quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Captain my Captain

 Captain my Captain!

Era assim que ele gostava de chamar a si. A certeza de falar unicamente aos  botões parecia revestir o termo "Captain my Captain"  de toda poesia que necessitava a solitude dos seus dias.
Há muito nada trazia interesse ou coisa que  importasse. Deixados para trás como  as nuvens de tempo  ficaram os homens e  suas hipocrisias. Ao final, cansado de fraudes despiu-se de humanidades e foi para o mar. Talvez fosse esse o  legado;  as águas e um horizonte infindo  a apaziguar a alma.

O tempo veio e com ele se tornou o sentinela dos mares.  Nas ondas bravias o pequeno barco era apenas tonalidade esmaecida, emergida à sucessão de ondas. Esquecera por completo do espírito humano ao ganhar um novo alento;  Nadie, um cognome carinhoso dado por ele a Nadine, uma majestosa orca que circundou o seu barco num dia de sol ardente e jamais o abandonou.

E os anos decorreram e era comum flagrá-lo orgulhoso  diante dos movimentos da sua Nadine. Eram momentos que Captain my Captain gritava palavras de incentivo a cada salto da baleia como se ela fosse  a sua cadela de estimação. E ele apenas ria e ria; Nem ele sabia se havia enlouquecido ou transmutado num  peixe; Um peixe com feições humanas. Um homem-peixe que alimentava-se unicamente  daquilo que o mar oferecia.
Quem o visse navegando os mares, sem destino e relegado a própria sorte questionaria se Deus o houvera esquecido ali  ou  apenas se divertia ao vê-lo digladiar com a fúria dos oceanos. Jamais se soube a verdade.

Contudo, num dia de mar agitado e céu cinzento a trégua veio.  Nadine se manteve quieta, serena, apenas emitindo lamentosos assobios. Naquela manhã a baleia não irrompera em saltos  e nem espanara a cauda na fragilidade da embarcação à espera dos xingamentos do velho comandante.  Captain my Captain não acordara com a aurora e nem tocara por três vezes o bastão no madeiramento  para chamar a atenção da velha amiga. Nada disso aconteceu. Ao contrário; supõe-se que Deus tornou-se tanto mais  melancólico ao abrir mão do seu destemido guerreiro.

Ao fim daquela mesma tarde, cravado entre as pedras costeiras  o barco de Captain my Captain foi resgatado. Um pouco distante dali  Nadine mergulhava incansavelmente, voltando à tona , rodopiando a sua imensidão no ar como se fosse  a estrela de um show aquático. No barco, ao lado do leme, entre os enrijecidos dedos de Captain my Captain um papel de amarelado tempo foi encontrado. Nele,  uma poesia ainda legível; Era de sua autoria.

Captain my Captain

Perversa, num quebranto além mar
a tempestade avassala o que  resta
No horizonte vislumbro coisas que me desordenam
Seria o arco-íris ou as visões das minhas quimeras?

Desorientado, dobro-me às terminações nervosas
sangrando lamentos nas interseções do meu tempo
Qual a finalidade de mim nessa vastidão azul?
Desconhecendo, amaldiçoo aquilo que me fez sobrevivido

É assim, sem saber quem sou, que deixo-me levar pelas ondas;
Talvez eu seja apenas a deriva dum velho barco solitário 
que singrou todos os mares, mas que jamais resgatou
a consciência perdida do sujeito que um dia fui


Por algum tempo  os estalidos de Nadine foram ouvidos  por todo aquele pedaço de costa. Porém tudo mudou num dia de ondas mansas ante a torridez dum sol que abrasou rochedos e fez arder a pele dos pescadores.. E foi sob a exuberância dum ceu de nuvens densas que pareciam raptar  a beleza do firmamento  que uma última vez a baleia  foi vista ; Talvez Nadine descobrira que nada mais havia ali.

Copirraiti 2010Dez
Véio China©

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