quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Tormenta


A tempestade, única, jamais fora sentida tão avassaladora.
Ondas gigantescas faziam do meu barco um simples brinquedo de papel prestes a ser sufocado pelas águas. Eu e meus pecados padecíamos de medo e a cada instante que a morte lambia nossos calcanhares. E mesmo perseverando, evitando a deriva,  em cada manobra eu sentia as forças dos braços e da mente minguar. Resistir se fazia apenas questão de tempo.

-Onde estará meu Deus? – Lamentei. Geralmente eu não o procurava, mas naquela hora me pareceu importante que me ouvisse.

Será que é vivo e tem o poder  de amansar a tormenta e fazer surgir o arco-íris? - Questionei - Será  que Deus é somente retórica ou doces canções para os tolos? - Insisti ao notar que as águas adentravam com violência.

E foi naquele momento de extrema inquietação que o estrondo provocado pelo encontro das gigantescas ondas se fez ouvir – E como o mar nunca deu explicações  o meu barco elevou-se e se manteve surfando sobre a crista de uma onda descomunal como se fosse um campeão. E lá de cima, eu e a perplexidade dos meus olhos vislumbrávamos as ondas se engalfinhando por todos os lados.

Foi então que a embarcação se viu cuspida e despencou vertiginosamente.
A queda,  de uma altura considerável e mortal  ocasionou a ruptura do casco mas não da minha plena consciência. Em estado de torpor e sem conseguir mover qualquer dos meus músculos eu senti as gélida  águas do oceano me tragarem.

Passado  momentos quais me foi impossível determinar o tempo, tudo,  repentinamente se fez calmo. Claro, eu padeci até entender que a vida estava  indo e me deixando ali, apenas carcaça numa imensidão de percepções. Meus ouvidos aguçados a tudo ouviam e a visão prejudicada de outrora era capaz agora de vislumbrar o menor dos peixes num raio de longa distância.

Aquilo me tornou reflexivo ao ponto de imaginar-me refém de algum pesadelo ou de algum tipo de experiência pós vida. O breu imperava e eu submergia com a embarcação - Um capitão jamais abandona o seu barco - Pensei orgulhoso. Ao descer eu vi  imensas  baleias, tubarões, golfinhos e outros tantos espécimes que circundavam-me enquanto afundava. E a cada metro vencido eu sentia uma  pressão maior nos pulmões até que cheguei ao fundo do mar.
Inexplicavelmente de posse de alguma consciência eu  fechei e abri os olhos até vislumbrá-la, maravilhosa;

a sereia –
Mesmo nos contos de minha infância eu jamais a imaginara tão bela. Ela me olhou docemente e sorriu. Eu olhava para a sua beleza,  suas estonteantes curvas e tudo magicamente contrastava  magicamente com aquele belo e dourado rabo de peixe . Assombrado com a perfeição eu sorri receptivo.

Então ela me perguntou:

-Augusto, por que julgas tão importante fazer-se a prova de Deus?

Perplexo, eu não sabia o que responder. Da onde poderia ter sabido o meu nome? Bem, não importava aquilo naquela hora. O extraordinário espetáculo que desfilava a minha frente  tornou  tudo irrelevante, e me pareceu importante saborear a doçura do seu sorriso e a insistência do seu olhar. Ela aguardava pacienciosamente que eu me pronunciasse. Ainda sem saber o que ela poderia esperar  me pronunciei

-Acho que não são necessários  exietirem tais motivos.

Ela sorriu, aproximou-se e circundou seus braços pelo meu corpo e ternamente me beijou o semblante. Os seus lábios eram gélidos como gélidas eram também as mãos que me afagavam. Eu apenas fiquei ali, parado, encantado, tentando descobrir o significado de tanta beleza

Repentinamente senti  o afago dos seus braços liberaraem o meu corpo e um  último meigo e suave toque em meu rosto. Talvez  houvessem me concedido a eternidade. Talvez me desintegrassem de um momento para outro, talvez  em verdade eu nem estivesse ali,  não sabia ao certo.
E antes de vê-la desaparecer daquele encantamente eu pareci fraquejar:

-Será que Ele existe? Não são apenas sonhos, pesadelos, insanidades? –  Algun poucos segundos e outra vez eu não soubia o que me responder e só permanecia ali, solitário,  sem qualquer espécime a me cingir,  tornando-me carcaça  isenta de vida e jazida num fundo do mar. Claro, eu entendia que a matéria se ia e faria alimento para alguns espécimes, era justo. Mas eu não queria pensar  naquele momento, queria continuar exposto àquela louca insanidade, ao  rei tempo, sem saber ao certo se ele conspirava contra ou a   favor. Meu corpo, minha mente não sentia outra qualquer sensação  que não fosse a paz absoluta,  que me entorpecia, confortava.
Repentinamente não me pareceu haver a necessidade de desvendar  Deus dos mistérios –  Eu entendia que tudo era parte de um descomunal quebra-cabeça, e eu,  apenas uma ínfima  peça dele.
Assim permaneci,  ja não mais movía-me  e a água já não se fazia tão fria.
Os olhos,  semi-cerrados, ainda avistavam alguns golfosos brincarem. Eu via as manchas brancas das orcas assassinas e elas não me páreceram nada más.

E antes de me deixar partir  e expelir o último ar eu apenas sorri para tudo e torci para que lá fora a tempestade houvesse abrandado.

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