domingo, 31 de outubro de 2010

Ainda sobre o Bar do Escritor e janelas do Metro

Quarta-feira, dez dias haviam se passado do episódio com o rapaz do metro. E eu, fanático por esse tipo de transporte lá estava novamente. Um sol abrasivo e desumano latejava lá fora porém sem que me desse aos calores daquela tarde insana; eu permanecia sentava no fresco de um banco de metro que me deixaria na Estação Sé. O trem seguia viagem e vagão não se lotara completamente , afinal, 15 horas ainda não se traduzia em  horário de pico. Eu o pegara nas Clínicas. Chegando à estação Consolação, vi embarcar na composição alguém muito semelhante ao Allan, um dos poetas da comunidade. Claro, até então eu não tinha tido o prazer de conhecê-lo pessoalmente, mas o ar feudal que revestia aquele ser de calça jeans e camiseta negra, juntamente com seus longos cabelos faziam-no muito semelhante ao sujeito do avatar do Orkut. Entrando no vagão sentou-se à minha frente e estirou-se no banco e olhou em volta e depois na minha direção. Ao fixar os olhos em mim pareceu surpreso.

-Opa! Será que o senhor é quem eu estou pensando ? - Disse-me. Ali eu tive a plena certeza que era ele; Provavelmente deve ter acontecido com ele o mesmo que comigo.

-Já sei já sei o que está pensando! - Respondi - Sou ele mesmo, meu bom amigo Allan! O velho fanático por metro.  O próprio, Véio China, pelancas e ossos.

Ele sorriu marrom num tom abaixo do castanho dos seus olhos. Em seguida levantou-se do assento e veio sentar-se ao meu lado. Permanecemos em silêncio por alguns instantes até que puxou conversa:

-Véio, a coincidência de estarmos aqui ta me fazendo lembrar daquela sua insana conversa  com aquele tal de Hortênsia.

-Ah, Allan! Apenas conversas de metrô! - Sorri e continuei a olhando para a escuridão através da minha  janela. Um pouco mais e entraríamos na próxima estação.

-Poxa, China, que cara filho da puta aquele, heim! – Exclamou num tom de desagrado enquanto meneava a cabeça, negativamente.

-Está falando do Quimera? - Perguntei. Claro, eu estava dando uma de joão sem braço.

-Sim! Ele mesmo! Quimera, Hortênsio, Primavera, é tudo a mesma merda! Não é verdade, China?

-Hum..,acho que sim! Fedeu, é bosta! Mas... na verdade; aquele sujeito era um grandíssíssimo dum filho da puta! – Acabei concordando.

Allan silenciou-se. Porém algo parecia o incomodar.

-Véio, será que o destemperado se reportava a mim quando se referiu ao tal Clube do Gamão?

-Como vou saber, Allan? Talvez sim, talvez não. Nunca se sabe – Retorqui –

Ele pareceu-me  incomodado com a minha resposta. Novamente caiu em profundo silêncio. Eu podia sentir os seus miolos torrando à procura de algo que fizesse sentido; Eu tinha esse dom de pressentir  quando pessoas inteligentes pensavam. E mais anda; Essas pessoas costumavam, depois de concatenadas, disparar flechas certeiras.

-Pois é, Véio.  Esse sujeito é um cara tão sacana que provavelmentose também deva ter incluído você no núcleo de pessoas que ele considera compadres, puxa-sacos, e congêneres! Um grande sacana!- Procurou responder num ar de aparente  despretensiosidade e com o olhar fixo na minha janela. Parecia que estávamos num jogo de xadrez; ele avançava a sua poderosa Rainha contra o meu Cavalo.

-É! É bem provável que estejas certo, Allan! – Para mim não havia outra saída se não assimilar o movimento e tentar livrar meu nobre quadrúpede. Novamente nos mantínhamos em silêncio quando eu arrisquei uma jogada arriscada; eu tentaria pegá-lo desprevenido:

-Ah, e por falar nisso, quem ganhou, Allan?

-Ganhou o que, Veio? Do que você está falando? – Inquiriu surpreso

-Porra! To falando da partida de gamão! – Atirei sem olhar pra ele,  mantendo-me concentrado  na janela. A sua rainha dançava no tabuleiro procurando safar-se do meu ataque com a Torre.

-Ah! Aquela partida acabou em empate técnico. O cansaço nos fez desistir. Nem eu e nem meu oponente! - Sentenciou, recolhendo a Rainha e a coloocando à salvo num movimento defensivo.

Novamente caímos em silêncio e ele pensava. Não era um bom sinal. Então disparou:

-Pena, né China? Você não conseguiu assistir aquele partida porque estava  ocupado com os seus “bom dia” para uns e outros. Sabe,  admiro muitíssimo essa sua amabilidade otimista -

O filho da mãe encontrará uma brecha e me atacava com o Bispo. Por instantes pensei, analisei mas não vi perigo nesse movimento.

- Amabilidade otimista? - O que isso quer dizer, Allan?

-Bom..eu quero dizer que aquele dia estava horrível. Desaguava uma terrível tempestade enquanto os trovões urdiam nas calçadas, avenidas, parques municipais. E os raios então? Caiam por todos os cantos! Não se lembra disso, Véio?

-Não, não lembro! O tempo estava tão ruim assim, Allan?

-Putz! Que memória fraca, heim China? Você quando entrou no Bar estava completamente encharcado pela chuva. Até espirrava! Lembra agora? - Perguntou-me num tom de gozação.

Ele executava um movimento interessantíssimo com o seu Cavalo. Só restou-me salvar um peão que eu tentara colocar estratégicamente.

-Ah... é mesmo! Você têm razão! Agora me lembro. Lembro perfeitamente – Correto, Allan.

Ele me abalara; sabia disso. Vinha pro ataque com um arsenal de jogadas previamente  ensaiadas por sua capacidade de tramar.  Não falamos mais nada, constrangidos, quando,  decidido voltei-me para ele.

Eu olhava para ele enquanto ele persistia olhando através da minha janela a paisagem de concreto aparente, afinal, ainda estávamos no fundo e à dezenas de metros da superfície. Estrategicamente ele não deu conta da minha presença em observá-lo, portanto retornei à posição original. Aí foi a sua vez de virar-se e olhar para mim. Claro que igualmente não lhe causou surpresa o fato de eu continuar admirando as mesmas paisagens subterrâneas do Metrô. Assim que trem abandonou as trevas e alcançamos a luz as nossas feições deixaram de ser  sombrias e soturnas. Parecia que a claridade do sol havia dado algum  promissor sentido ás nossas presenças.
Levantei-me, afinal a minha estação seria a próxima. Assim que sai do meu lugar eu o olhei e o surprendi com o olhar cravado em mim. Então nos olhamos com simpatia, cordiais, como se nos dissessemos: " O time! Tudo pelo Time. A unidade é o que importa"  - Naquele momento embaralhavamos todas as peças do tabuleiro de xadrez. Não havia vencidos e nem vencedores. Antes de ganhar o corredo lhe convidei:

-Allan, topas um blood mary com Sputnik, na próxima sexta, la no Bar?

-Sputnik? Que é isso Veio?

-Ah, é uma vodka nacional que eu gosto! 16 mangos a garrafa - Respondi

-Claro, Véio! Mas sob uma condição!

-E qual é? – Eu quis saber

- Que me acompanhe num Chateau Fombrauge Saint Emilon Grand Cru 2005!

- Chateau Fombrauge? Que diabo é isso, Allan?

-Ah! É um vinho francês! 1 barão e meio a garrafa – Respondeu com um sorriso e  sem ostentar qualquer afetação de grandeza.

-Putz... - Foi a única coisa que consegui responder.

-Então, ta combinado! Até la, Allan! – Despedi-me dele; Eu havia chegado ao meu destino e a porta me aguardava aberta.

-Combinado! Até la, Véio! – Ele retribuiu com um sorriso e um aceno de mão.

Ao sair da estação do Metrô, duas certezas me acompanhavam:

Ele faria o possível para segurar as tripas e não botar goela afora o meu bloody com a Sputnik.

De meu lado, eu tentaria esquecer que a grana que ele pagaria por aquele vinho garantiria os quatro meses do meu aluguel, em atraso, evidente!



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terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Bar do Escritor visto através da janela do metrô

Notei que um  rapaz me olhava ostensivamente na plataforma de embarque do metrô, ali, na estação Sé.  Parados, aglomerávamo-nos  numa grande quantidade  de pessoas que aguardava o metrô das 6 da tarde. Afinal, terminado a jornada de trabalho as pessoas queriam voltar para suas casas. Tudo poderia acontecer à partir daquele horário,  inclusive,  entrarmos na composição sem sentirmos nossos pés tocando o chão, num estado de levitação,  não por dom, é claro, mas  soerguidos pela turba que ao abrir da porta automática entraria  enfurecida, sedenta pelo banho das 7,  jantar das 8  e a novela das 9.   Assim como previ me senti  levado por eles ao entrar. A ansiedade e impaciência das pessoas faziam-nas semelhantes a uma manada se refugiando no vagão como se ali fosse um lugar  seguro e onde pudessem se safar dos capatazes e o sons dos  porretes num matadouro.
Milagrosamente do lado de dentro, mas,  mal acomodado, eu sinto um dedo estacando o meu ombro esquerdo. Olhei;  era o rapaz.

-Desculpe, mas o senhor não é o Veio China, do Bar do Escritor?

-Sou! – Respondi lacônico.

-Pois é! O reconheceria em qualquer parte do planeta. Impossível confundi-lo  com essa aparência cansada e óculos de lentes negras e redondas.

-Pois é! Também não confundo-me comigo  – Devolvi sem olhar para ele.

-Desculpe-me aborrecê-lo seu China! É que eu também faço parte dessa comunidade, e, apesar de não postar, eu os leio.

Olhei-o com algum estranhamento. Porém, o que ele acabara de mencionar vinha  reforçar a minha teoria sobre muitos dos anônimos da comunidade; eu acreditava que centenas deles  não postavam por não terem culhões o suficiente ou  excessivo receio de  sentirem-se feridos no caso de críticas ácidas aos seus textos. Em todo o caso o meu amigo parecia querer continuar falando:

-Sabe,  bem que gostaria de postar algo meu, principalmente os meus poemas, que são razoavelmente bons, garanto, mas que fatalmente seriam discriminados por lá.   Disse  com voz  empostada. Não soube discernir o motivo, mas ele me soou falso como um diamante de zircônia.

-É só a insegurança que te impederia de  postar? – Questionei

-E já não seria o suficiente, seu China? Sabe, vocês me lembram uma confraria, um clube privê. E com os novatos então? Acho que são severos demais com os que postam pela primeira vez.  Às vezes as poesias são ótimas, mas parece haver algum prazer ásperero nas críticas que tecem.  E isso, ainda quando se preocupam em comentá-los, pois muito comum são os seus textos   mofarem pelos cantos  e lá permanecerem no aguardo de uma ou duas almas caridosas que se interessem.

-Epa! Pêra lá!....não é bem assim! – Argumentei.

Evidente, apesar do exagero,  sabia por experiência que ele tinha alguma parcela de razão. E sabendo, não me senti excluso da sua observação, mesmo que a realidade  não fosse exatamente àquela. Talvez por perceber o desconforto com seu comentário procurou amenizar.

-Não falo exatamente do senhor, seu China. Não é sempre, mas percebo que o senhor vez ou outra se esforça para não fazer parte do grupo dos indiferentes e dar uma força para os novatos.

-Sim, não, mas, mas.... –  Eu ainda tentava refutar a sua argumentação, porém, sem conseguir o efeito desejado; parece que havia a necessidade de expelir o que o incomodava no Bar. Sua boca era uma máquina de se abrir e fechar, e ele  falava como se fosse rajada num deserto,  como se tivesse na boca  pentes de metralhadora no lugar da dentição alva e regular.

-Mas, mas o que, seu China? Não há o que o senhor possa defender. São visíveis os grupelhos que se formam por la. Mesmo no senhor eu noto um trânsito esforçado para uma  política de boa vizinhança com as mais diferentes correntes. Às vezes saltita tanto que me faz   lembrar um vereador numa praça pública   pedindo votos para releição! - Disse-me com um ar de malícia.

-Euuuuuu? – Tentei me defender.  Que diabo era isso? Mais que a um comunitário, eu tinha topado com um verdadeiro psicólogo de ambientes literários.

-É sim seu China! E toda essa politicagem de vocês afasta os intencionados em postar alguma coisa. – Concluiu com feição enfastiada.  Evidente, as azedas críticas do rapaz despertaram  em mim alguma curiosidade sobre ele.

-Vem cá! Quais são esses grupelhos que você insiste em ver formados por lá? – Cutuquei-o.

-Óras! São tanto que  não vê quem não quer!  Tem a ala dos compadres, onde qualquer coisa se faz pretexto para um bom dia, mesmo que o dia esteja péssimo e chuvoso. Tem o grupo dos visitadores compulsivos, melhor dizendo, a ala da reciprocidade mútua. Tem o pessoal que nutre  antipatia gratuita por qualquer um que escreva. E por fim  há o Clube do Gamão!

-Clube do Gamão? Que porra é isso? – Eu quis saber

-Ah! É aquele grupelho de sete ou oito escritores que não comenta ninguém, salvo os seus parceiros de jogatina, ou àqueles que julgam estarem ao seu nível intelectual.

-Ah sim!... você os trata como o Clube do Gamão! –  O termo reverberava em minha mente, então  sorri.

Bom...até que nesse ponto eu teria que concordar com ele. Quanto a isso só nos diferenciavamos na nomenclatura do tal núcleo; para mim eles eram o  “The Gallery” a turminha do José Victor Oliva.

-É sim seu China! É a turma do Gamão, sim! – Ele repetiu  ao reparar que eu sorria – E continuou -  Ah! também me divirto com a  sua postura diante do senhor Ruy Barbosa, da comuna. Ah, seu  China! Para não confundir o "cabo da enchada" com a "bunda inchada" esclareço que nada a ver com o poeta Ruy, que é um excepcional escritor. Estou me referindo sobre àquele  sujeito que deita e rola em textos rebuscados, eruditos, inclusive já li diversas de suas postagens onde critica o abusivo zelo literário do rapaz – Disse-me olhando pelo rabo dos olhos.

Momentaneamente percebi que ele tentava  me provocar. Talvez  quisesse ver aonde eu
iria desaguar.

-O Senhor acha mesmo que o rapaz escreve aqueles textos cheios de erudição após a consulta de um dicionário? – Insistiu  e depois concluiu-  Também tem uma ou outra coisinha sua que leio e logo penso; o Véio andou visitando o Aurélio.

Eu sabia! Agora sim eu pude sentir o seu ar de galhofa!  Simplório, eu estava permitindo que o meu telefone interno só desse ocupado.  Portanto era mais que a hora de deixar cair a ficha cair. Aquele rapaz estava simplesmente zombando de  nós e da comuna como um todo. Esperto, sob o  pretexto de me adular comparou-me aos políticos. E convenhamos; acho que não há nada pior nos dias de hoje que ser comparado a um político. Além disso ele criticava todos aqueles que tinham suas preferências e o hábito de se lerem mutuamente.  E ainda não satisfeito meteu o pau na turminha do Gallery, ou melhor, do “Clube do Gamão”. Porém o inconcebível foi ele pretender tirar um sarro em mim e  no “Sr. Camões”,  um desafeto meu, porém, mais por questões conceituais  sobre a linguagem do escritor ante uma literatura de vanguarda.
Claro, poderia até concordar com o rapaz  na questão de mantermos diferenças literárias com um ou outro, porém, nisso nada há de pessoal. E nesse caso a minha birra com o caro escritor era com  o desnecessário e exacerbado  uso semântico com um  prazo de validade extinto na primeira parte  do século passado. Inclusive porque nos dias de hoje é impossível imaginar que possam haver interlocutores para esse tipo de linguajar, talvez nem na própria ABL. Portanto, para mim,  algo não natural, que me soava falso, porém viável ante  a consulta  de bons  dicionários.  Contudo, isso era um problema interno e não para estar sendo discutido dentro de uma composição de metrô e com alguém que  eu nem conhecia, ainda mais num dia calorento de horário de verão.

Repentinamente a acidez de suas críticas me fez sentir  incomodado com a unidade. Sacam esse lance de termos o nosso time e  mantermos uma rivalidade agressiva contra torcedores de outros times? O nosso time e os nossos jogadores são os melhores -  costumamos pensar -  Pois é! Contudo, há senso de unidade, espírito de equipe, maior que nossos times. Como? Para isso nos bastaría nossa seleção jogar contra uma Argentina e ganhar com um gol no apagar das luzes, de preferência  aos 47  do segundo tempo. Acreditam que nos importaríamos  quem  foi o jogador que fez o gol  da redenção? Claro que não! Tanto faria se esse jogador fosse do nosso ou de algum time que não gostássemos. Entenderam do que falo?
Portanto foi desta forma que senti que ele nos colocou em xeque a  nossa unidade. E, terminantemente; isso eu nao  permitiria.

-Escute aqui meu rapaz!  Qual o seu nome? – Perguntei-lhe com severidade no olhar.

-Alberto Margarida Vera! – Respondeu-me com altivez enquanto  olhava para o seu reflexo na janela do trem.

Depois espalmou as mãos, esticou os dedos e os penetrou nos fartos cabelos loiros com alguns reflexos castanhos escuros; obviamente um bom trabalho em algum salão de renomados cabeleireiros. Pela primeira vez ele me parecia um escritor na excepção da palavra; ególatra, prepotente, arrogante, e isso me irritou profundamente.

-Pois bem senhor Norberto Tulipa Primavera! - Primeiro; eu quero que o senhor vá à merda! Segundamente, como diria Odorico Paraguaçu, crie vergonha  e deixe de escrever poeminhas que a secretária da tua firma deva achar duma sensibilidade dilacerante  e desfaça-se de sua covardia e vá lá enfrentar aquela cambada de desajustados!  Vamos ver se o senhor é bom, mesmo?  E...té loguinho!

Disse-lhe ao ver a porta do metrô se abrir e descer numa estação que nem a minha era.
Lembro da perplexidade deu olhar ante a minha reação.
Saindo, olhei-o através do vidro da janela. Ele também me olhou, e, simplesmente assim que o carro partiu ele me mostrou a língua. Eu apenas sorri, acendi um cigarro e dei uma tragada quando um dos seguranças me chamou a atenção, indicando com o dedo uma pequeno adesivo colado num dos pilares do saguão - PROIBIDO FUMAR - podia se ler.  Um tanto sem graça desculpei-me e joguei o cigarro  nos trilhos e fiquei o vendo arder, atento à fumaça que subia entre as pequenas pedras cinzas e se dissipava no calor do ar.
Depois sentei num dos bancos da plataforma e deixei passar outras três composições que levariam ao meu destino; eu ainda revivia aquele conversa sem pé e nem cabeça.
Ah, quanto eu gostaria de criticar um sujeito daquele num primeiro dos seus trabalhos na comuna. Indiscutivelmente a natureza vingativa não me faria se manter  imparcial nessa primeira vez, ao menos.

Continuei ruminando o assunto; Eu não poderia me esquecer aquele nome para no caso dele surgir na comunidade.  Eita! Qual era o seu nome  mesmo? Ah sim! “Humberto Hortênsia de Mera” – Sorri ao exclamar.  E foi sorrindoque  me recordei duma canção da Gal num dos primeiros festivais de MPB na  Record. Estávamos no início da década de 70, e,   ela cantava " É preciso estar atento e forte/Não temos tempo de temer a morte"
E Gal estava certíssima naquilo que bradava.
E era assim que se fazia necessário ser; forte e atento.

domingo, 3 de outubro de 2010

O lamento machista de um corno aquarentado.

Elisa me levou tudo; A paz de um dia, o carro, grana, apartamento e até o meu inseparável companheiro de futebol domingueiro: Peter, nosso filho de 13 anos. Aliás, pode parecer insano mas, há muito tempo estávamos lesando um ao outro e sem que esse rouba-pátria doméstico nos levasse a qualquer lugar, exceto ao fato de estarmos sempre pretendendo nos prevalecer. E agora, depois de tudo acabado,  eu me sinto completamente estranho pilotando os questionamentos mais insólitos, do tipo: Porra! Nessa situação, eu não poderia ser ela e não eu?
Talvez eu me questione por me julgar o maior responsável de tudo; Eu e minha  maldita mania de economizar. Tudo o que me bastava era um bom flagrante da traição dela com aquele garoto quase 20 anos mais jovem do que eu.

Claro! Afeito ao preço do menor valor confesso que o trato foi bom, mas, o detetive uma lástima! Trocadas as bolas fui eu o surpreendido ao ser fotografado, filmado, como bem mostrava uma cópia numa mídia de DVD deixada caprichosamente no meu lugar à mesa do café.

-Nossa!  Vocês se beijam com volúpia! E que mãos bobas vocês tem, heim? – Foi o que Elisa me disse naquela manhã e antes de entregar uma das cópias ao seu advogado.

Me lembro que a minha reação foi exatamente nada. Não houve nem mais olhares ou qualquer palavra, muito menos a vontade de socar goela abaixo o café preto com torradas e geléia de morango, o meu desejum favorito. Da mulher que estava comigo ao vídeo eu só tinha a tecer elogios. Provavelmente ela fosse a única pessoa que realmente se importava comigo. Norma é seu nome. Mulher carinhosa, compreensível,  de beleza quarentona e um olhar manso, em que pese seus problemas com o bronquite.  Porém Norminha é  dona de pernas espetaculares, mesmo que percebido um visível aglomerado de celulites, principalmente na sua região do glúteo. Em todo o caso ela não merecia isso e nem a esperteza do detetive da minha mulher que nos expôs aogrande  mico ao sermos  flagrados numa filmagem além do sensual num dia de tempestade e de  praia deserta em Boiçucanga. Porém deste fato levarei para sempre a lição que economia porca resulta na contratação de péssimos profissionais e resultados piores ainda, tanto que me vejo nessa situação.

E como desgraça pouca não vem sozinha, só no mês que vem é que saberei ao certo que remédio me fara bem pra tosse: Vem aí o aluguel do novo apartamento e a primeira das trinta e seis prestações dum carro usado e de pneus desgastados. Isso sem contar as miudezas necessárias,   fronhas, travesseiros, cobertores, panelas, pratos, copos, passando pelos eletrodomésticos como; geladeira, fogão, televisão, microndas, máquina de lavar roupas, além dos cestos de lixo e outra infinidade de quinquilharias.

E isso me faz repensar a vida. Sinceramente? Se eu pudesse retornar  manteria-me  longe do rabo fenomenal de Elisa. Antes eu tivesse me apaixonado perdidamente por uma desvairada naturalista de coxas finas e bumbum desestimulante.
Mas não,.comigo não! Sempre carnal e carnívoro. Tudo se resumia em carne; a carne nos dois dedos dos filés ao ponto, a carne tenra e libidinosa sob o vestido rubro de uma mulher.
Portanto, Elisa e seu bumbum ainda em ótimo estado de conservação amainarão por um bom tempo a voracidade sexual do garoto, até que a inexorabilidade do tempo, das estrias, das varizes e principalmente das gorduras localizadas façam voz duma comunicação dissimulada: Querida, sinto, mas você já era!

Concluindo, acho que esteja aí o mal da humanidade como um todo. O mal de supormos que sempre estaremos bem e que nuvens negras que precedem  tempestades só desabem no quintal dos vizinhos.
E isso se constitui um espetacular auto-engodo; o de supormo-nos em vantagem em detrimento de tudo.

Para mim há uma única máxima assertiva: O tempo é o senhor da razão, portanto tudo se faz questão de tempo.
E assim como eu, Elisa e Norminha, esse garotão em breve também estará sendo fodido de alguma forma. Contudo não será pelas mãos da minha ex,  já que lhe é evidente a vaidade e o entusiasmado com sua jovial conquista, mesmo  ciente do ridículo em que se encontra ao  estar sustentando com parte do meu dinheiro o seu musculoso frangote de academia.
Enfim, não que eu queira ou pense em algum tipo de revanchismo,  porém,  é mais que certo que num curto prazo de tempo o jovial saradão estará comendo na mão de alguma patricinha  10 anos mais jovem que ele e o tamanho da sua esperteza.

Claro, talvez eu nem esteja vivo pra testemunhar a sina , mas,  se estivesse......eu apostaria 10 por 1 na cabeça,  só pra ver!

sábado, 2 de outubro de 2010

Filósofo de fila de supermercado

Ele estava ali pensando sobre coisas e gente.
Olhava para as feições das pessoas na fila do supermercado. Percebeu um velho, perdido em algum ponto da luminária presa ao teto e na nota de 20 reais que se enroscava em seus dedos trêmulos. À frente, um casal se olhava com algum desconforto, talvez pelo fato do dinheiro não comprar tudo que precisavam.
E assim foi tentando decifrar o que havia detrás de cada olhar. Certamente aquelas pessoas escondiam problemas de toda ordem; Maridos, filhos, pais, amigos e até com rugas inesperadas surgidas no espelho do banheiro à cada semestre.
E os seus mistérios? Provavelmente alguns desvendados e outros nem tanto.
Contudo, a inexorável certeza que cada uma daquelas pessoas transportava todas as verdades e mentiras do universo.

-Caraça! É peso por demais! Um fardo que o corpo não consegue carregar - Murmurou consigo -

-Eu bem que poderia ter nascido um leão; Apenas o instinto e um cheiro de presa - Suspirou -

Claro, existiria a possibilidade do imprevisto, um rifle de tiro certeiro, ou o fenecer ante a ferocidade dos tigres mais obstinados - Sinas são para serem cumpridas e leões certamente tem as suas - Concluiu macambúzio.

Deu por si com a caixa o chamando para passar suas compras.
Desajeitado percebeu a impaciência das pessoas na fila onde um sujeito dos seus 30 e poucos o olhava com certa insistência – Ele lhe sorriu tímido -Percebeu então que não era o único a filosofar em filas de supermercado.

-Senhor, são quarenta e sete reais! – A caixa sentenciou. Ele olhou para ela e seus lindos olhos verdes. Não lhe pareceu que ela estivesse preocupada com qualquer coisa que não fosse entregar o caixa para o próximo turno.

-Obrigado! – Respondeu-lhe ao pagar e pegar os poucos sacos plásticos e perceber que o sujeito ainda persistia no olhar.
Será que o rapaz também pensaria em ser algo? -Sorriu consigo ao torcer para que não fosse num tigre.

Na saída um cão vagabundo lhe sorriu e foi retribuido.
Ele lhe pareceu amplamente confiável.