sexta-feira, 15 de abril de 2011

A editora, o litígio e o mala

Eu andava preocupado, aliás, mais que preocupado, atazanado talvez fosse o termo exato. E esse atazanamento tinha nome: Editora J.J.Gusmão, herança vinda de família, propriamente dos meus bisavós paternos.

Porém, os negócios e a realidade nua e crua e da quase nenhuma rentabilidade esbofeteavam-me no rosto, esfacelando os meus bolsos. Talvez fosse chegado o momento inadiável de abrir mão daqueles escritores cujas publicações pretendiam entreter o leitor com material fartamente culto e erudito, e substituí-los por alguns da nova geração e que estivessem mais antenados com os fatos do nosso tempo, além do uso de um linguajar, mas abrangente, abrasivo e popular.
Lembro que era a primeira vez em seis anos que não renovaríamos com Jonathan Seinberg, que inclusive já possuía farto material para a publicação de mais um livro.
Com certa tristeza relembro da reunião que mantivemos e discutimos esses e outros fatores que motivavam a minha decisão.

-Seinberg, sinto muito, mas, nesse ano não faremos e edição do seu novo livro.

-Como? Assim, sem mais e nem menos? Após seis anos de uma convivência produtiva e rentável é isso o que tem a me dizer? Acha que meus leitores cansaram do bom trato gramatical, dos termos refinados, estilizados, rebuscados até? – Dito isso deixou pousar desanimadamente as mãos sobre os joelhos

Provavelmente Seinberg andava tão distante da realidade que não notara que seu último livro vendera nada mais que míseras 434 unidades. Também não deveria saber que a renda sequer superou os 20% de custo de produção. Evidente, tais assuntos não eram da sua seara. Contudo era minha obrigação manter-me e mantê-lo com os pés fincados no chão.

-Perceba Seinberg, os leitores estão cada vez mais distante daquilo que possamos considerar cultura. Estão também aquém da prolixa erudição que os teus livros carregam - E continuei -
Isso pode ter funcionado há mais de três décadas onde qualquer estudante ou leitor guardava em sua estante edições dos grandes como Machado e Aluízio, além, claro, dos grossos dicionários para consultas.

Eu, procurando ser razoável argumentei inclusive que nos dias de hoje não há mais a obrigatória necessidade de dicionários se empoeirando em prateleiras. E que o fato, tão cristalino, se dava pela obtenção pela consulta online em diversos sites de internet, assim como em softwares que nos trazem Aurélio, Houaiss e outros tantos gravados em CDs. Todavia ele não se deu por vencido:

-Veja, Dra ( Dra era a simplificação do meu nome, Dráuzio, e como gostava de me chamar) Voltando à questão da leitura e do aparato leitoril, não é nenhuma novidade a baixa receptividade da prosa nos tempos de hoje. – Tentou se justificar.

-Epa! Não é bem assim não, Seinberg! – Protestei – Estão aí escritores que a despeito de nem mais existirem ainda faturam altas somas para seus herdeiros genéticos.

-Quais, por exemplo? – Ele desafiou;

-Oras! Só pra te falar dos malditos, alvos de minha preferência, lá vão alguns; Celine, Bukowski, Fante, Hemingway, Miller, Kerouac e tantos outros abarrotando as livrarias. Agora... Imagine se falarmos dos escritores universais e suas obras de maior expressão? Inimaginável seria nos aproximarmos desses números! – Exclamei.

- Bem.. – Ele respondeu – Eles são exceções concedidas a temas polêmicos. Esse pessoal que citou só vê arte em pornografia e devassidão. São escritores para um classe de leitores (a ralé) que se ufanam e interagem com os autores como se eles ainda se mantivessem vivos. Não é de se duvidar que nos aniversários de suas mortes haja um sem números de bêbados e pervertidos golfando vodkas e fazendo surubas em seus túmulos – Ironizou.

-Sim, mas... – Tentei interferir. Foi impossível.

- Mas, mas nada meu caro Dra! Nessas questões de más escolhas literárias o que menos se vê é o trato e discussão da literatura, propriamente ditos - Ele persistia -
Esses que você citou nada mais são que lixo escrevendo sobre lixo – Discursou num tom de raiva, invejoso diria até.

Ficamos em silêncio por alguns instantes. O seu olhar nervoso passeava pela sala e se atinha ao quadro de meu bisavô postado acima de minha poltrona. Lá estava o velho João Juvenal Gusmão, o desbravador de toda essa sinuca de bico em que me metera. Naturalmente, parceiro mudo de todos os meus dias, JJGusmão deveria saber que a J.J Gusmão estava num quase regime pré falimentar devido a minha pífia atuação empresarial. Claro, ainda haviam algumas chances e eu tinha que agarrá-las. E elas começavam por Seinberg, o number one da lista.

-Seinberg, desculpe. Agradeço pela parceria que tivemos por todos esses anos, mas agora é inevitável. Não mais temos interesse em suas obras. Ok?

- Jonathan Seinber desgrudou o olhar em JJ Salomão e fuzilou-me com aqueles seus olhos negros.

Ansioso levantou-se estapeou duas Mont Blanc prateadas que se encontravam em meu porta-canetas. Em pé, o homenzarrão de mais de metro e noventa esbravejou. Sua voz soou forte apesar de não conseguir distinguir os lábios que se escondiam sob a espessa barba grisalha.

-Ad infinitum, Allegatio partis non facit jus! Audiatur et altera pars! – Disse-me numa impostação pedante tal qual ele. Depois completou:

-Em breve terás notícias minhas, meu caro! – Dito isso ajeitou a gravata borboleta dentro da imensidão daquele seu paletó de risca de giz, caminhou até a porta de saída e ganhou a rua.

O que aquele chato não sabia é que eu fizera três anos de direito até desistir e abraçar a editora após o falecimento do meu saudoso pai. Portanto eu entendi o recado. Em todo caso era inacreditável o fato dizer-me que estaria colocando a Editora no “pau” num pretensioso latim jurídico, peça fundamental dos grandes advogados. Assim que ele se foi eu apenas ri.
Até naquilo o sujeito conseguia ser um grandíssimo mala.


Copirraiti 2011Abr
Véio China©

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