Espantava-me ver aquele velho deglutindo a sua refeição. E o curioso ficava por conta de achá-lo tão familiar por detrás da imensidão daqueles seus óculos escuros.
Vendo-o devastar a refeição me era impossível deixá-lo de comparar a uma retro-escavadeira, tal a voracidade que ele socava goela abaixo aquele mundo de pepinos, tomates, abobrinhas, rabanetes e os outros pratos à base de vegetais.. Eu também entrara nesse lance. A minha vida de churrascarias tinha chegado ao fim, já que meus níveis de colesterol e ácido úrico instalaram-se quase assassinos. Portanto, querendo viver e sem outras alternativas tive que dar um lamentado adeus às picanhas, contrafilés e aos dentes fincados em macios alcatras.
Voltando ao restaurante, o fato é que ele comia e eu não conseguia desgrudar da sua exausta fisionomia. Parecia que ele tinha carregado o mundo por milhões de anos.
E algo que nem sabia o que poderia ser mantinha-me atrelado ao sujeito ao ponto de engasgar-me com uma garfada da abobrinha recheada para não perder qualquer dos seus movimentos. Com o passar do tempo as pessoas foram terminando suas refeições e abandonando o estabelecimento até que ficamos só ele e eu.
Dona Jussara, a dona do restaurante, impaciente, batucava a sua esferográfica Bic no tampo do balcão de mármore numa clara alusão de estarmos atrasando a faxina diária. Com alguma dificuldade levantei-me, paguei minha conta e ganhei de bônus um par de pirulito Juquinha. Pareceu-me contraproducente incentivarem os pirulitos para a dentição dos clientes, mas como isso não me dizia respeito nada comentei.
Saindo, joguei os pirulitos na primeira lata de lixo que avistei e me dirigi ao estacionamento.
Abria a porta do carro quando ouvi passos atrás de mim. Curiosamente um odor de vodka vagabunda embebedava o ar. Desconfiado virei-me rapidamente.
-Olá, mister Frugell! - A pessoa me cumprimentou numa voz grave.
Permaneci estático e ele se postou à minha frente. Era o velhote do restaurante.
Assim, retirou os seus óculos e então eu vi os olhos de uma coloração vermelha, forte, como brasas em combustão. Aquilo me aterrorizou tanto quanto ao pequeno par de chifres que começava a despontae na extensão frontal da sua cabeça.
Foi então que não restou qualquer dúvida: Era ele, o demo.
Eu tentava me posicionar diante da fatalidade do encontro, aparvalhado e nauseado o suficiente pelo cheiro de vodka que desprendia daquele ser.
Que diabos aquele satanás vegetariano queria de mim?
-Sim, pois não, o que deseja? – Perguntei-lhe tentando manter a respiração sob controle, apesar do peito arfar em demasia.
- Ah sim, desculpe! O senhor ainda não me conhece. Sou Horácio Miró de Casatanáz, com “z” – Apresentou-se. Apesar de perplexo tive vontade de gargalhar. Afinal, que diferença faria aquele “Z” na pronúncia do seu nome? Mas, como com o diabo não se brinca preferi manter-me lacrado –
-Estás pronto? – Perguntou-me enquanto inspecionava as unhas de suas mãos e depois escarrarrou no chão.
-Pronto? Pronto pra que? – Questionei atônito -
-Óras! Não tenho tempo a perder com perguntas imbecis! Mesmo que mereçam respostas idiotas eu não tenho esse tempo! - Vociferou impaciente.
-Calma, calma! - Eu tentei mantê-lo tranquilo.
– Vamos com teu carro ou com o meu? - Inquiriu-me com uma tonalidade autoritária, dessas graves e de quem acabara de abandonar das catacumbas de Tutancamon.
Diante da imposição eu tive que posicionar. Afinal, se fosse pra morrer, que morresse nas coisas que me fossem familiar.
-Vamos no meu! - Disse convicto.
Assim que entramos, perguntou-me:
-Estavam ótimas aquelas abobrinhas com carne de soja, não?
-Sim. Estupendas – Respondi secamente, insistindo – Mas, senhor Casatanáz, voltando a sua presença no restaurante. Por que decidiu ver-me pessoalmente?
-Bom... não deves saber, mas faço isso todo santo di...Opa, desculpe a blasfêmia! Faço isso todos os dias, centenas de milhares de vezes, todos os dias e num único tempo - Concluiu erguendo os braços e depois deixando-os cair, cansados – Continuou - Pra te ser sincero, não é exatamente uma visita – Comunicou-me num bocejo para depois espremer uma enorme espinha próxima do seu nariz –
Era exatamenteo o que eu temia. Claro, o momento fizera perceber que a minha hora chegara; ele viera me buscar. A Morte? Mas ele não era a morte. Sempre que vislumbrara a morte, abstrata e sem rosto, eu a imaginava lugar comum, vestes negras, capuz sombrio e uma tocha em chamas. Porém vê-lo ali, à minha procura era quase impossível associá-lo a ela.
Talvez fosse algum tipo de terceirização? Uma ato de fusão corporativa como no mundo negócios?
Estranho! Além disso, qual o significado, a amplitude de ter falado que estava em milhões de locais ao mesmo tempo? Seria ele outra divindidade e de tantos mistérios como o seu oponente poderoso? - Eu devia estar delirando! Afinal, tudo o que me fora ensinado sobre Deus e o Diabo é que eles representavam o Bem e o Mal. Claro! Porém esqueceram-se que no meio de tudo ficávamos nós, pobres mortais, carregados de culpas e de tolos complexos.
-Vai me matar numa colisão? Batida frontal? Vai ser assim o meu fim? Vai levar outros tantos? – Confuso eu tentei pressioná-lo. Eu tinha o direito de saber a forma que ia morrer. Ou pelo menos achei que tinha.
-Não! Não há necessidade de tanta dramaticidade toda. Procuro evitar tragédias que mobilizem a opinião pública, quando possível – Respondeu-me simpaticamente dessa vez. O odor de vodka cada vez mais acentuado repugnáva-me. Repentinamente ele abriu o porta-luvas e retirou o porta CD e ficou repassando os pequenos discos, um a um.
-Gostei disso meu bom meu rapaz! Gosto de conviver com gente de estilo! – Exclamou demonstrando enorme satisfação ao ver meus Cds de rock- Estilo? Aquele cara só poderia ser doido! Qual a relação que poderia haver entre Cds progressivo e o estilo?
-Legais esse caras! - Exclamou ao se ater no "Quadrophênia" do Who.
-Você conhece esses caras? - Questionei-o perplexo
-Meu filho, você ficaria surpreso se eu lhe contasse tudo o que conheço. Inclusive esse aqui e alguns que faziam parte das grandes bandas estão comigo há um bom tempo. Fatalmente ele se referia a Keith Moon, Bonham, Entwistle, Wright, Mercury - Uh! Ainda fazem um barulho dos diabos ! - Disse com um sorriso malígno impregnado no rosto.
-Cê ta falando sério? – Perguntei surpreso.
-Claro! Por lá temos festas memoráveis! Mulheres das melhores estirpes, gostosas, sensuais, devassas. Temos farta distribuição de Ecstasy, haxixe, alucinógenos dos mais variados, além de muita cerva gelada que é pra aguentar aquele calor infernal! – Culminou com um olhar demente enquanto enfiava o injetava o disco do Who no Cd player, no centro do console.
A sua descrição me deixara estupefato! Que raios de inferno seria aquele?
-Bem..se o inferno é assim, como será o Paraíso? – Questionei. Me pareceu uma pergunta lógica.
-Não fale isso! jamais! Essa palavra me deixa com os pêlos ouriçados só de ouvi-la! – Vociferou exasperado. Depois um pouco mais calmo, continuou:
-Uma vez eu infiltrei agentes por lá.
-É? E o que deu? – A história parecia interessante.
-Sim! Mas eles foram descobertos. Eles não aguentaram aquela barra toda, as festas diárias, os salões imensos, alvos, floridos, orquestras, pianos, violinos. Enjoados das exaustivas reproduções das peças de Beethoven, Tchaiskowski, Strauss, Vivaldi, Verdi, Chopin, Wagner. Exasperados com os cantos líricos de Maria Callas e as óperas de Pavarotti.- Disse-me entendiado. Depois terminou; - Segundo eles o que havia de mais moderninho por lá eram Michael Jackson e Elvis Presley – Finalizou num suspiro ainda mais entediado.
-Mas, mas, mas, Elvis não morreu! - Exclamei numa alusão ao conceito mundial de que "Elvis jamais morre". Claro, uma tentativa aliviar a minha barra. Que mal faria em imaginar que toda aquela situação não passasse de uma de brincadeira de mau gosto?
- Morreu sim! De apnéa! - Respondeu mau humorado. Pelo jeito não deve ter gostado da brincadeira. Depois continuou:
-Agora...sobre Jackson, a verdade é que a imprensa sempre fantasiou aquele caso sobre as crianças. Ele apenas gostava de ter uma boa noite de sono na companhia delas.
Bem, eu não estava completamente de acordo com todas as suas conclusões, principalmente sobre a questão do Elvis e todos aqueles imortais. Contudo achei que não era uma boa hora para contestá-lo, afinal sempre foi sabido que Satanás é esquerda, contestador, provocante e sedutor. E como tal tem um excepcional poder de perssuação.
-Escute esse som animal! – Exclamou aos primeiro acordes de “Doctor Jimmy", acompanhando o rítimo batendo fortemente os pés no piso do carro
Diante daquilo tudo eu me perguntava se não estava sonhando ou tendo pesadêlos. Tudo me parecia tão insano. Talvez aquele demônio vegetariano e cheirado à vodka fosse meramente fruto de minha imaginação. Ainda mais um daqueles que era chegado nos dinossauros do rock. Não! aquilo era Impossível!
-Sr. Frugell, chegou a tua hora! – Ele me resgatou dos devaneios e gargalhou sarcasticamente ao girar o volante até fazê- voar através das grades protetoras da Ponte Eusébio Matoso. Já em pleno vôo uma sensação de um frio glacial me arrepiou os cabelos saco. Nós despencávamos por mais de 20 metros com direção às profundezas do lamacento do Rio Pinheiros.
Eu senti a violência do impacto ao penetrar embicado para dentro das águas.
Foi lá que o transe terminou. Eram exatamente três e quarenta da madrugada quando houve algum sentido para mim.. Olhei para o lado e não havia ninguem. Volteando a cabeça, o pescoço dolorido, inspecionei o veículo e no piso dei por alguns comprimidos espalhados; eram alucinógenos, aqueles mesmos que eu ingerira em demasia e mistura à vódka. Agora era fácil perceber que algumas coisas não existiram ali, aliás, existiram, mas somente dentro de mim. Olhei para o meu peito e para a camiseta alva empapada de sangue; Na queda o volante explodira no meu peito causando-me um ferimento profundo. O rosto e a cabeça também se feriraram e os braços permaneciam completamente dormentes. Continuei olhando em volta e tudo começava a ganhar uma coloração negra e opaca. Ainda tentava, dessesperado, abrir portas e os vidros, mas o mecanismo dos vidros e das portas não responderam e com braços anestesiados eu não conseguia destravá-los.
As águas pardacentas numa inequívoca demonstração de poder penetravam rapidamente pelos vãos do sistema de freio fazendo-me curvar ante o seu insaciável desejo de me levar da vida.
Talvez houvesse um pouco mais de 5 minutos para mim. Talvez não houvesse nem esse tempo e eu me afogasse. Malditos e inexoráveis 5 minutos eram tudo o que me restara, o acerto final de minhas contas com a vida, tempo insuficiente até para confessar meus pecados.
Inexplicavelmente o CD continuava tocando e o lendário Who ainda retumbava nos autofalantes como nos bons e velhos tempos. Rebeldia, vísceras e muito rock sempre fora o lema deles.
“Doctor Jimmy e Mister Jim/ Trata-se de mim? / Por um momento/. As estrelas estão caindo/O calor está aumentando/ O passado está chamando” - Dizia parte da canção na qual Daltrey gemia as tristezas de quem ceifou de ilusões.
Conformados, breu absoluto, eu e o demônio que habitava dentro de mim apenas ouvíamos e aguardávamos.
sábado, 13 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
O dia que Spike Lee filmou a Praça da República
Nada como um bom divertimento num domingo de sol.
E foi assim que sai da minha toca, um kicth na Rua Marques de Itu e desci ao lado, ali na Praça da República para matar o tempo na feira de artesanatos. Um sol à pino, duas da tarde, talvez uns 37 graus escaldava a efervescente Sampa. Antes de sair fiquei um bom tempo escolhendo minhas roupas, afinal velhos como eu se sentem confortáveis em calça de tergal e camisa social de mangas longas.
Entretanto o mormaço cozinhava meus miolos e fazia do meu corpo uma labareda, e o bom senso pedia para não vesti-las. O que fazer? - Foi daí que me lembrei que na semana anterior o meu neto havia deixado a bermuda e camiseta em casa. Sim, lembro bem daquele dia. Fanático, Felipe viera da sua casa na baixada santista para assistir o jogo do nosso time. E assim foi, portanto lá pelas 13 horas ele já estava no estádio para retornar às sete da noite, totalmente encharcado, ofegante, mas feliz – O nosso Santos, em que pese o temporal imprevisto havia enfiado um chocolate de quatro a zero no Corinthians. Cansado, tão logo entrou entrou em casa saiu à procura da sua mochilinha do Super Homem. Achada, livrou-se das roupas ensopadas, trocando-as por outras secas que ele trouxera no interior da bolsa. Vestido, foi até a área de serviço que eu usava como lavanderia e colocou no varal as roupas encharcadas e saiu apressado à direção da porta de saída. Porém, preocupado como sou entreguei-lhe uma dessas sacolinhas de supermercado, colocando em seu interior dois pãezinhos com queijo e salaminho e três caixinhas de achocolatados. Sua pressa era justificável, já que teria que estar na estação metrô do Jabaquara até as 20 horas para pegar um lotação que o deixaria próximo de sua residência em Itanhaém.
-Vô, desculpa, mas não dá tempo de ficar para tomar café com o senhor! To deixando a camiseta e a bermuda no varal porque estão ensopadas. Guarda pra mim, pois quando vier eu as levo – Disse ao apertar-me como um urso desajeitado antes de cair fora.
Ainda no corredor eu o ouvia entoando a música de sua paixão, seu canto de guerra: "O Santos é o time da virada, o Santos é o time do amor!" –
Um pouco mais e eu nada ouvi - Ele descia pelo elevador abandonando São Paulo, deixando-nos com o resultado duma tempestade que tresloucou a cidade. Eu sorri, claro, o safado retornava para os braços de Cleuza Helena, minha filha, a mãe coruja daquele garoto de 15 incompletos, um garoto-homem de mais de 90 quilos de peso, distribuídos em mais de metro e noventa de estatura.
Bem, retornando às lembranças daquele dia recordo-me que na tarde do dia seguinte fui à área de serviço e retirei do varal suas roupas já secas. Depois as passei da corda e guardei numa gaveta do guarda-roupa.
E agora eu me lembrava delas, e talvez elas pudessem me quebrar o galho! - Conclui comigo ao me dirigir para a gaveta, retirar as roupas de lá e vesti-las.
Feito, me inspecionei no espelho colocado detrás da porta ela me caiu bem ao me fazer sentir atualizado, rescendendo modernidades. Agora sim me sentia tranquilo e poderia ir em paz para a feira de artesanato.
Ah, como era confortável aquela bermuda enorme, a camiseta larga, e o melhor; de mangas curtas, mesmo que elas fossem de cor negra - Conclui dando de ombros, conformado.
Sim! Elas poderiam ser branca, seriam mais fresquinhas, mas eram assim como a pele do grande Emílio Santiago, escura, claro, e isso sem qualquer alusão preconceituosa. Bem... fora este fato talvez a outra coisa que destoasse do conjunto fossem meus sapatos. Reluzentes, não eram convictamente um modelo social, não, mas, aquilo que classificaria um social esportivo.
Enfim, me sentindo incomodado por eles tentei calçar um par de tênis que há longo tempo estava no armário. Todavia, o seu estado lastimável com o esgarçamento dos tecidos laterais, além dum enorme buraco numa das solas desanimaram-me. Claro, se vestisse aquilo, fatalmente eu voltaria para casa com bolhas nas solas dos pés, e isso me pareceu nada interessante.
E foi assim que sai da minha toca, um kicth na Rua Marques de Itu e desci ao lado, ali na Praça da República para matar o tempo na feira de artesanatos. Um sol à pino, duas da tarde, talvez uns 37 graus escaldava a efervescente Sampa. Antes de sair fiquei um bom tempo escolhendo minhas roupas, afinal velhos como eu se sentem confortáveis em calça de tergal e camisa social de mangas longas.
Entretanto o mormaço cozinhava meus miolos e fazia do meu corpo uma labareda, e o bom senso pedia para não vesti-las. O que fazer? - Foi daí que me lembrei que na semana anterior o meu neto havia deixado a bermuda e camiseta em casa. Sim, lembro bem daquele dia. Fanático, Felipe viera da sua casa na baixada santista para assistir o jogo do nosso time. E assim foi, portanto lá pelas 13 horas ele já estava no estádio para retornar às sete da noite, totalmente encharcado, ofegante, mas feliz – O nosso Santos, em que pese o temporal imprevisto havia enfiado um chocolate de quatro a zero no Corinthians. Cansado, tão logo entrou entrou em casa saiu à procura da sua mochilinha do Super Homem. Achada, livrou-se das roupas ensopadas, trocando-as por outras secas que ele trouxera no interior da bolsa. Vestido, foi até a área de serviço que eu usava como lavanderia e colocou no varal as roupas encharcadas e saiu apressado à direção da porta de saída. Porém, preocupado como sou entreguei-lhe uma dessas sacolinhas de supermercado, colocando em seu interior dois pãezinhos com queijo e salaminho e três caixinhas de achocolatados. Sua pressa era justificável, já que teria que estar na estação metrô do Jabaquara até as 20 horas para pegar um lotação que o deixaria próximo de sua residência em Itanhaém.
-Vô, desculpa, mas não dá tempo de ficar para tomar café com o senhor! To deixando a camiseta e a bermuda no varal porque estão ensopadas. Guarda pra mim, pois quando vier eu as levo – Disse ao apertar-me como um urso desajeitado antes de cair fora.
Ainda no corredor eu o ouvia entoando a música de sua paixão, seu canto de guerra: "O Santos é o time da virada, o Santos é o time do amor!" –
Um pouco mais e eu nada ouvi - Ele descia pelo elevador abandonando São Paulo, deixando-nos com o resultado duma tempestade que tresloucou a cidade. Eu sorri, claro, o safado retornava para os braços de Cleuza Helena, minha filha, a mãe coruja daquele garoto de 15 incompletos, um garoto-homem de mais de 90 quilos de peso, distribuídos em mais de metro e noventa de estatura.
Bem, retornando às lembranças daquele dia recordo-me que na tarde do dia seguinte fui à área de serviço e retirei do varal suas roupas já secas. Depois as passei da corda e guardei numa gaveta do guarda-roupa.
E agora eu me lembrava delas, e talvez elas pudessem me quebrar o galho! - Conclui comigo ao me dirigir para a gaveta, retirar as roupas de lá e vesti-las.
Feito, me inspecionei no espelho colocado detrás da porta ela me caiu bem ao me fazer sentir atualizado, rescendendo modernidades. Agora sim me sentia tranquilo e poderia ir em paz para a feira de artesanato.
Ah, como era confortável aquela bermuda enorme, a camiseta larga, e o melhor; de mangas curtas, mesmo que elas fossem de cor negra - Conclui dando de ombros, conformado.
Sim! Elas poderiam ser branca, seriam mais fresquinhas, mas eram assim como a pele do grande Emílio Santiago, escura, claro, e isso sem qualquer alusão preconceituosa. Bem... fora este fato talvez a outra coisa que destoasse do conjunto fossem meus sapatos. Reluzentes, não eram convictamente um modelo social, não, mas, aquilo que classificaria um social esportivo.
Enfim, me sentindo incomodado por eles tentei calçar um par de tênis que há longo tempo estava no armário. Todavia, o seu estado lastimável com o esgarçamento dos tecidos laterais, além dum enorme buraco numa das solas desanimaram-me. Claro, se vestisse aquilo, fatalmente eu voltaria para casa com bolhas nas solas dos pés, e isso me pareceu nada interessante.
Portanto foi calçando os sapatos que fechei a porta da sala e caminhei até o hall do elevador. Ali apertei o botão com o pressentimento de que algo ficava para trás. O que poderia ser?
-Ah, lembrei! - Exclamei no exato momento que o elevador estacionava no meu andar - Desisti dele.
Voltando para o apê vasculhei numa mala de velhas quinquilharias e reencontrei um xodó dos velhos tempos: uma faixinha para a cabeça, assim, um tributo à época para um dos maiores ícones do rock.
Coloco-a à cabeça e me sentindo com tudo ganho as ruas e sigo à direção da praça. Repentinamente coisas acontecem e elas me são incompreensíveis; As pessoas insistiam em acompanhar os meus passos com seus olhos. Achei estranho, e elas não estavam nem aí e nem percebiam o quanto me constrangiam, alguns até ao passarem por mim davam meia volta em seus corpos para continuarem me olhando. Evidente, um ou outro ria, e aquilo me preocupou e eu levei os dedos da mãos para a parte de trás da bermuda e procurei por alguma abertura, pois poderia estar descosturada, e sem que eu percebesse. Os dedos não encontraram mada, enfim, não havia problemas estruturais, logo, prossegui o passeio. - Que se danassem - Pensei,
Ao entrar por uma das alamedas percebi se aproximar de mim um crioulinho. Ele vin ha em minha direção com uma dessas máquinas antigas, essas que foram utilizadas pelos fotógrafos " lambe-lambe" do final da década de 60.
-Ah, lembrei! - Exclamei no exato momento que o elevador estacionava no meu andar - Desisti dele.
Voltando para o apê vasculhei numa mala de velhas quinquilharias e reencontrei um xodó dos velhos tempos: uma faixinha para a cabeça, assim, um tributo à época para um dos maiores ícones do rock.
Coloco-a à cabeça e me sentindo com tudo ganho as ruas e sigo à direção da praça. Repentinamente coisas acontecem e elas me são incompreensíveis; As pessoas insistiam em acompanhar os meus passos com seus olhos. Achei estranho, e elas não estavam nem aí e nem percebiam o quanto me constrangiam, alguns até ao passarem por mim davam meia volta em seus corpos para continuarem me olhando. Evidente, um ou outro ria, e aquilo me preocupou e eu levei os dedos da mãos para a parte de trás da bermuda e procurei por alguma abertura, pois poderia estar descosturada, e sem que eu percebesse. Os dedos não encontraram mada, enfim, não havia problemas estruturais, logo, prossegui o passeio. - Que se danassem - Pensei,
Ao entrar por uma das alamedas percebi se aproximar de mim um crioulinho. Ele vin ha em minha direção com uma dessas máquinas antigas, essas que foram utilizadas pelos fotógrafos " lambe-lambe" do final da década de 60.
Para mim o lance era apenas a sua curtição, um babado diferente, lambe-lambe fora de prazo e de contexto, porém esperto o suficiente para descolar gente curiosa por aquilo, quem sabe, eventuais clientes. Ao cruzarmo-nos foi estranho o nossos quase esbarrão, pois ao me ver esfregou os dedos nos olhos, abrindo-os e fechando assim como estivesse tendo a visão de assombração. Em seguida parou à minha frente e sorriu simpaticamente à bordo duma dentição alva e perfeita.
-Hey mano! Eu acho que to reconhecendo! Ele disse.
-Hã, como assim? De onde você me conh....- Ele não me deixa terminar.
-Ah... é você sim! É o Véio China, um cara que escreve contos de sacanagem! - Ele exclama diante da minha surpresa. Antes mesmo que consiga responder algo, ele emenda: - Sim, já vi essa tua cara amarrotada numa comunidade de Orkut. Sim! á sim! Uma comunidade chamada "Bar do Escritor"! – Afirmou enfiando o indicador num dos meus mamilos.
Deus! Que Horror! - A sua manifestação foi um escândalo. Pelo jeito eu e o Bar do Escritor não gozávamos de privacidade alguma, nem mesmo ali entregues aos braços da bucólica praça, contraste de certa rudeza ante os arranhas-céus cinza que nos olhavam sisudos . Olhei bem para o sujeito, e... Impressionante! Ele parecia uma xerox autenticada do Spike Lee, o genial diretor do filme e também o entregador de pizzas dum filme chamado “Faça a coisa certa”
-Ah, pode falar véio! Eu sei que tu és o China e não vai adiantar negar! Eu te reconheci por causa das fotos nos encontros da sua comunidade. Não há como confundir essa barba branca e esse bigode castanho. Inclusive mano, tu é mais caídinho nas fotos que pessoalmente – Comunicou-me numa sinceridade difícil de constatar no ser humano do dia-a-dia.
-Ta bão, ta bão! Sou ele sim! – Mas....como sabe de mim e o Bar? – Perguntei com certa curiosidade.
-É o seguinte, tio. A minha maninha tem uma amiga na comunidade que é poeta, a Rosa. Essa poeta há algum tempo tinha falado da comuna pra ela. Então a mana me deu um toque porque sabe que também sou chegado a escrever uns babados. Então eu fui, vi, li e gostei. Assim, sempre que sobra uma graninha vou num Cyber e fico lendo os oba-obas que vocês escrevem.
-Ah ta, compreendi...a Rosa! Realmente ela é uma bela poetisa – Concordei.
-É sim mano. Essa Rosa é mesmo! Eu não entendo muito de poesia, me ligo mais em escrever crônicas sobre as pessoas ou das coisas que me aborrecem. Mas gostaria de escrever os lances que ela escreve. Acho bacana aquela sensibilidade toda. Essa mina é a maior cabeça, né véio?
E foi assim que ele se abriu e disse que tinha vontade de postar no Bar do Escritor, servir de comida para as críticas, pros faminto leões do Bar, porém se preocupava em ser crucificado por nós como foi Jesus por um povo que o via como um bruxo de truques baratos. E ele não estava errado, pois naquela comunidade e no nosso meio havia muita gente boa mas, haveria uns e outros outros que estariam lá mais para destruir que propriamente construir.
-Saca esse lance da possibilidade de ferirem o seu amor próprio? De te fazerem equilibrar com olhos vendados numa lâmina de gilete? -Justificou assim o seu receio
-Sim, eu te entendo – Tive que consentir num sorriso contido. Eu sabia sobre o que ele falava. Eu gostava da sua sinceridade.
-Mas sabe Véio, mesmo assim lá tem gente muito legal por lá! Tem hora que eu racho o bico, principalmente com aquela dona cheia da cultura. – Afirmou com a seriedade desses que sabem o que dizem.Como tínhamos diversas mentes brilhantes questionei-o saltando os ombros, afinal, não sabia a quem se referia. Então, detalhou:
-Aquela, Véio! Aquela que tem mania de corrigir todo mundo, que fala que isso devia ser assim, assado, mais cozido, menos cru. É dessa que to falando!
-Ah! A Liz! Você está se referindo a Liz – Pela primeira vez ele conseguiu me roubar um riso nada abstrato.
-Isso mano! Essa mesmo! A tal de Liz! Ô mulher que sabe tudo! Parece um mapa-múndi da literatura! Acho que essa dona manja mais de gramática e poesias que o professor Pascoal e o Armando Pessoa, juntos! - Exclamou deixando escorregar os óculos redondos e transparentes pela extensão do nariz.
-Hahahahaha – Dessa vez o riso não me bastou; Gargalhei. Foi hilária a salada que ele fizera entre a Liz, professor Pasquale e o imortal Fernando Pessoa.
-Mano, mano! Chega mais! Vamos tirar uma foto? Essa é por conta da casa! - Foi um convite pra que eu posasse diante do trombolho. Eu ia negar, odiava fotos.
-Me dá essa alegria, mano! O Véio China não imagina o quanto me deixaria feliz - Disse-me com aqueles dentes perfeitos à mostra enquanto afagava meu ombro com pequena pressão sobre ele. Definitivamente aquele colorido me surpreendia. O cara era chapado! Ligadaço nas coisas, falante, pernas, braços, bocas e caretas, um conjunto que não sossegava um minuto, e me lembrava o Spike e um explosivo curto-circuito numa tomada de 220V.
-Ta, ta! – Concordei . Eu precisava me livrar daquilo, urgente – Mas...como fará pra tirar essa foto? – Questionei. Eu procurava entender a forma com a qual ludibriaria a física. Até onde saiba um mesmo corpo não ocupar dois lugares simultâneos no espaço.
-Ah, véinho! Quer ver? Eu sou muito bem relacionado nas paradas daqui! Ó..vai sabendo!– Respondeu num ar de soberba
Em seguida um assobio estridente largou sua boca. Alguém, duas bancas à frente decifrando o código lhe fez um sinal.
- Ô Pelé! Dá uma chegadinha aqui, meu camarada! To precisando dum favorzinho de vossa majestade! – Spike gritau e esticou os braços chamando o sujeito. Atendendo, lá veio o Pelé. Eu só não compreendia o porquê do "Pelé" O cara era japonês, pô.
Bem, isso também não me importou, já que Pelé também parecia entender daquela geringonça.
E tanto entendia que, tão logo se viu diante do monstrengo enfiou a cabeça por debaixo do pano e ainda nos orientou – “Não se mexam e digam Xis!” - Não nos mexemos e nem dissemos "Xis" e Pelé bateu a foto. Em seguida o crioulo deu uns tapinhas de agradecimento nas costas do japa e pediu para que eu desse um tempo que voltaria com a foto revelada – Ao lado da engenhoca havia uma pequena barraca, tipo dessas de campanha que se usam no Exército. O que sei é que Spike entrou pelas lonas grossas e fechou a entrada com o ziper . Bem. talvez ele demorasse e para não ficar ali de bobeira aproveitei o intervalo para comprar algumas cervejas em lata duma senhora que equilibrava o baú de isopor no topo da cabeça. Paguei e fiquei zanzando ali próximo a espera da foto quando uma garota de programa encostou-se a mim. Veio com duas parceiras - Elas proliferavam pela praça como ratazanas nos bueiros - A que se aproximou era a mais fuleira delas, e ela deve ter achado que não percebi o seu toque para as amigas caírem fora. Portanto lá se foram as duas rebolando suas bundas de aluguel, tomando seus rumos, me deixando o candango.
-E aê, vôzinho! Tu ainda aguenta um pograminha lesgau? To di liquidação. Cinqüenttinha! Ofereceu-se num linguajar sofrível e aproximando suas tetas do meu torax.
Eu podia lhe sentir o cheiro da bebida. Olhei pra ela com certa indiferença, não por ser quem era, mas por supor que todos os velhos são tapados e caem em qualquer arapuca – E outra, se ela fosse igualmente puta, mas, rica, e se ainda achasse que eu fosse um otário seria capaz de mover-lhe um processo por assédio sexual. Mas como as notificações para putas e ricos deve demorar uma eternidade, deixei pra la. Sim, eu deixei pra lá, ela, não:
-Cumé velhinho, vai encarar ou não? - Me desafiou, mãos ancoradas na cintura enquanto as pernas rebolavam desengonçadas.
-Necas, filhota! Papai num roeu a roupa do rei de Roma. Papai ta sem o fortificante!- Exclamo secamente ao girar o corpo para o lado oposto ao seu. Aquilo a deixou irritada tanto quanto eu estava. Ela me olhou contrariada e me fez sentir a sua raiva:
-Velho broxa, reguenguela! – Foi assim que ela me xingou e saiu rebolando o parzinho de nádegas mirradas sob um vestido justo e amarelo e tão curto que fui capaz de ver sua calcinha vermelha ao se ir. Ainda a vi mais adiante,e ela olhou para trás e na minha direção e mandou-me uma "banana". Feito, desapareceu pelas alamedas do parque.
Esperei mais 10 minutos, tomei duas latinhas e fui ao encontro do meu amigo fotógrafo. Ao me notar veio ao meu encontro, entusiasmado – Estava com a foto nas mãos -
Mostrando o quanto estava simpatizando com aquele camarada entreguei-lhe a outra cerveja. Ele a pegou, mas não rompeu o lacre. Provavelmente estivesse mais entretido com a foto que propriamente a bebida.
-Pô, mano! Ficou legal pacas! Olha aqui, Véio! – Exclamou entregando-me a foto.
Eu olhei para a foto. Olhei novamente. Por via das dúvidas olhei mais uma vez. Então gargalhei. Gargalhei mais que a pouco e como muito tempo não gargalhava.
A coisa toda ficara absurdamente ridícula. Hilário vê-lo na imagem, corpo franzino, a feição de intelectual em sebo de terceira, as magérrimas pernas socadas numa bermuda amarelo-canário, algo vivo e tão intenso que o fazia ainda assemelhado ao Spike Lee. Ainda mais aquele seu tênis de cano alto e coloração verde-limão, unidos às suas meias listradas em branco azul e vermelho. Porém o embatível era a sua superengraçada camiseta na cor pink de gola roxa escancarando a frase: "Soy macho, muy macho!"!
A minha convulsão hilária amainou-se aos poucos, e ele, surpreso diante da minha reação e num instinto de sobrevivência puxou a foto da minha mão e a ficou observando pelo longo de um minuto. Sua feição parecia severa. Sisudo abriu ao lacre da cerveja, tomou um gole e expressou a sua concordância quanto a foto:
-Ta certo, mano! Isso tá uma bosta!
-Pois é! – Concordei enquanto abria minha última cerveja;
-Ah! Mas também! Olha a tua indumentária, tio! – Spike apontava o dedo para o meu ser como se o culpado fosse eu.
Retirei a foto de sua mão - Agora era a minha vez de analisar - Depois de mais de um minuto de uma inspeção minuciosa eu não encontrara nada de errado com a minha camiseta estampada com o Angus Young, do AC|DC ao centro. Quanto ao que dava um charme à minha bermuda, abóbora, o que poderia haver de repulsivo naqueles belos e históricos logotipos? Lá estavam Ozzy, Purple, Sabbath e Zeppelin, Rush, Floyd, The Who e mais um ou dois que não me lembro.
Não não! Definitivamente não havia nada de errado com minhas roupas e nem com meus ídolos.
Talvez o motivo de sua contrariedade estivesse estacionado no alto de minha cabeça, na faixa que a ornamentava. Talvez o incomodasse a sincera frase da faixa onde eu derramava admiração - "I Love Janis Joplin" – Ela exprimia numa confissão de letras vermelhas sobre o tecido azul-pavão.
Todavia eu jamais seria o dono da verdade e por isso levei em consideração as suas críticas. E se não fosse a faixa da Janis? Talvez não seriam as meias brancas que nao combinavam com os sapatos “ vinho-encarnado” que arrematei por 40 pratas numa liquidação das Lojas Americanas? Será que eram elas? Será?
-Ô tio! Vamos esquecer essa coisa de foto, vá! – Sentenciou ao surrupiar-me novamente a imagem e picotá-la em fragmentos irregulares.
Eu não fiquei surpreso com a sua atitude. Ao contrário, concordei afirmativamente meneando cabeça e posicionando o polegar para o alto enquanto as últimas vísceras daquilo que fora um registro de imagem se desfragmentava entre seus dedos. Assim que não sobrou um único pedaço de papel ele riu e então matou o resto da sua cerveja em dois bons goles. – Longe da pressão Spike parecia de ser bom de copo - Novamente a mulher do isopor cruzou à nossa frente e eu lhe pedi outras seis latinhas. Olhei para ela e para a sua habilidade ao nos servir e tive certeza; esses ambulantes espertos provavelmente se mantém à espreita dos bêbados que se acusam na própria aparência. Certamente eu era um desses e ela não me abandonaria enquanto eu estivesse zanzando por ali e até que a última latinha fosse arrematada. Assim que me entregou o novo lote abri a minha e joguei outra para o fotógrafo. Ele a agarrou no ar com sorriso maroto.
Fiquei olhando para ele, e gostava daquele seu jeito aparvalhado. Ele era esperto, aliás, mais que esperto - Spike era um sábio, e eu cometera injustiça de imaginá-lo babaca quando o flagrei com aquele "trombolho" de prazo expirado.
Terminadas as cervejas pegamos outras e continuamos bebendo em silêncio. A paz só era entrecortada pelo cantar dos passarinhos ocultos sob as folhagens.
Mais duas prostitutas passaram com suas micro-saias lá no alto à bordo dos seus risinhos sacanas
Em alto e bom tom Spike fez um comentário nada lisonjeiro sobre as varizes que saltavam das pernas da rechonchudinha, aliás, não só cheinha, como a mais velha também, talvez coisa de 45 que se denunciavam mas mechas de cabelos brancos nascidos ao pé dos cabelos. Irritada com o comentário do parceiro ela nos mandou "se foder". As outras, empolgadas com a pequena revolução também nos mandaram tomar naquele lugar. Spike riu, e eu ri também, e elas desapareceram pelas ruas arborizadas à procura de novos clientes, certamente mais gabaritados.
Eu e ele sentamos na grama apesar da proibição contida nas placas. Persistimos sentados e continuamos com nossas bebidas, e ouvíamos os sons dos "ahhhhhhhhs" ao estralarmos os lábios após cada gole de cerveja. Fiquei olhando pare ele e me questionei se eu também não seria um gênio. - Ri da própria bobagem - Bem, talvez eu fosse uma mente excepcional, porém ninguém suporta tratar com os gênios, e assim sempre serão ignorados e os tratarão como se não existissem.
-Spike, diga, eu sou um gênio? - A questão não me cala e eu pergunto à queima roupa
-Hã? Como assim tio? - Ele me devolve prontamente, surpreso. Claro, ele não entendia o motivo da pergunta. Tudo bem, Spike apenas continuou com um olhar de quem quer abraçar o mundo e nada disse, inquestionável confirmação de que ele era um daqueles a quem me referi.
-Bem garoto...se não há testemunhas não se faz necessário a prova. Certo? - Ele simplesmente continua me olhando com ares de quem além do mundo, também pretende descobrir os meus mistérios
-Hey tio, do que cê ta falando? - Apesar de tudo ele não consegue, logo, pergunta.
-Ah, nada não Spike! Bora beber, vá! - Eu o incentivo.
Ele parece gostar do apelo etílico e retribui um sorriso cafajeste. Talvez Spike estivesse com a razão; talvez eu fosse tão somente o idiota da fala enrolada, nada mais que um velho que se arvora pretensioso, desses que não aguentam a bebida, mas que são orgulhosos o suficiente jamais para jogarem a toalha.
Os pássaros continuam com suas cantorias enquanto a moça do isopor, óbvio, se mantém por perto. Spike levanta o rabo da maciez da grama e vai até ela, e ele gesticula, e eles conversam e depois coloca a mão no bolso direito da sua bermuda canário.
Spike sempre foi um bom menino, portanto ele e novas cervejas retornam mesmo que haja dificuldades para equilibrar aquelas seis latinha no par de mãos.
-Grande Spike! - Eu brado ao receber a minha latinha. Ele apenas me olha, divaga e fica repetindo num tom baixo "Spike..Spike..Spike". Eu apenas sorrio, pois não me era difícil imaginar que tentasse localizar o "Spike" em sua mente, para ele, talvez, um desconhecido monstro da literatura mundial.
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