domingo, 20 de junho de 2010

A insólita infância de Erico Zambini



Part. I -  O amor jamais será eterno -

Meu nome é Erico Zambini e a minha história começa aqui, dos sete para os oito anos de idade.
Ela poderia ter começado antes, porém há fatos anteriores que ainda me fogem, portanto  corroboram para que não retroaja em memórias distantes. E além do mais me parece que aos sete anos é uma boa idade, o ponto ideal para contar uma vida, algo assim como churrasco servido ao ponto.

E lá estava eu na casa de minha tia Ernestina. Aliás, não era propriamente uma casa e sim um apartamento de primeiro andar num prédio mediano no bairro da Lapa.
Eu vinha de um casamento desfeito, aliás, não o meu propriamente, afinal, crianças de oito anos não estão prontas para qualquer tipo de enlace ou compromisso. O casamento que me refiro era o dos meus pais.

Talvez a pouca idade não me faça relembrar de tudo, mas o suficiente para não esquecer que o meu velho, rotineiramente retornava para  casa serenado na madrugada, em  álcool e perfumes baratos. Eu jamais tive a coragem de perguntar de onde vinha, afinal, para a mim, além de pouco compreender mão me fazia qualquer diferença. Porém mamãe não compartilhava o mesmo dos meus sentimentos e ali e assim começou ruir a união de quase nove anos.

Separados, a barra pesou para minha mãe. Deprimida, ela não conseguia dar conta de nossa casa e nem de mim. Arteiro e já demonstrando algum espírito aventureiro eu a deixava transtornada ao desaparecer na companhia dos amigos de rua. Comum também era nos encontrarem  pedalando nossas bicicletas, equilibrando-nos sobre os canos de aço do DAE,  enormes tubulações de talvez  vinte metros de diâmetro, encarregadas de transportar a água para a nossa região. E nós os exímios ciclistas pedalávamos no topo dos canos e uma superfície plana de 15 ou 20 centímetros, cientes que qualquer descuido poderia significar uma queda catastrófica. Quando não,  achavam-nos  jogando bola ou  nadando nas pútridas lagoas da redondeza. E esses pequenas lagoas  formadas pela erosão  alimentavam-se das águas das chuvas e de todos o tipos de detritos que nelas depositavam. Por milagre nenhum de nós adoeceu com algum tipo de infecção, já que não raro era disputarmos território com os ratos que vez ou outra víamos boiando nas águas.  Aliás, era até engraçado, pois enquanto tentávamos fugir das pestes com  braçadas  afobadas, eles sempre tomaram direção oposta, talvez até   fugindo da peste humana.

Portanto e com a separação consumada minha tia Ernestina percebia  o que ocorria à nossa volta. Houve então o drástico de sua decisão ao implorar a mamãe que me deixasse ficar com ela pelo decorrer daquele ano até que  as coisas se acertarem melhor. Eu não estive presente, mas imagino que tenha sido uma conversa difícil e de protestos, porém ao fim  mamãe acabou cedendo, já que talvez e naquele momento a sua aceitação fosse o melhor para nós dois. Talvez a decisão fosse o novo marco de esperanças, a possibilitasse de mamãe retomar a sua antiga profissão. Claro, por que não? Pois era provável que com maior disponibilidade de tempo e sem ter que se  preocupar com outras questões se munisse de coragem e reabrisse o salão de beleza que  possuiu antes de se casar com papai.



Part. II -  A Mudança, o Rock e a Empregada

Sobre o dia da mudança para a casa de minha tia lembro-me como se fosse hoje e ele ocorreu num sábado de carnaval. Para mim tudo era novidade numa Lapa de classe média baixa, todavia diferente do lugar que eu viera,  um bairro relativamente humilde da zona leste de São Paulo.
Recordo-me também iniciaria a minha vida escolar ao ser matriculado no 1º ano primário, porém, estando os meus tios numa situação razoável financeira entenderam por bem me matricular numa escola particular.
No apartamento, minhas primas,  Edileusa e Edivânia, filhas da tia Ernestina estudavam com afinco para os exames finais; uma para se despedir do colegial, e a outra para ingressar na faculdade.
Enquanto isso o genes másculo da família,  Nelson, um primo a bordo de sua boa aparência  acabava de conquistar uma vaga na renomada faculdade de direito do Largo São Francisco
As meninas, talvez entre os 18 ou 19 anos (sei que havia um ano de diferença entre elas) eram  legais. Eu gostava delas e elas viviam sorrindo e ouvindo músicas,  principalmente as canções do novo cenário do rock brasileiro.  Tietes de Tony Campello e Celi Campello, aos sábados a vitrola desfilava  uma série de sucessos dos irmãos, mas sem me esquecer do  Ronnie Cord. Então vinha uma enxurrada de hits como; Biquíni de Bolinhas Amarelinhas - Rua Augusta, Estúpido Cupido, e outros que nem mais me lembro dos nomes. Porém jamais esquecerei a letras de um delas, e a que mais gostava: " "Entrei na rua Augusta, a cento e vinte por hora......"
Contudo, repetidas à exaustão e com o volume nas alturas os roqueiros terminavam por aborrecer meu tio, e ele sempre encontrava um jeito para acabar com a festa, mesmo sob os veementes protestos de todos.

No apartamento, lembro que ao sair da cozinha dávamos na a área de serviço e um diminuto quintal onde seguindo em frente chegava-se no pequeno quarto com duas camas de solteiros e onde dormiam meu primo e eu. Desnecessário dizer que o quartinho era  o paraíso de Nelson, pois era  lá que se encontravam os  discos do Elvis,  Bill Haley, Jerry Lee Lewis, Beach Boys e outros mais.  Na parte interna da porta de entrada dávamos com um pôster do São Paulo Futebol Clube, o que denunciava a sua paixão pelo time. Lembro-me ainda hoje de alguns rostos e nomes que constavam nele : José Poy, Canhoteiro, Benê e Faustino. Recordo-me de minha brava resistência  para não virar a casaca e tornar-me sãopaulino, abandonando assim o meu Santos de Pelé.  E também foi ali que devo ter me viciado no tabaco, e óbvio, naquela idade  jamais colocaria um cigarro na boca, porém a nicotina ingerida pelo Nelsom naqueles seus dois maços diário do Luis XV infestavam os meus pulmões. E eu fumava cada vez mais mesmo não querendo, principalmente em noites frias onde com a porta trancada o ar carregado de fumaças tornava o ambiente algo obscuro, coisa parecida com os mistérios e  nevoeiros das ruas de Londres.

Ali mesmo e aproveitando da área de serviço saía outro aposento, e não propriamente um quarto e sim o trecho coberto pela da varanda do apartamento de cima. Evidente, já existindo o teto foi necessário apenas fechar os vãos laterais com folhas de Eucatex e adicionar uma pequena porta na parte da frente, e aí estava o minúsculo quarto de  Izilda,  a nossa adorável empregada
Ah, Izilda! Izilda era uma mulata de mais de metro e setenta de altura e uma saúde de arrepiar com suas coxas grossas e seios  volumosos. Impossível também esquecer  o bumbum tão proeminente que talvez começasse no vilarejo de Dumont (interior paulista que viera) e terminasse ali, propriamente à Rua Clélia, o coração da Lapa, o endereço para onde eu mudara.
Talvez ela estivesse la pelos 21 ou 22 anos e era  dona de um sorriso largo e de mãos magistrais no preparo do cardápio. Não seria  inverdade confessar que nos apegamos- um ao outro,  talvez até pelo fato de sermos os que destoavam naquela  casa; Eu, um pirralho arredio e desconfiado das nova pessoas, e ela  a personalidade simples vinda dum lugar distante onde a atividade de sustendo era o cultivo na roça.
Inclusive é bom que se diga para que não haja a falta da verdade; Meu libido foi despertado por Izilda, involuntariamente, confesso. Sim, o tempo foi passando e eu me sentia estranho nas ocasiões  em que descuidadamente Izilda deixava aberta a portinha do seu quarto ao trocar a roupa. Não há como esquecer das vezes que a flagrei de calcinha e sutiã,  e o fato de me causava uma sensação excitante, afinal jamais eu olhara para uma mulher adulta e seus trajes íntimos.
E a ansiedade deixava-me de olhos atentos no seu ir e vir,  na forma que rebolava o enorme bumbum, principalmente quando  passava com as travessas de comida para serem colocadas à mesa.



Part. III  -  Precocemente o garoto vê desperto os interesses escusos

E essa mesma ansiedade aflorou num certa vez que os meus tios viajaram para Ribeirão Preto, e eu esperneei para não ir. “Quero ficar aqui. Não gosto de ficar trancado no carro” – eu dizia para titia com  lágrimas de pequeno chantagista -  “Ah, dona Ernestina, deixe o Erico aqui. Eu tomo conta direitinho!” –  Izilda assegurava a ela ao tomar as minhas dores. – Talvez titia e titio concluíram que não seria  má ideia se não viajasse, pois  sobraria mais espaço e conforto para as meninas no assento traseiro do Chevrolet 54   – E assim  minha tia cedeu, e eles foram e eu fiquei. Aliás, eu e Izilda. E sabendo que estaria sozinho esperei ansiosamente  pela  chegada da noite e que o seu sono  viesse, já que geralmente Izilda ferrava no sono por volta das 22 horas. Recordo que jantamos e ela deitou ao sofá e assistíamos televisão. Aos poucos seus olhavam se tornavam pesados e ela se remexia, e à medida que isso acontecia a barra do vestido soerguia deixando á mostra os fartos nacos de suas coxas mulatas. Eu me mantinha no carpete  velava o seu ressonar  e não desgrudava os olhos do contorno do seu corpo acentuado  num vestido de malha clara. Havia algo excitante no ar e quando tive a certeza que seus olhos cerraram  esgueirei pelo chão na tentativa de ver a cor da sua calcinha  pelo vão da junção entre os seus joelhos.  E u ainda aguardava por um sono mais  pesado, claro indicador que minhas intenções não eram das melhores, principalmente para um "mãos de algodão" como eu.  Ah sim!  eu queria ver aquela peça, botar os olhos no sutiã que suportaria o peso dos seus enormes  seios, queria colocar o olhar naquele paninho delicado que vira em suas mãos antes que entrasse para o banho.

E assim foi e o sono chegou para ela, pesado, duro, merecido, e eu e meus dedos de cotonetes agimos e nervosamente fomos abrindo botão por botão da parte de cima do seu vestido. Ao me livrar do quarto botão fiquei excitado ao admirar tecido branco e quase transparente carregando seios fartos e redondos. Lembro como se fosse hoje da indomada vontade de tocá-los, portanto deslizei suavemente o dedo indicador por sobre o bojo do sutiã e rocei o indicador num dos mamilos,ao que  Izilda deixou escapar breve suspiro. O som do pequeno gemido me fez temer a sua reação, pois talvez estivesse acordando. Assutado  levantei-me rapidamente  eu corri para a cozinha e e coração parecia escapulir da boca ao abrir a geladeira e procurar pelo pudim de leite servi como sobremesa no jantar. Sim, era a tentativa de disfarçar o pecado do meu ato, pois tinha noção que fizera algo de errado – Quando voltei  para a sala ela ainda estava atolada no sono e a parte frontal do vestido aberta e com os seios à mostra sob a transparência do incauto sutiã. Novamente a excitação me corroía e tentava  me empurrar para ela, porém o meu medo em acordá-la  foi bem maior -  Sim, amarelei, pois ao início e ao quebrar as regras de boa conduta eu me achei capaz,  porém agora eu percebia que nunca teria a mesma coragem dos super heróis - Tornar a fechar os botões? De forma alguma! - Convenci-me em manifesta covardia, já que provavelmente  tremeria mais ao fechá-los que no abri-los. Então apenas fiquei por lá olhando para os seios, indeciso e com vontade de tocá-los e nisso talvez se passaram 20 ou 30 minutos e Izilda acordou. Surpresa ela olha para o vestido e para os seios à mostra  e mais assustada que surpresa  fecha rapidamente os botões enquanto me procura com  o olhar. Talvez com certo alívio me flagrou deitado no carpete. Sim, acredito que foram momentos terríveis para ela, talvez a dúvida, a pergunta: "Os seus botões botões se abriram sozinhos ao se remexer no sofá?" - Talvez até mesmo achasse  que eu pudesse estar metido naquilo, mas, se estivesse, como provar? Contudo, maroto, eu persisti de olhos fechados e vez ou outra largava um suspiro longo, desses de quem dorme pesadamente – Ao fim e sem notar qualquer reação minha ela me chacoalhou pelo ombro e ambos fomos  dormir, cada um ao seu quarto.

Porém a cena trago até hoje e dela não me esqueço: Seria eu o bandido? E a Izilda, a mocinha ? – Eu nunca soube exatamente  - À  favor dela contava agora uma juventude de trabalho quase escravo, uma garota assustada com um oceano de prédios que jamais vira e que agora que se derramavam cinzas por onde quer que ela pousasse o olhar. Contava também a  sua necessidade de  ganhar algum dinheiro para remetê-lo todo mês à pobreza dos pais. Para Izilda não deveria ser nada fácil conviver com uma São Paulo agitada,  de pessoas ansiosas e com os carros tossindo  fumaças negras e fedorentas. E sobre o assunto, ainda imagino a sua solidão, essa mesma que brinda os forasteiros que arriscam a sorte nas grandes metrópoles. Ao meu  favor nada além dos meus míseros e incompletos oito anos e uma infância igualmente solitária, exceto as companhias dos amigos, mas agora que agora distantes não me faziam falta. Todavia algo martelava  aqui dentro e eu não sabia se era a separação dos meus pais que doía em mim, talvez nem fosse.
Porém de nada adiantava pensar na situação deles, afinal, nada que eu fizesse iria trazê-los ao convívio, misturar a água ao óleo.



Part. IV  -  A nova escola e a incerteza sobre as mulheres

Entretanto logo após a minha chegada  foi que conheci  o Mario de Andrade. Calma! Não era um novo amigo e nem algum garoto vizinho de porta de apartamento, Mario de Andrade era o nome do meu colégio, aquele bancado por meu tio, uma boa escola de meninos e meninas. Portanto era a hora de enfrentar os estudos e eu me sentia um "granfino" dentro do uniforme composto duma bermuda de lãzinha azul, blusão cinza (ao estilo das universidades americanas) com um enorme brasão da escola bordado em vermelho e dourado. Um sentimento que jamais tivera antes me fazia orgulhoso em ostentar o símbolo da escola no lado esquerdo do meu peito, apesar do desconforto com meu novo par de sapatos e com as meias brancas que, subindo pelo tornozelo terminavam  nos joelhos, algo que achava um tanto afeminado para um macho como eu. Enfim, tudo estava sacramentado e  essa era a minha nova vida, a nova família,  a nova escola e o novo uniforme de meias afrescalhadas.
Talvez e por ter vindo de um bairro de zona Leste eu tinha uma pegada  rude, indomável,  e certas malandragens inabituais para os garotos daquela classe social. E foi às custas do meu jeito debochado e irônico que ganhei o respeito deles, aliás, talvez nem fosse respeito, mas sim medo.

Dona Matilde, a professora e abelha mãe do sistema  antipatizou-se comigo de cara. Talvez ela não gostasse do meu jeito sem refinamento e zombeteiro. Na primeira semana de aula  minha tia foi agraciada com um chamado da direção. Nele pediam gentilmente que “alguém responsável” fosse tratar sobre o meu comportamento. Portanto, naquela manhã  lá estávamos eu e minha tia  na sala da diretora.

-Dona Ernestina, assim não é possível. O seu sobrinho retalhou com a gilete o blusão do coleguinha que senta à sua frente.

-Meu Deus! O Érico fez isto, dona Clotilde? - Surpreendeu-se minha tia enquanto olhava-me severamente.

-Fez sim dona Ernestina! E não só isso. Também agiu indelicadamente com uma coleguinha com ato impróprio e chulo.

-Chulo? Como assim dona Clotilde? –  Minha tia  se surpreendeu.

Eu a olhei surpreso, pois não sabia o que era chulo. Porém, mesmo sabendo o significado de chulo percebi pela expressão da diretora que algo de bom não deveria ser, e isso fatalmente me remeteu à Elisabeth -  Maldita garota! - Pensei comigo ao desviar dos olhos austeros de titia -  Por que Beth  teve que dar com a língua nos dentes? – Remoí -
Eu nem qualificara como tão grave o fato de ter encostado a mão no seu bumbum em hora do recreio. Talvez não tenha sido  delicado como ela gostaria que eu fosse. Lembro que o olhar de Elisabeth me fulminou  quando saiu em disparada para ir agrupar-se às amigas no canto oposto do pátio. Porém dona Clotilde ainda não tinha  acabado comigo.

-Sim, dona Ernestina! A professora Matilde me relatou o fato. O seu sobrinho esteve brincando de “mão boba” com uma coleguinha de classe – Dona Clotilde tentava  explicar o ato levando a sua mão espalmada ao ar, para baixo, para cima.

-Oh, sinto muito senhora diretora - Desculpou-se minha tia - Terei uma séria conversa com ele e esse fato não vai mais se repetir. Garanto-lhe! – Minha tia desculpou-se constrangida num olhar que me assassinou pela  segunda vez na manhã. Também não seria demais dizer que meu tio arcou com a responsabilidade de um novo blusão para o garoto.


Bem...os meses se passavam e eu me percebi  pequeno diante do sistema, portanto, sem saída sujeitei-me à ele. Por esse tempo  havia me aproximado demasiadamente de Elisabeth tanto quanto Eliane.
Elisabeth era garota de pele morena, cabelos negros,  pernas grossas. Nela sobressaiam os lábios carnudos que combinavam magnificamente com a beleza do seu rosto. Eliane, ao contrário, era magra, do tipo manequim,  esguia, um conjunto harmonioso apesar de não ter as curvas como o de Elisabeth ( e isso se notava através dos shorts nos dias de aula de educação física) Ambíguo, eu amava as pernas de Elisabeth e os loiros cabelos de Eliane, e nesta,  principalmente,  o mistério dos seus olhos (desses que  não falam).
E aquilo me seduzia e eu adorava a expressão dos seu olhar e a a meiguice da voz que habitualmente me convidava: “Erico, vamos brincar?” – E sempre ia,.por vezes  vezes sendo necessário  livrar-me de Elisabeth que de um jeito inequívoco  demonstrava afeição por mim.




Part. V  - O reino encantado se veste de cor-de-rosa


Ah sim! Recordo-me que fiquei  excitado numa daquelas ocasiões que Izilda se vestiu diante de mim  e de  ter chegado à escola munido dum desejo, digamos, estranho e mundano.

Naquele dia cismei que veria a cor da calcinha de Elisabeth. Ansioso e tão logo adentrei o colégio  aproximei-me de dela, toquei-lhe o ombro e ela me olhou surpresa.

-Beth, no meio da aula peça à dona Matilde para ir ao banheiro. Ta?

-Hã, pra que isso, Erico? – Ela perguntou curiosa.

-Por nada! Só peça isso! – Respondi num sorriso maroto, rumando para a fila dos meninos.

Estávamos no meio da aula de geografia e aprendíamos sobre o Rio São Francisco e a imensidão da floresta amazônica, quando uma mão se levantou. A voz soou  indecisa, claudicante:


-Dona Matilde, posso ir ao banheiro? – Era Elisabeth. A professora assentiu num gesto de cabeça e ela saiu.
 
Esperei  um minuto e igualmente levantei a mão.

-Professora, posso ir também? Pedi  e me levantei da carteira, pressionando as pernas uma na outra com o intuito de impressioná-la. Com os meninos era sempre assim; necessário um certo teatro para sensibilizá-la.

-Ok Erico, pode ir!

Sai em disparada e entrei e sai do banheiro dos meninos. Eu observava os corredores à cata de passos, vozes. Nada! Com o corredor sem presença de minas terrestres postei-me na  frente do banheiro das meninas e aguardei a saída de Elisabeth. Assim que me viu não pareceu surpresa. Eu tinha tudo planejado, tudo em mente:

-Beth, eu to com vontade! – Disse-lhe gaguejando.

-Vontade de que, Erico? – Ela perguntou com olhos arregalados.

-De ver a cor da tua calcinha! - Respondi tímido - Eu sempre falhava na hora de ser super herói  ao não fitar  os seus olhos,  e sim para o piso cerâmico.

-O que? Ta ficando louco, Erico?

-To! – Foi a única resposta que encontrei. Ela ficou me olhando por alguns instantes. De alguma forma ela parecia estar tão excitada quanto eu - pensei.

-Mas...é só um pouquinho? - Sim, aquilo era pergunta de quem estava excitada.

-Claro! Só um pouquinho – Eu respondi levantando o olhar e me fixando na barra de sua saia.

-E por que não preferiu ver a da Eliane ? – Ela me questiona à queima roupa. Ah, mulheres e suas inseguranças - ruminei em pensamento.

-Bem.. Porque não é a calcinha dela que quero ver! – Afirmei convicto.  Nessas ocasiões temos que jogar duro, incisivo, mirando objetivos.

Elisabeth então me puxou pelas mãos e entramos no banheiro feminino. Ali, evitando olhar-me nos olhos ela levantou a saia  xadrez e eu pude ver a sua calcinha. Era  linda! cor de rosa, e adornava as pernas de pele macia e de penugens delicadas. Eu apenas fiquei olhando para a sua calcinha rosea por uns 10 ou 15 segundos – Eu não sabia o que fazer ou proceder e apenas fiquei olhando  até o momento que o  tecido xadrez  escapou da sua mão  e voltou para o lugar de origem.

-Pronto, Erico! Você viu! Ela disse num tom de voz culposo e saiu  apressada.

Foi retornando para a minha carteira que percebi que uma mulher é capaz de matar um homem. Se não matar, certamente, enlouquecer.
E assim o ano seguiu e no decorrer dele o meu aproveitamento transcorreu dentro do esperada pela escola – Não dei trabalho a eles, e eles retribuíram com certa dose de generosidade e compreensão já que até a dona Matilde parecia-me ser agora bem mais simpática.  E a sua empatia ficara evidente quando fui eleito o “apagador de lousa" da classe, para os ciúmes dos demais alunos.
Contudo a minha situação com Beth e Eliane andava  um tanto confusa ao me encontrar indeciso entre as pernas de Elisabeth e os mistérios nos olhos de Eliane.
E a mesma situação parecia perdurar por toda minha vida, já que no decorrer dos anos futuros sempre me estive entre a cruz e a espada, pois as mulheres sexys mexiam com meu libido dum mesmo jeito que os olhares misteriosos, mesmo que suas donas fossem isentas de bundas proeminentes.



Part. VI  - No escuro do cinema as emoções e a eterna incerteza sobre as mulheres

E o fato comprova a situação como numa certa vez ao ser levado para uma matinê do Cine Nacional ali próximo de casa. Lá estávamos eu e Izilda quando inesperadamente encontramos com Elisabeth e Eliane e as suas respectivas empregadas. Claro, aquelas promoções foi uma grande jogada da direção, afinal davam entrada gratuitas para empregadas nas 4as feiras, desde que acompanhadas de um menor pagante. Portanto  naqueles dias o Nacional ficava apinhado de  gente, garotos, garotas, empregadas, e elas ao se terem cara a cara  falavam alto e gesticulavam demasiadamente suas mãos e por fim acabavam por nos esquecer nos cantos dos sofás do imenso saguão Naquele dia ao entrarmos na salão recordo-me que nossas empregadas sentaram nos bancos imediatamente atrás e nos assentos da frente eu me posicionei entre  Elisabeth, e Eliane. Com o filme em andamento me valia dos momentos de escuridão entre as cenas eu deixava escorrer a minha mão nos joelhos de Elisabeth que, aproveitando-se da negridão dava-me pequenos beliscões nos dedos. Claro, o simples fato de sentir o tato do seu joelho me deixava eufórico, porém logo recolhia a mão nas cenas de claridade acentuada. Depois deixava Elisabeth de lado e me preocupava com a Eliane e a sensação era completamente diferente e eu procurava  o toque das suas mãos na escuridão, e para que isso acontecesse cruzávamos os braços e esticávamos as pontas dos dedos para que pudéssemos tocar um ao outro, e eu me sentia feliz só com o toque.

E assim também aconteceu por toda a minha vida e foram essas as sensações que me fascinavam nas mulheres,  uma espécie de mistura de sensibilidades e volúpias,  coisas que sempre achei que combinavam assim como a alface e o tomate, a devassidão das garotas dos teatros pornôs e uma bela canção que falasse de amor para um casal apaixonado.
Seguindo adiante o ano transcorreu normalmente e eu passei com uma  ótima média para o 2º ano. Todos estavam felizes comigo, óbvio,  moldado aos padrões que queriam de mim. Agora me tinham mais polido, educado, compenetrado. Foi aquele o primeiro e último ano passado junto de minha tia Ernestina. Havia chegado à hora de voltar para casa, apesar que ainda não seria  esse o meu destino, pois  muita água jorraria nessa cachoeira.



Part.VII -  Despedindo-se dos tios, primos, empregada, e da Lapa

No dia de retornar para a casa de minha mãe o meu pai foi me buscar com o seu  DKV caindo aos pedaços. Era um automóvel horrível e os bancos cheios de buracos e forrados por um tecido porcamente imundo e num contundente contraste aos confortáveis e bem tratados  assentos de couro do Chevrolet do meu tio. Porém, apesar dos incômodos era melhor voltar pra casa naquela lata velha que nos abarrotados ônibus da CMTC.

E assim e emocionado foi que me despedi e envolto por sentimentos que ainda não dominava Educadamente abracei a todos e lhes beijei os rostos Os primeiro foram os meus tios, depois os primos e por último a Izilda. Com exceção da Izilda, nenhum deles chorou, assim como eu. Apenas fiquei triste por Izilda, afinal  acreditava que para ela eu era algo importante.


Ao entrar no DKV e sentar naqueles bancos empesteados  Elisabeth e Eliane vieram à minha mente: O que elas estariam fazendo numa hora daquelas? Também não sabia. Sabia apenas que sentiria saudades. Sentados no carro papai ligou a ignição, fez um aceno de mãos para todos e o carro partiu e pouco depois coloquei a cabeça para fora da janela e olhei para trás e os vi retornando para dentro do edifício. Voltei o rosto e deixei o vento bater em minhas faces e exalava os últimos odores da Lapa,  bairro de um cheiro diferenciado,  cheiro de fábrica e dos líquidos químicos dos lanifícios que, escorrendo pelas calçadas desembocavam nos bueiros. Finalmente eu sorri para aquele lugar como se retribuísse  o que me fora dado  por todo aquele período.

Eu já sentia uma ponta de saudade da Izilda quando meu pai abandonou a Rua Clélia e atravessou  o cruzamento indo dar á uma rua de nome complicado. O carro seguiu barulhento, chamando a atenção das pessoas que transitavam nas calçadas até pararmos a no sinaleiro e emparelhamos com  um luxuoso Aerowillys. No seu banco traseiro do outro veículo  uma garotinha de  três ou quatro anos de idade ficou olhando para mim ao lado de uma senhora idosa, provavelmente a avó, enquanto à frente os seus pais pareciam conversar animadamente no aguardo da abertura do farol.   Assim que a luz verde nos liberou o Aerowillys avançou rapidamente e nos deixou para trás  com  facilidade, porém permitindo-me um último olhar pra garotinha que ainda sorria para mim. E e os meus olhos se alegraram e também  sorri para ela e acenei  antes que  Aerowillys sumisse  das nossas vistas.

Novamente o DKV engasgou e nos mantínhamos parados enquanto o meu pai um tanto proferia alguns palavrões para ele. Assim que o motor respondeu ele acelerou,  bombeou a fricção umas duas ou três vezes, engatou a primeira marcha e outra vez ele tossiu, mas seguiu à frente deixando para trás nuvens de fumaça com cheiro de óleo queimado. Ao engatar a segunda marcha eu tive a mais exata das certezas: nem eu ou o DKV seríamos os mesmos.



Part. VIII –  Vida nova apesar das lembranças

Ao chegar com minha pequena mudança, papai tirou as coisas do porta malas e me deportou no portão como se eu fosse uma mala prestes a ser embarcada para uma cidade do interior. Assim que me viu na calçada papai acelerou fortemente o DKV, e o barulho irritantemente espalhafatoso irritou as pessoas que por ali transitavam, assim como chamou a atenção de mamãe que, de onde estava e ao ouvir o barulho do escapamento furado saiu veio na direção do portão de entrada.. Não houve tempo para nada, nem para o meu beijo de boas vindas ou de despedida; Papai lépido como uma raposa acelerou mais duas ou três vezes e partiu rapidamente. Foi triste vê-la olhar o DKV se  distanciando às pressas em meio às fumaças, deixando entalado em sua garganta o lamento:

-Giacomelli, você tinha me prometido! Prometido! – Ela choramingava enquanto suas mãos acenavam em chamamentos como se elas pudessem fazê-lo voltar. Mais uma vez mamãe ficava sem o valor da pensão de alimentos.

Ficamos ali parados ali na porta de entrada tentando nos desfazer das perplexidades quando mamãe se abaixou e me abraçou como se há tempos não me visse. Com as faces umedecidas por seus beijos e lágrimas só nos restou ficarmos ali exalando um resto de fumaça e de óleo queimado. Assim que o carro de papai desapareceu no primeiro quarteirão entramos com as malas e as mochilas e depois voltamos para pegar  a minha bicicleta de marchas deixada por ele num canto do pequeno jardim

-Poxa Erico! Que bicicleta mais linda! Quantas marchas? – Ela perguntou ao reparar nas engrenagens  do disco. Aliás, nem seu sabia enatar as marchas, mas apenas que me fora dada por meus tios pelo Natal. Porém a curiosidade reluzia nos olhos de minha mãe como se houvesse a expectativa que eu falasse mais sobre a bicicleta:

-Ah manhê, num sei, ainda nem andei com ela, só sei que ar marchas são todas para frente! – Ela sorriu e persistiu olhando para os dentes da catraca e então me olhou  maternal e  protetora e eu pude sentir o calor dos seus olhos e sorrisos -

Entrei para dentro de casa e naquele instante  eu não pensava nos meus tios e nem em Izilda. Era como se estivesse num novo mundo e surpreendentemente eles houvessem se distanciado das lembranças e da minha realidade. Recordo que no decorrer da semana eu e mamãe andamos bastante à procura de vaga para mim nas escolas da região; Mamãe dava preferência escolas do Estado, pois segundo ela as do município não forneciam um ensinamento de qualidade. Para mim tanto faria uma ou outra, afinal eu sabia que me depararia com uma legião de garotos podres. Na semana seguinte depois de resolvida a questão escolar  os  meus antigos amigos das pútridas lagoas não tardaram a  me procurar.

-Dona Eulália, o Érico pode jogar bola com a gente? – Perguntaram para mamãe que estendia o tapete  ao gramado. Mamãe fez um sinal para que aguardassem e entrou em meu quarto. Eu ouvira a conversa e sinalizei para ela e com as mãos que não tinha intenção em sair. Mamãe retornou  e desculpando-se foi ter com eles:

-Ah, meninos, é pena, mas o Érico está estudando. Dito, foram embora.

Todavia e percebendo o quanto me distanciara deles, naquela mesma semana voltaram umas três ou quatro vezes para me ridicularizarem “Mariquinha, mariquinha, está estudando pra provinha!” Gritavam num cântico quase às rimas, e la no meio fio colocavam as mãos nos quadris, e persistiam provocando. Numa daquelas vezes mamãe os pegou na difamação “A Érica é um viadinho!” – Mamãe ficou possessa. Foi então que por trás da persiana eu pude perceber o quanto ela era leoa na defesa de sua cria. O corretivo nos malandros de pés descalços foi em regra.

Pensando naquilo descobri que não estava nem aí para o que achassem e nem para as suas gaiatices e brincadeiras sem graça –  Agora eu era um garoto de fino trato – Portanto achava imbecis as suas brincadeiras de "pular cavalinho", esconde-esconde, ou mesmo aquela frescura do "passa-anel". Eu me divertia de forma diferente, saudável, assim como numa certa vez ao visitar ao Parque de Exposição da Água Branca. E eu gostava de estar lá, e eu e Izilda levantávamos cedo aos domingos e pegávamos o ônibus e descíamos em frente. recordo também das atividades o seu interior, e quando não apresentavam rodeio ou alguma agro feira de negócios, aí sim nos era permitido brincarmos a valer. Então Izilda parecia uma criança  e talvez  recordasse o chão da sua roça ao  corrermos de um lado para outro ou jogarmos futebol na arena principal, ali  onde os peões laçam novilhos e cravam dolorosas esporas na santa ingenuidade dos animais. Porém nem sempre íamos ao Parque de Exposição, também frequentávamos o  complexo do Poliesportivo da Lapa, onde curtíamos mergulhos nas piscinas do município. Contudo, a organização nos obrigava apresentar as carteirinha de usuários. Feito, inspecionavam por detrás de nossas orelhas e nos mandavam abrir os vãos dos dedos à procura de frieiras. Se estivéssemos em ordem lá íamos nós e Izilda vestia o seu único maio de peça inteira numa cor amarelo-canário, e ela ficava gostosa, e eu logo desistia de olhá-la e bocejava ao sol ao dividir-me entre pernas e os floridos e  maiôs das lindas garotinhas que se bronzeavam no urbano sol paulistano.


Porém hoje eram só lembranças e não havia mais a companhia de Izilda e nem dos amigos do  parque de exposição ou das piscinas municipais. Não mais havia a água que sempre imaginei azulada e nem pernas bronzeadas e infantis  que me causavam certo inquietamento.  Portanto não seria difícil de imaginar que após o 3º mês de ostracismo e de solidão domiciliar me rendi aos velhos companheiros de brincadeiras idiotas nas ruas de pó.



Part. IX  -  1962 - Um ano de Copa da Mundo e complicações à vista


E me rendendo aos amigos de rua voltei a se o Erico Zambini de sempre,  terrível, destruidor nato, desses que deixam marcas dos pés no teto, que quebram todos enfeites de casa. Ainda mais porque era ano de Copa, 1962, no Chile,  e foi em uma dessas partidas da seleção canarinho que quebrei duas camas num único dia ao me supor o Gilmar dos Santos Neves, goleiro da seleção. E para mim não havia coisa mais fácil que quebrar camas, aliás, não contei, mas numa certa vez já  havia quebrado a cama de casal de minha tia Ernestina da mesma forma, ou seja, atirava a borracha escolar contra a parede do quarto e no seu  retorno atirava-se à ela num  espetacular voo direto à cama na tentativa de agarrá-la, e assim evitar o gol dos adversários. E agora voltava a acontecer em casa e num dia de euforia – Brasil x Espanha -  Naquele início de tarde e com a radio-vitrola ligada no último volume com a narração de Pedro Luis, muitas vezes evitei os gols da "Fúria" às custas das camas quebradas, minha e de mamãe. Evidente, depois de terminado o jogo e ao ouvir o ranger do portão se abrindo anunciando o retorno de mamãe do trabalho procurei me  esconder no quinta. Era bem provável que sentisse o peso da  fúria, não a espanhola, mas à dela. De onde estava vi ela abrir as janelas dos nossos quartos e momentos depois ela me chamou.  Ufa, respirei aliviado, já que o fato de não ter praguejado indicava que não estava tão brava ao ponto de me dar uma boa coça. Sai de lá ela e entrei de cabeça baixa em  casa e fui à sua presença - "Que bonito trabalho, né seo Erico/" - Ela exclamou num tom austero. Depois disso disso ficou falando, falando,e às vezes eu preferia apanhar que ouvi- la num falar interminável. No fim apenas um jogo de  pressão psicológica...Ah garoto, qualquer te pego....Ah se te pego..

Óbvio, mesmo diante da destruição vi nela um certo alívio, enfim, mão só dela mas da nação brasileira, pois também devem ter feito as mesmas defesas que fiz naquela vitória suada e de virada por 2 x 1.  E a sua feição ainda  se mantive serena  na hora do jantar quando comentou que ao voltar do trabalho acompanhou a branda comemoração dos torcedores com seus pequenos rádios de pilha grudados aos ouvidos (Era uma época de manifestações discretas, literalmente diferentes aos dias de hoje) Contudo e alguns jogos depois e aí com maior estardalhaço o Brasil se tornaria o bicampeão mundial nas terras de Pablo Neruda. E foi um título muito festejado e às custas principalmente de Amarildo e Garrincha,  aclamado como o deus da copa (Pelé esteve ausente ao se machucar  no segundo jogo da fase inicial).


Porém não foram somente coisas boas que aconteceram,  mas ruins também,  principalmente uma que estava percebendo, algo anômalo e que mudaria por completo o trajeto de nossas vidas: A saúde de mamãe. Talvez por conviver com a separação e a solidão entre 16  paredes, afora suas preocupações com outros problemas, talvez tenham sido os fatores que tornaram seu fardo demasiadamente pesado e a ponto de remetê-la numa terrível depressão. Nem a notícia da minha aprovação para o 3o ano a animou, e ela não mais queria sair de casa e se trancafiava em seu quarto por horas tantas que perdi a conta.  Mamãe se desinteressou pelas coisas de casa e nem a comida se animava em fazer. "Vamos viver de pensão, Erico. A dona Elvira é uma ótima cozinheira" - Ela comunicou - E assim diariamente eu saia pra buscar os nossos almoços com uma senhora que fornecia refeições para fora, ali mesmo ao fim da nossa rua. Pra falar a verdade eu não gostava de andar pelas calçadas com aquele pequeno conjunto de recipientes de alumínio, mesmo que de única peça. Portanto logo após a dona Elvira assentar a nossa comida no marmiteiro eu retornava rapidamente para casa torcendo para que as pessoas não repararem em mim.  Esses e outros acontecimentos preocupavam a tia Ernestina que, mais uma vez decidiu assumir o comando e resolver os problemas. Lembro que à época papai finalmente encontrara um ótimo emprego junto à gerência de distribuição de um dos maiores jornais locais.
E isso foi o suficiente para que tia Ernestina o pressionasse para  arcasse com parte das despesas do meu estudo num colégio salesiano e que mantinha um sistema de  internato.  Sim, Tia Ernestina queria o melhor para mim e  arcaria com a outra parte enquanto a minha mãe se recuperaria na grande casa de quatro dormitórios que o meu tio, marido de tia Ernestina tinha acaba do de comprar. Claro, foi o decreto ao fim do aluguel do apartamento, pois  a nova casa no Alto da Lapa mantinha amplas dependências de empregada, o que por si  só deixara Izilda bastante animada com a sua nova privacidade



Part. X –  Campinas aguarda  ansiosa o Número 35 -  (Colégio Interno no Liceu Salesiano)

Entrávamos no mês de fevereiro quando tudo ocorreu. E lá estava eu no banco traseiro de um semi novo DKV, desta vez um Fissore 62, em ótimo estado - Papai progredia a olhos vistos –  Com mamãe sentada no banco do passageiro rumávamos para o Liceu Salesiano em Campinas - À época mamãe tomava medicamentos fortíssimos e que lhe deixava entorpecida em grande parte do dia. Já não se via a mesma vivacidade em seus olhos negros e nem o sorriso meigo que deixava sua feição ainda mais bonita e serena. No porta-malas do carro  uma quantidade enorme dum enxoval  que faria parte da minha nova vida, agora no colégio interno.

Lembro que fiquei impressionado com a quantidade de coisas que haviam exigido; lençóis, fronhas, colchas, cobertores, toalhas de banho, de rosto outras dezenas de coisas de cunho pessoal.
Por mais que tentasse eu não compreendia perfeitamente o que estava ocorrendo, mas se mantinha vivo em minha memória o que  meu pai dissera:

-Érico, você irá para um colégio de bacana. La vai conviver com meninos legais e da sua idade -Comunicado, mostrou-me o prospecto do Liceu onde onde as fotos mostravam quadras de basquete, campos de futebol, um local onde eram exibidos filmes, além de outras dependências para recreação.

-Pai! Lá tem piscina? – Lembro de ter perguntado, afinal eu não a vira no folheto.  Ele permaneceu em silêncio, talvez tivesse achado impertinente a pergunta,  portanto concluí que para onde eu ia não havia  piscina.

Ao chegarmos à Campinas nos informamos como darmos no Liceu Nossa Senhora Auxiliadora. La chegando fomos recepcionados por um padre catequista; Padre Miguel era como o chamavam. Talvez, 50 anos, alto, calvo e garboso em sua negra batina. Eu gostei daquele seu olhar direto, desses que se fixam nos olhos – Ele me parecia  ser sincero -
Apresentações efetuadas ele sorriu educadamente ao nos levar para conhecer as dependências da instituição. Pátios imensos, campos de futebol e tudo mais o que meu pai havia mostrado estava lá. Depois nos encaminhou às dependências internas; refeitório, salas de estudo, de aula, e por fim,  os dormitórios.

Minha mãe nos seguia em passos lentos e compassados,  morta-viva que não mais sabia sorrir e nem falar, apenas olhava e olhava. Um olhar conformado de saber-se limitada, desses que tentam  enxergar aquilo que não se consegue ver. E essa sua expressão estava presente ao ganharmos o dormitório onde eu ficaria. Cerimoniosamente Padre Miguel nos levou à cama que seria de minha dormida, aliás,  ali havia camas para mais de 100 garotos e não unicamente a minha. Ao lado de cada leito a mesinha de cabeceira e nela  duas gaveta para que guardássemos pequenas coisas. Do outro lado da cama,  em imbuia o pequeno armário de duas portas seria o lugar para acomodarmos parte de nosso enxoval e roupa pessoal ( outra parte ficava guardada num depósito fechado, embalada e com o número de identificação do aluno)  De certa forma a visão me era aterradora, como se aquilo fosse um cemitério de armários e leitos  -   Mamãe arrumou e fez a minha cama forrando-a com um lençol bege. Olhei para os outros leitos  e o branco me pareceu ser excelência estabelecida, já que todas elas portavam colchas  alvas. O padre continuou conversando animadamente  com meu pai enquanto mamãe organizava as  minhas coisas no armário.

Por último ela estendeu a colcha de cambraia de alvura tanta que chegava a doer nos olhos. Pela primeira vez eu percebi que um filho de Deus tinha número, e esse era o 35.  Sim, era  exatamente o número 35 que comprovaria a minha existência naquele universo de outros números –   Lembro dele grafando minhas coisas, um número bonito e vermelho, bordado em alto relevo em cada peça do enxoval, inclusive nas roupas de uso pessoal e para evitar trocas quando nossas roupas estivessem na lavanderia do colégio.

Repentinamente me senti invadido de uma tristeza que não sabia de onde viera : Será que fora ali na imensidão dos pátios, nos campos de futebol ou nos leitos do dormitório?
E essa estranha sensação  me apavorava. O meu olhar abandonou o ar da novidade e se instalou ansioso. Eu ainda não sabia lidar com as situações, ainda mais com emoções pelas quais  passaria no decorrer da próxima meia hora. Tudo inspecionado e meu pai pareceu impressionado com o que viu. Mamãe apenas o seguia sem nada falar. Não havia palavras, gestos,  apenas um seu olhar que olhava o nada.
Terminada a visitação  chegou um dos instantes mais dolorosos da minha vida -  A separação - Era a primeira vez na vida que ficaria longe de alguém da família.  E foi  diante o imenso portal de entrada que o padre catequista nos concedeu pouco mais de  10 minutos para as nossas despedidas.
Meu pai sorriu e me abraçou diversas vezes - E ele não pareceu triste ou incomodado –
Por fim ele me beijou o rosto e orientou  fosse um bom menino e que aproveitasse bastante a oportunidade que tinha. Talvez papai fosse o lado racional das coisas, principalmente na relação com mamãe, e ele estava exultante, afinal o seu filho estudaria num dos melhores colégios do Brasil.

Porém com mamãe foi diferente; Era como se ela houvesse voltado dum obscuro coma. Então cravou o seu olhar descolorido em mim e  de forma tão selvagem que me senti a cria sendo devorada pelo criador.  Eu soube naquele momento que seus  olhos negros estavam separando de de mim ao se tornarem progressivamente opacos. Ela sabia que seus olhos não mais acompanhariam as minhas artes, meus machucados e nem os  ataques à geladeira quando de nossas noites de insônia e de um último filme na TV. Mamãe era apenas a onça que namorava um filhote quando silenciosamente se deu a despedida. Então ela me  beijou  insanamente, e os seus beijos misturados às lágrimas me  atingiam locais onde eu nunca fora tocado,  lábios, orelhas, queixo, nariz, cabelos. E como se tomada duma mesma paixão ao primeiro amor persistia me beijando, murmurando: ‘Filho, te amo. Você é a minha vida. Quando eu estiver bem virei te buscar’ - Me segredava num tom de promessa. Papai percebendo a dramaticidade do ato conseguiu apartá-la de mim enquanto se esforçava para levá-la pelo braço - Era mais que passada  a hora de retornarem  à São Paulo –
Mamãe nada pode fazer, e sem forças, apenas se deixou levar, pois sabia que não era o momento de argumentos ao seguir .à direção onde o carro estava estacionado. E ela caminhava  à passos trôpegos e voltava a cabeça para trás como querendo me eximir daquela dor que sentia, a dor que só eu sabia.  Porém, entorpecida em tantos  e poderosos remédios apenas se rendeu e não colocou mais obstáculos

Acomodados dentro do carro, o meu pai  deu a partida e circundou o obelisco à frente do portal. Ao passarem por mim ele me fez um sinal com o polegar voltado para cima. Ainda me restou um tempo de olhar para a minha mãe  e perceber que ela se mantinha impassível.  Jamais  vou  esquecer do seu último olhar como se eu fosse o seu amor em uma foto que jamais fosse amarelar.
Com a partida dada o Fissore 62  deu uma pequena tossida e seguiu  adiante sem engasgar, esfumaçar,  sem ao menos chorar.  Apenas seguiu a sua trajetória em linha reta, pneus comendo asfalto e sem olhar para o que ficou.
Olhei-os ainda pelo vidro traseiro até  que me vi esquecido  das cores das roupas que usavam.
Foi a última vez que os vi por aqueles próximos dois meses.



Part.  XI  - A vida no Liceu


E a minha nova vida no Liceu seguiu em frente.

Porém não estava acostumado à excelência e nem às  austeridades dum sistema rígido e  assemelhado as dos quartéis onde talvez  a única exceção fosse a negra batina ao lugar das insígnias e do uniforme verde oliva..
Entretanto ali aprendi muitas coisas e um pouco de tudo, assim como o latim (o rezado nas missas)
E a sonoridade acentuava aos finais "um e  ium" -  trazia  problema tanto quanto aos meus infantis joelhos que se condoíam  às 7 horas de todas as manhãs ao enfrentarem uma missa jamais inferior aos 80 minutos.
Consequentemente as rótulas queimavam, pois mais de 3/4 do tempo era consumido com os alunos ajoelhados, inclusive à hora do sermão. Um pouco mais tarde e a Igreja Católica percebendo que o ato  sugeria a imolação determinou um maior tempo sentado, o que fatalmente alegrou as nádegas de milhões de fiéis.

Ali também ele me tornei coroinha num processo seletivo; os melhores alunos se tornavam os escolhidos, e o quê para os padres se traduzia merecimento, para os alunos, evidente, um alívio, pois era a certeza  de ouvirem o sermão sentados, mesmo que num desconfortável banco de madeira de três lugares (Éramos em dois e sempre sobrava o terceiro assento)

Foi lá também que pela primeira senti vontade de roubar. Sim, leram corretamente; Roubar. Não, não se trata de dinheiro, tênis do armário do amiguinho, ou lesar algum garoto na contagem dos pontos numa partida de ping pong ou de pebolim. O que me corroía era a obsessiva intenção de profanar o vinho do padre, talvez até induzido pelas tentações dum demônio que vez ou outra dava as caras.
E o vinho esteve em minhas mãos assim como um jarro de vidro imitando o cristal mantido e distante de outros  ávidos olhares. E a verdade é que fascinado com a peça e o líquido encarnado tive  intenção de emborcar um longo gole, mas repentinamente me senti vigiado como se olhos pudessem estar vendo além de  minha alma. Assustado olhei para todos os lados e  não havia a presença humana, portanto aqueles olhos só poderiam ser de Deus, a quem nada escapa. Hoje e bem mais velho e experiente confesso-me sem medo das retaliações religiosas  que, se aquele o vinho fosse da Universal do Reino de Deus teria bebido, me embriagado,  sem medo do inferno, do diabo, descrente de estar lesando a propriedade privada de Deus.



Part.  XII  - Curiosidades de colégio - Hóstias & Margarinas & O grande "Toureiro"


Porém o mesmo do abatimento moral à intenção de profanar o vinho jamais ocorreu com as sagradas  hóstias. E talvez assim tenha sido pela descoberta que elas eram fabricadas por uma grande panificadora local. Sim, estava ali no rótulo das embalagens. A princípio foi choque para os meus olhos cristãos, não havia nada de sagrado ali, e o o apropriar-me de algumas unidades provavelmente não constituiria  sacrilégio, afinal não era o manah ofertado pelos céus, e sim mercadorias como outras quaisquer, tais quais as latas de sardinhas ou  os pacotes de salsichas que ferviam para que  comêssemos com pãezinhos no café da manhã. E relembro das tantas vezes que fui incumbido de buscar as hóstias e à bordo de uma sacola de lona e tratar do resgate com o cozinheiro chefe ( sim, somente chefe tinha autorização de entregá-las) Por vezes eu  o procurei pela imensa cozinha e o achei por entre  fogões enormes e panelas tão altas que certamente  mais da metade da minha estatura. E então retornava com as hóstias adormecidas em sacos plásticos transparentes e onde  talvez coubessem 300 ou 400 unidades em cada, nunca soube ao certo. E ao sair da cozinha o furto se dava ante a fragilidade de um pequeno fio de  de arame encapado que lacrava as embalagens e das quais retirava 10 ou 15 unidades   e ainda mais porque o Padre Conselheiro jamais daria pela falta. Contravenção confirmada  as escondia num lenço e as colocava dentro do armário, afinal era muito bom comê-las com margarina Claybom  (Sim, aqui duas confissões; a margarina também era objeto dos meus lépidos cinco dedos, assim como jamais degustei a verdadeira manteiga à mesa do café). Entretanto todo delito deixa vestígio e cobra um preço, e assim fui obrigado a dividir com o  vizinho de cama (Waltinho) o lucro das minhas trapaças, já que este me pegou com a boca na botija, melhor dizendo, com a boca nas hóstias. Ele jamais vou me esquecer que a chantagem ocorreu numa tarde violenta  tempestade e de obrigatório confinamento nos dormitórios.

É bom que se diga; Nesse colégio aprendi coisas fantásticas além do latim das missas diárias, a educação e o gosto de estudar com afinco. Sim, ali  aprendi a jamais ser um dedo-duro e entregar um amigo, fosse qual fosse o preço. Lembro também das ocasiões em que ficava de castigo com os braços voltados para trás e com as mãos tocando uma das colunas do pátio por não dedurar a arte de um companheiro. Claro, os padres jamais acreditariam em evasivas do tipo  "não sei, não vi, não estava  aqui" respostas  que indicavam a lealdade com os outros. Hoje  recordo-me do fato e sorrio. Sim, havia ali  um   código de honra mantido entre os bons garotos da divisão dos MENORES ( entre 7 e 10 anos) e os que assim não procediam não tinham para si o respeito e a consideração  dos demais, e era bem provável que  nem Deus visse os alcaguetas com olhos de benevolência.
Ali tomei ciência de  outras coisas importantes , mas que uma fulminante  paixão aos 17 (nove anos mais tarde)  me fez abortar; O meu sonho em ser um  famoso jogador de futebol.  Sim! No Liceu ele aprendi  a ser um ótimo centroavante, o dono da camisa nove (dum tempo onde a camisa 7 era do ponta direita e o 11 esquerda)

E a maior parte dos créditos por ter sido um bom rompedor de área se deve ao Padre Catequista, já que, sábio  ensinava  “Garoto, jamais abandone a marca do pênalti. Jamais!”  E assim foi que aprendi, aliás, o "Toureiro" aprendeu (apelido que me deram pelo fato de tourear os beques adversários com dribles) Assimilei a lição ministrada pelo técnico, e apesar dos meus excessivos "impedimentos" fui artilheiro de nossa divisão por dois anos consecutivos. “Olé, olé, dá-lhe Toureiro!” Incentivam-me os "menores" e eles vibravam com meus gols diante dos times visitantes. Sim, me recordo que o Externato São José vez ou outra aparecia para a disputa de algum jogo ou torneio.
Bem...aconteceram muitas coisas nesse Liceu, mas que provavelmente serão contadas mais tarde.


Part.  XIII  -  Adeus Campinas! E revolução aguarda em São Paulo

O importante é que aos 11 anos sai do Salesiano (numa difícil situação monetária dos pais) e ganhei o mundo e um quarto só pra mim no apartamento alugado por minha mãe. Sim! Agora havia a intimidade,  aliás, não somente para mim, mas também para meus dois ou três discos duns jovens cabeludos que,  ganhando o mundo estouravam no Brasil; os Beatles. Já ouviram falar deles?  Porém o meu universo não era restrito aos quatro de Liverpool, mas também às pernas de Vanderleia e às tardes de domingo na Jovem Guarda, além do enorme pôster do meu Santos Futebol Clube com Pelé em feição de realeza ( Sim! Ele podia...ele era o Rei) E foi nesse ano de 1965 que cursei  o “Admissão” no Colégio São Paulo - O que era "Admissão? -  Admissão era um período intermediário e obrigatório entre o fim do curso primário e a primeira série do ginásio.

E o jovenzinho estando em São Paulo finquei  base e cursou o ginasial nesse mesmo colégio, privado, num bairro conhecido por Belenzinho.  Além dos mais, era uma escola de igreja católica e sua paróquia levava o mesmo nome. Inclusive por lá  e à época havia um grêmio recreativo para os alunos que se sobressaíssem no futebol (O Brasil da época era unicamente o país do futebol. Havia o basquete, mas poucos se importavam com ele) Bem, o fato é que me transformei  num dos bambambãs da sua classe, e não por ser metido ou gostoso, não, mas simplesmente  por ser bom no futebol e ótimo no aproveitamento dos estudo, já que a bagagem trazida do Liceu era tão infinitamente superior que, até à 2ª série do ginásio deparei-me com matérias que anteriormente passara os olhos.


Mas não era pelo estudo que ansiava, não, não era, queria ir mais além, queria aquilo que de pouco me deram até então; a liberdade. Agora nada de missas,  cabelos de corte americano,  bermudas escolares ou os ensinamentos religiosos. E minha mudança era tão incontestável que mais nada pedia em minhas orações  para o  antigo ídolo São João Batista. E com o afastamento da religião inerente foi  distanciar-se da fé e daquela que fora a maior das minhas  incertezas; Maria Madalena.  E isso porque desde os tempos do Liceu carreguei um  pressentimento que havia algo de estranho com aquela história do apedrejamento - "Quem não tiver pecados que atire a primeira pedra"  Recordam-se? Porém eu era outro e me excitava com as mundanices dos garotos de rua e à ponto de não sentir qualquer culpa  ao folhear num certo dia  um catecismo, revista que não tratava das coisas religiosas, mas  sim de quadrinhos com desenhos e histórias pornográficas. Era evidente e finalmente o Diabo havia triunfado ao usar um colega de classe  para levar-me a devassidão para minha vida e outros incautos amigos de classe.

Uau! Aquilo sim que era liberdade! Eu queria voar, ser também o dono de uma fração do mundo, e deixei o cabelo crescer e a franja cair sobre os olhos assim como faziam os garotos europeus. Eu era outro agora, descolado, mesmo que ainda curtindo as pernas e os verdes olhos de Valdirene na Jovem Guarda (aquela do: Sou a garota papo firme que o Roberto falou)  Porém o programa começava me parecer algo exclusivo para garotinhas histéricas e me irritavam seus gritinhos aos moldes de "Aii Roberto lindo ou, Erasmo, você é um pão!" E  então me tornei seletivo e esqueci a Jovem Guarda e à medida que meus cabelos cresciam queria que me vissem  como um autêntico "beatle" uma réplica, talvez um Paul McCartney tupiniquim  à ponto de atormentar a minha mãe até ganhar o meu par de botas negras. E era com elas que me sentava às escadarias da paróquia e tentava impressionar às meninas à saída do turno da manhã. E insistia em cantar  ao meu jeito a "A hard   Days Night" estrondoso sucesso beatle cantado pelos jovens nos quatro cantos do planeta. Algumas simplesmente nem se davam conta da minha existência, outras passavam tão próximas  que podiam ouvir meus estralos de dedos marcando o compasso nos trechos da minha desafinada cantoria  "Itis bim â rard dêis náite"  Era o que eu dizia num idioma que nem mesmo sabia. E elas apenas riam e a vida se mostrava cada vez mais interessante e cheia de coisas por conquistar, e isso me fazia andar pelas ruas, liberto, e não mais em caminhos obrigatórios como me foram impostos dentro dos muros do Liceu.




Part.  XIV  - A mestra Eunice, o futebolista, a herança católica & temor a Deus

E essa nova atmosfera me excitava e os garotos do colégio São Paulo incitavam e por  lá as coisas aconteciam e estavam acontecendo sempre, inexplicáveis e até explicáveis  como no fato das grossas coxas e  o bumbum avantajado de dona Eunice, a minha professora de religião.  Quanta ironia! Justamente uma professora temente a  Deus teria que ter uma bunda daquela? E o par de nádegas me colocou à prova e foi por culpa da dupla (apesar dela jamais saber) que ele aprendi a me masturbar. Lembro-me que aquilo se iniciou com o meu amigo Desidério, dois anos mais velho. Parece que ainda consigo ouvi lo: “Faça assim com o teu pau; Pra frente, pra trás, pra frente, pra trás e  bastante rápido que vai te dar um treco gostoso e logo aquela coisa vem” - Ele explicou. Recordo-me que achei confuso e então lhe perguntei : “A coisa que vem é aquela coisa branca?” - Lógico, mais que nunca tinha que mostrar pra ele que eu era um cara descolado e que poderia saber das coisas. Claro, eu folheava até  catecismos!  O amigo me olhou maroto, e sabendo que estava diante dum babaca respondeu na lata  - “Que coisinha branca, xará? Aquilo é porra! Ta me entendendo? Aquilo se chama porra, seo bosta!”

Bem, com a explicação na cabeça e o tesão nas pontas dos dedos lá fui para nova experiência, afinal, antes da descoberta da masturbação acreditava que  a curtição fosse apenas a ficar folheando as tais revistinhas para ficar de pau duro, assim como  ficava  às noites que me relembrava das saias justíssimas da professora de religião. Porém foram necessárias algumas sessões para aprender os macetes da masturbação, já que nas primeiras delas o Junior (apelido que dei ao meu pênis) ficava ereto, dolorido e nada mais.  Recordo que tentando e não havendo bom aproveitamento voltei ao amigo Desidério e esse persistiu me incentivando - “Tem que insistir,  cara! Pressão na mão e pra frente, pra trás, sem parar” –  Por fim e por sua feição de quem me achava um perfeito babaca me perguntou se estava fazendo de forma que me ensinara. Não  querendo parecer-lhe demasiadamente idiota respondi - “Claro! Pra frente e pra trás, tipo iô iô, vai e vem” –  O amigo Desidério o olhou e riu  -  “É isso aí cara, tipo iô iô! Pressão na mão e tu vai ver que é mais fácil que cantar  "A hard   Days Night" Acredite,  é só uma questão de jeito da munheca ” - Recordo que ouvi atentamente o Desidério e que naquele dia teria dado tudo para ser ele, afinal, além de ser um cabra bom de punheta era hiper ligado no inglês e sabia falar "Itis bim â rard dêis náite"  como ninguém.

O certo é que as nádegas da professora Eunice continuavam mexendo comigo e o "Pra frente, pra trás" ainda não vingara até que pela 7ª ou 8ª vez  aconteceu e subiu pelo meu corpo um calor tão intenso e uma sensação tão inexplicável que pensei ter descoberto algo melhor que os discos dos Beatles. Depois do calor algo jorrou quente e tão prazeroso que  acabei por me viciar naquilo. Aliás, vícios estavam se tornando a minha especialidade, e não raras vezes pedia dinheiro para minha  mãe, mas não eram  os sonhos ou tortinha de morango que eu comprava na padaria, ao contrário, atravessava a rua e ia adquirir alguns cigarros soltos do  Consul mentolado -  Ah, era um sacana aquele Qui, o dono do bar. Para minha sorte dona Eunice jamais soube dos cigarros e nem das minhas "tocadas" para ela, pois aí ela me ferraria,certamente. Porém hoje, decorrido um pouco menos de meio século presto loas e me recordo perfeitamente de cada detalhe da feição de dona Eunice, além do seu glorioso traseiro, óbvio. E é justo que me lembre, afinal  foi a mulher das minhas primeiras sensações, e como dizem; A primeira mulher jamais se esquece.

Enfim, retornando àquele tempo, e no decorrer daquele ano acabei por se tornar um bróder da hora, enturmado e cheio das nove horas. E como era bom de bola fui arregimentado para a Cruzada do Colégio São Paulo, o grêmio esportivo que funcionava no subsolo da própria Paróquia. Lembro que na sede havia jogos como o de pebolim, ping pong,  botões, dominó, mini bilhar e até o Banco Imobiliário, e tudo para manter unidos os melhores jogadores das duas classes de Admissão existentes.  Claro, jogamos muito, pois oficialmente  havia um único time no colégio, justamente o da nossa  faixa etária  dos 11 e 12  tendo à vista o torneio de futebol de slão mais importante do ano no Salão da Criança ( Pavilhão do Ibirapuera) Nesse intervalo o time treinou muito e participou de alguns torneios e foi bem em alguns, apesar de não ganhar qualquer deles. E me perguntava: “Será que Deus não está do nosso lado?” – Nunca obtive a resposta, pois provavelmente Deus estava muito ocupado para tão pequenas desimportâncias. E a falta da resposta  me fez criar a sensação que estava sendo punido, castigado pelos meus pecados, principalmente àqueles que homenageavam a querida mestra. E tanto acreditei que poderia ser o desagravo de Deus que jamais comentei o fato com os meninos do time, ´principalmente à época do Salão da Criança, afinal, nos dois anos que participei fomos desclassificado próximos às quartas de finais, portanto e fatalmente se houvesse confessado, seria por todos responsabilizado.

À época pensei bastante em toda aquela situação e  me dividia entre a religião, que sentia me fugir da alma  e o futebol e os Beatles e às saias cada vez mais curtas das meninas do período matinal.  Logo e por conseguinte  se existisse algum Deus, sabia que ele não seria injusto, e talvez a maior das verdades fosse que o melhor time seria o vencedor do Salão da Criança, portanto não éramos nós.  Injusto ou não o fato é que vez por outra voltava a me sentir culpado por meus atos, e tinha pesadelos e neles os dedos, esquerdo e direito apontavam-me cruéis e acusadores, como se me falassem; Seu devasso, deixe a rabo da professora em paz - Eu acordava sobressaltado do maldito pesadelo que permitia que os dedos falassem, e eles se repetiram   duas, três vezes muitas vezes e novamente me preocupei com a opinião de Deus, talvez o Todo Poderoso se chateasse com a perversão dos meus atos,  ainda mais com uma de suas servas. Temeroso tentei deixar de lado a dona Eunice e me foquei em outras professoras, bonitas até, mas não havia o mesmo efeito, o mesmo encanto, e outra;  dona Eunice era insubstituível.
E assim foi que permaneci por todo tempo  naquela escola e sem jamais me livrar do estupendo traseiro da  professora de religião. E quem sabe ela não me esperasse crescer para nos casarmos? Sim! ela era solteira!
Que Deus me perdoasse!




Copirraiti20Dez2012
Véio China©


A vigarice e o efeito dominó

Eu estava cercado de vigaristas.
Parecia que minha vida toda fora forjada para dar guarida a esse tipo marginal que gruda na gente feito sanguessugas iguais a esses que trapaceiam em esquinas com formas de empadinhas e bolinhas por debaixo delas. "Cambada de patifes vagabundos!" - Vociferei aos quatro ventos ao entrar pelo portão. Assim que atravessei a porta da sala fui interpelado por Matilde, minha empregada de talvez uns 45 ou 46 anos, mas que ainda dava uma bela meia sola. Ela estava comigo há quase dois anos e viera  indicada por um seu parente dela, meu cliente, vinda do seu Rio Grande do Sul após o falecimento do marido num lugarejo à leste do estado. E eu adorava aquele seu linguajar sulino, cantado, quase que exclusivamente voltado à segunda pessoa verbal, singular, plural, mesmo que por vezes confundisse. Porém logo notávamos que Matilde tinha no mínino o curso ginasial completo além de uma memória fantástica.

- Senhor China, na tua ausência um senhor esteve te procurando.

-Foi mesmo? E o que ele queria Matilde?

-Bah! Era um sujeito aporreado e antes que eu perguntasse qualquer coisa foi logo se apresentando: Moça sou oficial de justiça!

-É? E você, o que respondeu?

-Ora, patrão! Eu disse apenas que era a serviçal da casa e que estavas ausente.

-Poxa! E ele?

-Barbaridade senhor China! O homem parecia um bagual e respondeu-me assim: (Matilde pegou o jornal que estava em cima da cômoda e o gesticulou no ar como se esbofeteando o espaço)
“Minha senhora, diga a esse senhor, a essa pústula, que ando com o saco escrotal inchado de tanto correr atrás de larápios tais quais a ele” -  Ao terminar, Matilde ainda mantinha o punho cerrado no vento. Tive vontade de rir, porém s seriedade do momento dizia não ser a melhor hora.

-Ô merda! – Resmunguei sugerindo aflição. Afinal, a verdade do fato e que me deixava furioso além dos eruditos de plantão era oficial de justiça metido a literato.

-Ah, senhor China, o azucrinado também deixou isso aqui  – Concluiu ao me entregar um cartãozinho de visita.

Olhei para as  letras douradas na negritude do pequeno cartão, e ali em garranchos góticos, li - Ruy Machado Alves Barbosa de Castro –  Abaixo do seu nome  o termo "Oficial de Justiça"  se gravava numa tonalidade mais forte.
Reparei também que ao lado esquerdo do cartãozinho constava o número do telefone fixo e celular, o que me fez rir, pois relendo-o  observei que o indivíduo não portava apenas a funcionalidade da sua arrogância, mas também o compêndio dos sobrenomes das mais cultas cabeças da literatura nacional.

-Bem, e se o guapo  voltar e não estiveres, que digo ao apotrado, senhor China? – Ela questionou enquanto o meu olhar divertido abandonava o reluzente cartão plastificado.

- Ara Matilde! Diga simplesmente o seguinte para o almofadinha babaca: O senhor China mandou dizer apenas que: Piperácea no ânus de outrem é líquido insípido gaseificado

Os olhos de Matilde se arregalaram – Capaz! Que diabos pretendeste dizer com isso, senhor China? – Ela pergunta perplexa. Talvez eu exagerasse na dose

-Ah! Nada não, Matilde! Esquece!


Copirraiti 2009Mar
Veio China ©



sexta-feira, 11 de junho de 2010

De Las Vegas à Madrid.

Las Vegas, cassinos, o The Bellagio o mais famoso deles. Sábado à noite, sorte, muita sorte. A roleta gira  magnetizada por sua presença,  pelo bafejo morno que   abandona a sua boca para que esquente as mãos.

A noite persiste gélida, porém,  há a sorte, muita sorte para aquele sábado. Ao seu lado, como se fosse Marilyn Monroe,  a vadia  dos três últimos anos dependura-se  em seu pescoço e lhe  mordisca a orelha. Seus cabelos  platinados mergulham numa das  metades do rosto enquanto a   língua de  mil lambidas tenta sorver as últimas gotas do dry martini umificado nos os lábios dele.

A roleta gira, frenética, e a platéia delira. Mais um jogo ganhador?  Simplesmente ainda não há como  saber.

- Tudo no vermelho 7, seco! – Ele dita para o homem da banca  –

Seco, significa  que se a jogada for vencedora pagará  um prêmio  na proporção de  35 dólares para cada dólar apostado. São trinta e cinco chances contra a  misericórdia de uma única a seu favor. Apesar de  menor o  risco ele evita um Split de 17 x 1 como nas vezes anteriores -

Ele se recorda que ao amanhecer olhou pela janela do quarto de hotel e vislumbrou  um esplendoroso tapete de gramas verdes seguindo ao pé da colina até derramar-se  no topo com o azul do céu.
Levantou o olhar e o sol cintilava magnânino e turvava suas vistas. Apesar disto sentiu-se sereno. Repentinamente  pareceu ouvir sussurros vindos de algum lugar e eles pareciam dizer: "É o seu dia, cara! Hoje é seu grande dia!" - Debruçou-se sobre o peitoril e inspecionou a janela do quarto ao lado. Nada. Voltou para o interior  e nada viu ou ouviu que não fosse  Jannie ressonando pesadamente por debaixo dos lencóis. "Devo estar ficando louco" - admitiu.

O ocorrido na parte da manhã lhe perseguira por todo o dia.  Agora  lá está ele no Bellagio, às quase duas  da madrugada com um pouco menos de meio milhão de dólares  no bolso  - O delírio não  mentira. Era o seu dia de sorte -
Olhou para as fichas que se debruçavam sobre a banca e flertou novamente a roleta.

-Hoje, nada me detém! Vamos homem! Ouviu o que eu disse? Todas as fichas no vermelho 7!

Murmúrios de surpresa ecoam próximos. Indiferentes, alguns persistem nas  mesas de carteado e nas máquinas de caça níqueis, onde,  fracassados,  punemente perdem seus valores.

-Gira Roda! Gira! – Gritam os covardes que não teriam culhões para uma aposta deste tipo.

Jannie rebolando a mágica bunda e esfrega-se na calça do amante postado atrás de si. Ele, devasso, desce a mão pela curvatura do seu rabo e  lhe dá duas palmadinha.
Fichas de todas as cores contrastam com a tonalidade verde musgo do veludo – Matar ou morrer – Diz para si ao ver a roleta em ação - Roda! Roda – Gritam os que torcem contra ou pró.
Alguns segundos e a física prevalece e a roleta perde a força. Mais outros e os giros se tornam lentos, quase inertes  - 36, 1, 2, 3, 4, 5, 6 – A bolinha pulula de casa em casa como se carregasse brasas nos sapatos. Indecisa, ela ameaça não invadir  a  casa do vermelho 7 porém.  Na dúvida,  não resiste e invade.

- Ganhei! – O apostador explode num grito - Ganhei! - Repete flexionando os braços num vai e vem como se estivesse copulando.

Vencedoras, as fichas o encaram e parecem lhe dizer:  É tudo teu, papai!  13 milhões de dólares! É o topo do mundo!

Surreal, ele ainda não crê quando abraça a centena de peças coloridas  - Alguem seria capaz de prever 10 mil   transformando-se em 13 milhões de dólares? –  Jamais! Somente ele e as mais de três horas em que permaneceu com o olhar devotado para aquela roleta  - Decerto, Cristo não teria feito melhor mesmo que  multiplicasse um milhão de pães – Concluiu descomedido.

Ao lado a insana Jannie emitia gritos estridente, horríveis, e que inexplicavelmente terminavam graves, seguidos de uma espécie de quizo, como se cascavel pronta para dar o bote. E ela,  depravada, já não se importava com  as atitudes ou com algum bom senso, tanto que no meio daquela gente  roçou-se com mais vigor no seu homem. Não contente, vigorosamente apertou-lhe as bolas do saco.
Ele sentiu  a  pressão dos dedos e gemeu com alguma dor; “aiii, putinha”  - Queixou-se cafajeste.
Ela o olhou com desdem e gargalhou, alto – Afinal, com essa grana, etiqueta pra que?

A poucos metros dali uma bela mulher o olhava fixamente. Ela flertava o alinho do seu  smoking e com as abotuaduras de ouro 18,  cravejadas de duas esmeraldas triangulares  – Mais que nunca ele lhe  pareceu uma divindade –
Contudo, de costas, ele não a percebeu.
A moça dos lindos olhos negros, um tanto  ansiosa  lançou o olhar na direção da própria mão esquerda e se certificou se ainda ela encontrava-se  la. Sim, estava la a aliança de brilhantes que a pouco menos de dois meses o seu deus havia a presenteado pelo quinto aniversário de casamento.   Se tratava de uma peça de valor relativo, mas o importante não era exatamente o seu valor e sim um casamento de cinco anos que ela julgava ser feliz - Mero engano, não era. Outro angano;  Outro engano; estava em viagem de negócios. E finalmente o pior deles; não sabia de Jannie.

Portanto, assim que seus olhos negros  voltaram à  realidade  se confundiram com coloração daquele smoking, vindos impregnados de um brilho inusual, misterioso –
Calmamente ela retira alguma coisa de sua bolsa de pouco mais de 100 dólares. Algo reluzunte a prateado  desafia o espaço e o estampido ecooa, obrigando algumas pessoas se atirarem ao chão. O projétil vara o espaço e penetra  por trás, no meio de sua cabeça. -  Para ele não haveria perigo  algum se aquele calibre 22 estivesse  a  uma distância  relativamente maior, porém ele permanecia tão próximo, tão à mão...
O impacto o fez desabar. No chão,   o seu refinado smoking  era tomado e tingido  por um líquido rubro,  viscoso,  que, escorrendo pela nuca desbrava um trajeto no chão. - O tiro  fora certeiro e mortal –
Apaixonada ela o olhou estirado ao chão. Ela admirava seus cabelos grisalhos e o ar feudal daquele homem bonito. Diante de olhares atônitos ela circuncou o seu corpo; agora ele mais se assemelhava a  um toureiro golpeado de morte por touro de Mourão.

Jannie, deparavada,  permaneceu gritando, guizando até o derradeiro suspiro do homem.

A banca havia sido quebrada.