão causada por uma  mulher que me deixara há menos de três meses.
O seu nome era Elisabeth, e em nosso último mês de convivência  ela dera de me chamar de bêbado e  alcunhar-me de  “o escritor fracassado”. Claro, jamais seria ingênuo o suficiente para não considerar algumas coincidências entre mim e alguns nobres e bêbados escritores de uma ou duas gerações anteriores à minha. E para piorar ou realçar as tais evidências eu achava-me um talento na escrita, um Ferdinand Celine ainda não descoberto. E esse clímax de desesperança, apatia,   tinha muito a ver com as infindas madrugadas onde  à caça de estórias  mirabolantes  eu deixei de deitar-me ao seu lado ou mesmo levantar-me à tempo para o  turno de trabalho que começava às 8 em ponto.

Sobre Beth, devo consentir que ela esteve sempre com a razão. Beth queria o que toda mulher quer; o corpo do seu homem na hora do descanso. Evidente, não no sentido de se dar mais uma boa trepada, mas sim, no aguardo do apego e da cumplicidade entre duas pessoas que se querem bem. E isso as deixavam felizes;  o roçar dos corpos por debaixo dos cobertores, onde as carícias e a calidez dos beijos  fazem-nas sentir que ainda aflora um resto de vida  e de romance dentro de suas almas e carcaças voluptuosas.
Do trabalho e do meu chefe eu jamais poderia reclamar; Fora a minha 17ª falta no ano, apesar de estarmos no mês agosto. Conclusão; bilhete azul na 2ª quinzena daquele mês..

Ocioso, minha rotina se constituía em enviar currículos pela internet e para as empresas que pudessem se interessar pelos meus serviços. Meus serviços? Uma grande piada, isso sim! Que préstimos poderiam existir num sujeito que abandonara a faculdade de administração no 2º semestre do primeiro ano? Quais serviços relevantes poderiam sobreviver num cara que jamais se especializara em algo e que vivera toda sua vida de servicinhos  variados, ora fazendo um bico aqui, outro ali? Confesso até que em minha juventude tentei me sobressair no boxe. Tentei, porém o meu queixo de vidro e um fígado tanto sensível acumularam 7 nocautes nas 10 primeiras lutas. Lembro-me ainda desta última luta onde eu ajoelhara ante o meu adversário e ao terrível castigo que impusera à minha linha de cintura.   Recordo também que antes de levar-me ao nocaute em definitivo eu o olhava com muita raiva ao girar em seu torno; “Vou te matar,  filho da puta!”  Eu lhe dizia.  E foi desta forma,  procurando na lona pelo meu protetor bucal que tive a mais absoluta certeza que  a nobre arte  jamais se faria o meu forte.

Talvez, essa entre outras tantas de minhas inconstâncias aliadas ao fato de eu supor-me um grande escritor  tenham pesado na resolução tomada por Beth; O que eu poderia dar a ela se não meia dúzia de pães franceses e margarina Delícia ao alvorecer?
Portanto ali eu estava e sozinho dessa vez, sem nada e sem ninguém,  salvo o abrigo das madrugadas onde as minhas estórias, amargas regadas á vinho barato eram criadas  para depois serem impressas em folhas de papel A4.  Dormindo sempre depois das 5 da matina eu acordava um pouco depois do  meio dia,  preocupado,  já que em minha caixa de e-mails nunca havia respostas para os meus currículos. Pior;  seria aquele  penúltimo mês do meu seguro desemprego.
Porém,  naquela manhã algo começara diferente já que debaixo da porta uma correspondência aguardava a atenção dos meus olhos.

“Sr. Erico Zambini, Favor entrar em contato com editoração deste jornal “  -
Daí,  davam o endereço, o nome da pessoa, e o horário que deveria me apresentar. Olhei novamente para o comunicado e pensei ; finalmente estavam dando uma chance pro genial escritor  que entregara-lhes suas estupendas estórias há  mais de mês?  Eu sorri.
No dia seguinte lá estava eu na sede do Jornal Aqui e Agora.

-Senhor Erico, sou a Matilda.  Um minutinho, que o Sr. Maciel irá atendê-lo – Apresentou-se a secretária. Olhei para ela enquanto ela se levantara  para regular a temperatura do aparelho de ar condicionado. De costas, um vestido justo e negro colado ao corpo acentuava o seu bumbum  e linhas das perna. Eles eram estupendos.

Temperatura ajustada, ela retornou para sua mesa enquanto eu aguardava ali numa das poltronas da recepção. Esperando a minha vez ative-me atentamente a ela. Talvez  estivesse na casa dos  32 ou 33 anos. Morena clara, olhos negros luminosos e dona de uma voz sensualíssima assim como os lábios vermelhos e o seu jeito de se expressar. Sempre há mulheres que exalam sensualidade mesmo que não queiram – Acabei por concluir enquanto mantinha um sorriso idiotizado em meu rosto.
Nesse meio tempo o seu telefone tocou. Ela atendeu e após desligá-lo,  me pergunta:

-Sr. Erico, o senhor me permite  dizer-lhe uma coisa?

-Claro, fique à vontade meu anjo! – Foi então que ela sorriu. Um sorriso lindo, que faria o sol aparecer por entre nuvens densas de uma tempestade.

-Bem...é que o senhor me lembra alguém muito especial! – Respondeu-me num tom agradável,  cúmplice  até – Depois, voltando à realidade, solicitou-me: O senhor poderia acompanhar-me?  O Sr. Maciel falará com o senhor, agora!

Dito isso se pôs à minha frente e me conduziu á sala do Sr. Maciel. O seu modo de andar era espetacular,  estiloso, e as nádegas apenas meneavam discretas, majestosas. Entramos na sala do tal homem e ela fez o caminho de volta tomando o cuidado de delicadamente encostar a porta.

-Erico Zambini? – Ele me perguntou com um certo ar de idiota – Claro que eu era o Erico Zambini! Quem eu poderia ser?  Diego Maradona?

-Sim, sou ele mesmo, Erico Zambini! – Respondi num sorriso pálido. Era estranho, mas era comum acontecer comigo; Eu não fora muito com a fachada daquele sujeito.

-Pois bem Sr. Zambini. Gostamos dos contos que nos enviou e gostaríamos que escrevesse para nós nas edições dominicais. Poderíamos fazer uma experiência para vermos se da certo – Disse secamente.

-Claro, claro! – Concordei – E que tipo de material estão querendo? –

-Estamos precisando de contos cheios de sensualidade e  romantismo para o nosso caderno feminino! Contos que envolvam a sensualidade e algum erotismo, porém, sem flertar com o chulo ou o mau gosto – Ele afirmou

-Bem...esse não é o meu forte. Sou mais afeitos às estórias de  uma escrita mais pesada, e....

-Sim! Sabemos que é um contista que adora textos pornográficos – Ele me interrompeu – Porém, para alguém tão pródigo na criatividade com textos eróticos acreditamos que  a tarefa não seja das mais difíceis – Concluiu com naqueles seus olhos castanhos e imbecis e numa impostação de voz desses que acham sabedores de tudo.

-Fechado? – Inquiriu-me

-Fechado! – Confirmei. Eu não tinha nada a perder.

Foi então que ele discorreu sobre o valores.  O pagamento semanal não era estupendo, contudo o suficiente para livrar-me do pesadelo do seguro-desemprego. Instruiu também que eu deveria entregar a matéria até as 17 horas de sábado para que houvesse tempo suficiente para a editoração  e prensagem no jornal
Concordando com todos os detalhes, o Sr. Maciel chamou a secretária para que me levasse  ao RH da empresa e onde eu deveria apresentar os meus documentos pessoais e já deixar assinadas as duas vias do nosso contrato de prestação de serviços.
Evidente, o Sr. Maciel acha que não percebi, mas vi pelos os cantos dos olhos ele bolinando a bunda da secretária. Reparei ainda no sorrisinho safado da Matilda ao fechar a porta e me encaminhar ao Sr. Dilermando. Apresentado ao encarregado do RH ficamos por ali no preenchimento dos documentos enquanto Matilda não desgrudava os olhos de mim. Isso poderia me parecer estranho, mas não era, afinal, algumas mulheres gostam do feio, ou do não tão belo. Tudo assinado sai com ela me levando pelo braço onde senti alguma pressão da sua delicada mão. Antes de sair, num repente de coragem que são destinados unicamente aos heróis, arrisquei:

-Matilda, quer sair amanhã para bebermos algo? – O amanhã que eu me referia era a sexta feira, dia seguinte. Ela pensou por alguns momentos e fez o fatal charme de mulher:

-Amanha? Amanhã...não sei se devo! – Sussurrou naqueles lábios carnudos e tingidos de carmim.
.
-Só para alguns drinks. – Insisti, delicado.

Então ela  sorriu e me deu o telefone da sua casa.
Sexta feira, conforme combinamos pelo telefone lá estava eu em frente ao seu endereço num bairro próximo dali. Talvez ela tenha estranhado ao entrar no meu Gol 85 – Provavelmente Matilda estava acostumada aos carros imponentes, luxuosos.
Em todo o caso foi uma noite excelente, onde bebemos bastante, trocamos muitas confidências e acabamos na cama de um motel de terceira e com espelho no teto. Eu torrava a grana do meu seguro desemprego, mas, sem problema; eu estava empregado e com um futuro promissor pela frente; quem afirmaria em sã consciência que eu não poderia vir a ser o redator chefe daquele jornal? Ninguém!

Da noite de sexta e  da madrugada de sábado ótimas lembranças. Ainda mais porque aquela garota foi um espetáculo na cama. Deixei-a em sua residência por volta das 4 da manhã e fui para casa. Chegando, extenuado fisicamente caí na cama e ferrei no sono.
Abri os olhos e olhei para o relógio:

-Jesus Cristo! Quase duas da tarde! A crônica! – Exclamei ao dar um salto da cama.

Fui à cozinha, passei um café e me entreguei ao computador e à crônica. Depois de duas horas lá estava eu com o serviço pronto. Eu havia escrito uma belíssima crônica sobre a sensualidade e independência  da mulher moderna. E, modéstia á parte; uma crônica finíssima, refinada, nada de chulo ou de mau gosto. Após a última revisão, e conforme o que acertáramos enviei uma cópia por e-mail ao Sr. Maciel e  depois imprimi. Tudo terminado saí em disparada para o jornal; eles faziam a questão da minha presença junto ao editor-chefe;  talvez para troca de  idéias sobre o texto ou a mudança de algo que se fizesse necessário.

Cheguei por lá faltavam 15 minutos para as cinco da tarde. Eu estava orgulhoso de mim dessa vez.  “Nada como a responsabilidade”  - Murmurei comigo mesmo.
Entreguei o material para o editor que o examinou minuciosamente para depois se abrir num sorriso: “Ótimo! Uma grande matéria” – Disse ele, parabenizando-me.
Em seguida nos despedimos e eu retornei para casa. Naquela noite de sábado eu nada quis escrever, muito menos chegar próximo do computador. No armário,  uma garrafa de vinho do Porto que me fora dada de presente  por Beth, guardava uma ocasião muito especial. Haveria dia mais especial que aquele?  Não! Aquele dia era  tão especial que abri a garrafa e a sorvi durante a noite  intercalando com algumas doses de vodka e latas de cerveja. Eu fiquei bêbado, um bêbado feliz que se sentia o rei da farofa de camarão rosa.  Adormeci, profundamente.

No domingo acordei por volta das dez e meia e corri para a banca de jornal onde adquiri um exemplar do Aqui e Agora. Passei no supermercado, comprei duas caixinhas de cerveja, mais dois vinhos tintos  e voltei para casa. Chegando, desfolhei o jornal abrindo- o no caderno de cultura e procurei avidamente pela minha crônica. Nada! Nem uma linha sequer!
Reli o jornal de cabo a rabo e nem sinal do meu texto.
O que será que aconteceu? – Me perguntei. Porém, domingo, não haveria resposta para mim. O jeito era aguardar a 2ª feira.

“Ah! O Sr. Maciel vai comer o rabo de alguém!  Ah se vai!”– Sussurrei comigo. Evidente, alguém falhara, e não fora eu.

Durante à tarde eu enchi o caco de cervejas e acabei adormecendo diante da TV e do
jogo do meu time de coração. Acordei por volta das dez da noite. Levantei, fui à cozinha e fiz um sanduíche de presunto com queijo e voltei para a  cama. De madrugada acordei sobressaltado; o que aconteceu com minha crônica? – me perguntava – Fiquei pensando por alguns momentos até que novamente adormeci.

Segunda feira, 9 horas da manhã, o telefone toca, insistente. No oitavo toque eu atendo:

-Alô, quem é? – Indago

-Érico? – Perguntou-me a voz de uma mulher.

-Sim, ele! –

-Érico, aqui é a Matilda! – Ela disse-me seca, lacônica, bem distante da simpatia da noite do motel.

-Sim, meu amor! Tudo bem? O que foi, Matilda? –  Questionei gentilmente.

-Tudo bem o cacete! – Ela respondeu ríspida

-Com assim, não estou entendendo! – Exclamei surpreso.

-Erico! – Ela insistiu

-Sim, meu anjo, fale! - Aquilo estava me deixando confuso.

-Erico, então saiba; Você é um safado! – Ela retorquiu raivosa, irada.

-Hã? – Foi a minha única resposta

-A arara azul! Não era do seu direito....seu grande filho duma puta!  Eu fui demitida! – Ela esbravejou  e depois bateu furiosamente o telefone.

No exato momento em que eu voltava o telefone à base, toca a campainha. Ainda em estadoi de perplexidade fui na direção da porta; era o carteiro que trazia um telegrama. Abri:

“Sr.  Zambini, informamos que não mais necessitamos do seu serviço. Favor vir aos nossos escritórios para receber seu cheque dessa semana” – Dizia o texto em letras negras num formato Lúcida Sans, onde se lia perfeitamente o nome do remetente; Ortega Maciel.

Foi então que me caiu a ficha: A tal arara azul fazia parte da sensível crônica que escrevera para o jornal. Nela eu falava de uma mulher maravilhosa, independente, sensual e de sua belíssima arara azul cravada delicadamente em sua nádega esquerda; Uma tatuagem requintada, feita por um artesão, susceptível,  e tão real, apesar de diminuta, que não me surpreenderia se ela tivesse alçado vôo num daqueles momentos de luxúria. Talvez  houvesse alguma chance para Matilda se eu não fosse tão perfeccionista e não tivesse descrito a coloração rósea de algumas de suas penas que se fundiam  sensíveis à uma quase totalidade do azul escuro do restante da  plumagem.

E pensando nisso eu sorri. Um sorriso amargo, de derrota, de abatimento,  como tantos outros que sorri  em minha vida.  Ortega Maciel não era exatamente um homem a quem devíamos tratar ou tê-lo  por imbecil.
E eu sentia a falta de Beth. Agora, mais que nunca.


Copirraiti  Nov2010
Véio China©