terça-feira, 21 de junho de 2011

Uma trepada dos infernos

Acordo sobressaltado numa cama que parece arder em chamas.
Confuso sinto o corpo ferver numa sensação estranha na nítida impressão que a onda de calor inicia nos dedos dos pés e desenfreada sobe até o último fio de cabelo. Abro os olhos e me sinto perdido no tempo e espaço; Quanto será que dormi? Talvez uma hora, pouco menos? - Eu não sabia. Entretanto exceto a temperatura corpórea, tudo parecia estar como antes, inclusive a insônia que me castigava por dias à fio naquela pousada à beira lago, São Joaquim, precisamente no estado de Santa Catarina.
Logo, a onda de calor que me toma é conflitante, afinal, como é possível estar numa cidade onde o clima é demasiadamente gélido para que sinta tal sensação? Não, não há lógica, contra-senso, ainda mais porque,  na praça da matriz, à tarde, ouvi as pessoas comentando que a madrugada faria os termômetros baterem nos quatro negativos. Incomodado reviro-me na cama e procuro o interruptor do pequeno abajur que adormece na mesa de cabeceira. Tateio com a mão e ao encontrá-lo  ligo o botão e vejo surgir uma fraca luz num tom azulado. A opaca claridade apenas me permite ver parte da mobília do pequeno quarto, e ali parece pairar algo de estranho, numa sensação que escorre pelas paredes e transpira tenebrosa, e sem que saiba o porque. Firmo os lhos na direção de cada uma das decorações na estante próxima e noto os contornos de uma peça em especial; um Buda em porcelana que se acomoda impassível no poeiramento da madeira.

Entretanto e sem que vislumbre conclusão percebo que a imagem do Buda me atemoriza. Aliás, o fato não deixa de ser controverso, afinal, a imagem da obesa divindade não foi feita para causar tal medo ou apreensão a quem a olha ou adquire. Portanto, carregando certa dose de culpa esforço-me para rever a impressão que causa, e assim insisto no olhar  enquanto procuro compreender as suas formas arredondas nos seus quase 30 centímetros de altura e outros tantos de diâmetro. Olho daqui, olho de lá e tento encontrar no Buda algo de simpático e que me faça senti-lo acolhedor. No entanto não consigo enxergá-lo com os olhos da aceitação ou da benevolência, e ele persiste me incomodando a ponto de desviar-me e ater o meu olhar no celular que está ao lado do abajur. Pressiono a tecla "On" até surgir um clarão no pequeno visor, e ele escancara as horas em números de tonalidade laranja. Afirmo ainda mais a visão e confirmo que faltam pouco menos de cinco minutos para as três da manhã.

Como corpo ainda flameja desfaço-me dos três insuportáveis cobertores que me cobrem e causam idêntica sensação de estar sendo tostado ao ponto, um frango assado que doura nas máquinas domingueiras colocadas às portas das padarias.
Com algum esforço e com o rosto banhado em suor levanto e vou na direção da janela e noto delicados flocos de neve se prendendo nas partes externas da vidraça. Lá fora paira a propalada madrugada gélida, isenta de lua, e ela parece me convidar  para a vida de um nada de silêncios; E eu topo.
Penso naquele sentimento de paz por alguns momentos, mas mesmo assim sinto perturbado, e minha imaginação escorre pelo meio da escuridão à procura de algo. Ah como gostaria de ouvir uivos de  meia dúzia de lobos famintos e desejosos de carne fresca. E eu, mais osso que carne,  ao lhes ver a quantidade de dentes, fatalmente sentiria o meu nível de adrenalina ir às alturas, mas ao menos estaria vivo, presente, mesmo que as devastadoras arcadas não me julgassem um mortal apetitoso. No entanto não existiam lobos em São Joaquim, mas sim  apenas cães vadios e  friorentos tanto como os milhares de turistas e seus agasalhos coloridos que tomaram a cidade de assalto. Continuo olhando pela vidraça e me disperso no nada, e a nostalgia doma o meu espírito enquanto penso na legião de forasteiros, e concluo que em nada me assemelho a eles, pois não tratam com respeito aquele lugar maravilhoso, assim como não se dão conta do privilégio de estarmos em pleno Brasil e podermos enfrentar um rigoroso inverno ao puro estilo europeu.
Todavia não estamos na França ou Suíça, mas sim em Santa Catarina, e isso se conclui ao andarmos por todos os lados da cidade e notarmos a falta de respeito com os habitantes locais ao espalharem lixos por todos os cantos, invasores apáticos e preguiçosos até para irem a uma lixeira mais próxima com o intuito de se livrarem de suas porcarias.

Porém o protesto anônimo e solitário não detêm  o poder da solução, logo,  me é mais fácil abandonar as questões ambientais para devolver o meu olhar para a estatueta. Balbucio algo como " E então seu Buda, alguma solução?"  para outra vez ele ele se manter calado e nada elucidar.
Entediado e abrasivo abandono o quarto e rumo para a sala, e ao abrir a porta que a separa os cômodos sinto um odor inexplicável e adocicado. O cheiro é bom e impregna as minhas narinas, mesmo que não haja lógica para a sua presença. Pare por sua origem, porém não há sucesso na empreita.
La fora, inesperadamente a noite carrancuda faz gemer o vento, e as folhas tremulam nas árvores ao mesmo tempo que eclodem trovões e  se disparam os raios, e eles varam a janela da sala onde estou e proporcionam uma forte claridade ao lado oposto ao que me encontro.
Foi então que o vi. Era ele, não havia a menor sombra de dúvida!

-Vieil homme, pourquoi avez-vous quitté le lit? – Pergunta-me uma voz grave, mas de entonação afrescalhada.

Claro, surpreendo-me com o instante inusitado, entretanto às custa de minha falecida avó, filha de franceses, consigo compreender aquilo que a criatura questiona; O ser estava curiosa para saber o motivo que me fizera levantar do leito. Perplexo e sem ainda compreender os fatos forço meus olhos na sua direção enquanto o universo parece explodir em raios e trovões. O quarto ganha contornos ainda mais claros e nítidos, e é como se os exercícios de guerra estivessem sendo praticados ali. Repentinamente o clarão se apaga e volta a clarear com raios espocando intermitentes, e dessa vez eles são assustadores, mas possibilitam que eu distingua com mais clareza as feições daquele que senta na poltrona.
"Como? Caraca, eu não acredito!"  - Rumino comigo. Agora a imagem me é quase nítida, e  à minha frente dou de cara com  ninguém mais, ninguém menos que o próprio diabo. Aliás, a bem da verdade não era o diabo, mas sim a diaba.

-Avez-vous peur, ma chère? – Desta feita a coisa maligna questiona e demonstra certa impaciência.

O  tom de sua voz ainda soa grave, mas agora nitidamente feminino e algo sensual. Óbvio, eu não queria, mas estava apreensivo, já que ao macho sempre foi imposto  que nada deve temer, incluindo no pacote  a totalidade das mulheres, apesar do manual silenciar sobre mulheres diabas.

-Não, não meu amor! Não estou com medo! - Respondo tropeçando no idioma mãe de Catherine Deneuve.

Sim, eu estava ansioso, porém tentava demonstrar serenidade, inclusive, serenidade que não havia.
Claro, o que mais poderia fazer numa situação daquela? E outra, eu era macho, muito macho, dono de pênis eficiente e duas bolas no saco escrotal, portanto os da minha estirpe não entregam tão facilmente o ouro, em que pese o pavor de estar na presença do mal.

-Oui! De ce que je vois, eux aussi, un galant homme - Repentinamente ela diz num riso debochado.

Por Deus, ainda mais essa? Não sabia dos seus motivos ao tomar-me por um galanteador. Não, não era, e mesmo que houvesse alguma verdade em suas palavras, juro,  jamais imaginaria sê-lo para qualquer ser das profundezas. Finda sua sentença ela se levanta da poltrona e eu estremeço estupefato diante da realidade, pois sua corpulência é atemorizadora e ao ponto  de reconsiderar as questões da minha antes supremacia mácula. Talvez estejam tão confusos quanto eu estive à frente da diaba com a estatura de um pivô do basquete norte americano,  ou seja, coisa superior aos dois metros de altura.
Eu a olhava incrédulo, porém no quesito tradição trazia no corpo a coloração vermelha, assim como narram bem narram  livros. Inacreditavelmente eu via o tom encarnado e que se assemelhava a cor dos bólidos da Ferrari. Aquilo só podia ser sonhos, aliás, pesadelo, entretanto parecia não ser, já que belisquei o meu braço com vigor e senti a dor das unhas me penetrando a carne. Porém há algo de extraordinário naquela diaba, e finco as vistas no mal e noto que ela está nua da cintura para cima, e o seu tórax é largo e musculoso,  e nele ela ostenta dois de seios fenomenais. Atônito olho abaixo do quadril  e de lá nascem duas longas pernas  esplendorosas, e na junção delas, no alto das coxas um  pequeno e libidinoso triângulo se deixa exposto, e é linda e sensual sua minúscula calcinha negra e transparente, onde nas bordas sobressai a delicadeza dos rendados carmesins.
Óbvio, o insólito me excita, no entanto me mantém apreensivo;  O que ela poderia pretender comigo? E ainda assim, praticamente nua?  Logo, mesmo que temerários,  meus olhos acastanhados não desistiram dela, afinal me sentia hipnotizado, seduzido.

No imprevisto do momento os céus declararem guerra e novos estrondos acompanhados de potentes faiscares  iluminaram a sala de uma alvura que me cega os olhos, e assim que  me acostumo com a claridade detalho-lhe o  rosto de feição quase angelical. Em estado de torpor percorro cada milímetro das linhas das faces e acima, na testa, noto-lhe a pele vigorosa e enrugada, coisa que me faz relembrar os reptis quelônios aquáticos Persisto afixado na figura e são parte da sua anatomia dois pequenos chifres, e eles brotam acima da testa. Nos mantemos  impassíveis, olhos nos olhos, e ela suspira calmamente e vem em minha direção. Cravo-me no no seu corpanzil avermelhado e me assusto, e antes ela não tivesse vindo, pois agora sou o alvo dos clarões, e ela me flagra, humano, limitado, e os sons provenientes da tempestade são grotescos e temerários, e eram como antecipassem que poderia aprisionar-me nas ardiduras das chamas eternas.
O meu pavor se torna  latente quando a diaba encosta os seus seios em mim,  e com mãos firmes comprime as laterais da minha cabeça, levando a minha boca na direção do seu mamilo esquerdo.

- Suck, maintenant! – Ela ordena em tom bravio.

A voz é magnânima e eu me rendo ao poder, pois estraria  numa fria  se não acatasse suas determinações. Evidente, seria bom ser macho o suficiente e dizer um não ao diabo,  inclusive, quem não exultaria ao negar algo ao demônio?  Pois é, eu regozijaria! Entretanto deixei-me levar e sucumbi a minha boca no bico do seu peito, afinal, seios para mim sempre foram irresistíveis. Ela sussurra ao retirar um das mãos da minha cabeça e acariciar a aureola do mamilo direito, e ele eriça,  e ela o enfia bruscamente em minha boca e comprime minha cabeça obrigando-me a sugá-lo com apetite. "Oui..oui" - Ouço a devassidão gemer.
Ah! Eu adorei o seu "Sim..sim" naquela atmosfera que me fez imaginar a primeira das minhas mamadas no seio de mamãe, apesar de não ter sido necessário esticar as pontas dos pés para alcançar o seu seio, assim como sou forçado a fazer agora. E minha boca causa estalidos e me  sinto selvagem, porém prevenido, logo, não perco qualquer reação em seu olhar, já que provavelmente estaria em maus lençóis se demonstrasse insatisfação com o desempenho.
E assim permanecemos por ali, e não era  fácil controlar as sensações que me invadiam, pois dosar a excitação e a razão numa situação é tarefa das mais árduas. Repentinamente em meio à sugada ela rosna:

-De moi!  De moi! - Por Alah! agora os seus sussurros abandonavam a boca e eram guturais. Ela encosta tudo em mim, pernas, peitos, nariz, e resvala em mim  um animal no cio, expulsando e recolhendo freneticamente a língua e a enfiando em minha boca.

Eu acuso os sinais e noto claramente que é o momento que a diaba quer ser possuída,  pois conheço as a natureza libidinosa de grande parte das mulheres. Entretanto não esperava aquela reação essencialmente humana, e nem a respiração ofegante num peito que arfa devassidão. É o supremo instante da excitação, e ela me puxa pela gola do pijama flanelado e me leva à direção da alcova. Estamos ao pé da cama e ainda sou refém da sua mão firme quando ela nos atira sobre o leito. -  Ploft -Escuto o rouco som e o baque dos nossos cair, fazendo ranger as molas do colchão. Agora estamos deitados e à cabeceira da cama, eu olho para as nossas pernas e sinto uma sensação de incredulidade ao notar a parte inferior das suas pernas estão fora da alcova. Repentinamente o pavor se instala em mim, pois ela percorre o meu corpo com as mãos, e elas parecem maçaricos fundindo cada parte minha numa sensação de estar sendo tosqueado vivo, assim como Joana D¨Arc. Sintomaticamente olhos para as minhas peles e não há qualquer sinal de queimadura, e isso me alivia, logo, partimos para as preliminares e ela me acaricia e me diz impropérios, palavrões ecoando no  no ar, coisas que fariam enrubescer Brigite Bardot. Talvez fosse delírio, e era irrestrito, pois ouvia os acordes da tórrida "Je Taime"  uma canção dos anos 70, de Jane Birkin, onde ela simulava a cópula num enredo que falava de amor. E o demônio persistiu com o seu linguajar chulo, e vociferou que eu era um "filha da puta" - "gigolô barato" - "safado" - "cadelo"  e depois me ofendeu com algo sem precedentes e que escutei claramente - "Seu prostituto de jardim de madame"-  Jamais alguém havia se referido a mim naqueles termos, portanto a minha vontade foi a de rir, porém ante a  possibilidade de ser remetido às saunas do inferno, num contragosto, achei melhor refrear.

E pensei naquelas agressões, e se talvez o jogo de palavrões fosse a demonstração da fome do predador, fome que eu não tinha certeza se estava ou não saciando-lhe. Sim, aquela diaba era a minha caçadora, e elas mordiscava meus lábios e eu sentia o hálito fervente, e ela passava a língua neles quando num movimento brusco com as  mãos  libertou-se da calcinha, estraçalhada num único puxão. O surreal continuou, e me sentia seduzido ao contato daquele  corpo carmim, e seus toques continuavam, assim como a quentura nos seus dedos, eu, um ser humano, um pobre pastel de palmito  no tacho de óleo fervente, se é que seja possível a comparação. Ela parecia excitadíssima, blasfemava coisas quando num lépido movimento de corpo e  com a agilidade dos braços içou-me  sobre ela, estirando-me por sobre o seu corpo. Então fincou as pontiagudas unhas em minhas nádegas, e tive vontade de gritar, mas não gritei, enquanto ela falando uma linguagem que agora eu não compreendia trouxe-me para dentro dela, e assim o meu pênis a penetrou numa única e dolorida estocada.

-Aiiiiiiiiiiiiiiiii combien c'est merveilleux! – E ela urrou ao contato.

O corpo da diaba fremia, e amparando as costas no colchão e meneando a cintura subia os quadris com  movimentos vigorosos, e eu la,  me sentindo um desses brinquedos de parquinho de diversão, gangorra, ora subindo, ora descendo, um elevador de cargas sendo acionado, abaixo,acima, eu, um reles  boneco  "João Bobo" indo e vindo, indo e vindo, de pau duro.

-Ohhhhhhhhhhh! – Ela grita e o seu estremece ante o ápice que se aproximava. E os trovões ecoam mais ensurdecedores, e os focos de claridade parecem holofotes iluminando o mundo. Repentinamente ouço o  "Aiiiiiiiiiiiii"  e ela se contorce num gozo de brasas, consumação de ato, o dela, mas não do meu, pois eu apenas me esquentava quando ela gozou. Olhei para ela perplexo; jamais poderia imaginar que os diabos sofriam de gozo precoce.

Após o orgasmo apenas remexeu os quadris fazendo-me escorrer de cima dela, aninhando-me ao seu lado. Depois retirou um cigarro do meu maço e o acendeu com a ponta do dedo médio e deu uma longa baforada. Olhei atento para a  novidade, afinal, jamais desconfiaria dos demônios, cigarros e isqueiros, assim como nunca suporia das humanidades que envolvem essas bestas, e nem que seriam capazes de deixar nossos paus em brasas e doloridos, e o que é pior; sem jorrar uma única gota de gozo.
Enfim, ato concluso procurei demonstrar toda a calma do mundo ao pegar o papel higiênico e limpar o pênis  de uma gosma esverdeada que o envolvia e que se expelira de dentro dela. E eu olhava para a coisa gosmenta com certa repugnância, porém surpreendeu-me  repentinamente o odor que se alastrou no ar. Olho novamente para o meu pau e sorrio, pois acabara de  descobrir a fonte do odor agradável, a  fragrância deliciosa, coisa  bem  par ao ao perfume J'Adore, da Dior.

 Ela permanecia tranquila, e  eu, agora mais aliviado sentei-me à cama, decepcionado por não ter "chegado lá". Entretanto eu estava orgulhoso e honrado, pois não acho que seja comum a qualquer mortal levar o demônio ao orgasmo. Portanto, diante deste trunfo os meus medos amainaram, apesar do ainda desconforto com a altíssima temperatura. Imitando-a e  retiro um cigarro do maço e  abrindo mão do seu dedo-isqueiro faço uso do meu  Bic e dou uma boa tragada. A diaba permanece em completo silêncio, algo que parece sugerir paz. Decepciono-me, pois acreditava que teríamos um bate papo descontraído após o orgasmo. Não não teve e isso me lava a  concluir que os os demônios não são chegados numa conversa após atingirem o clímax. E o enigmatismo seduz, e eu olho de soslaio sem saber exatamente o que  falar ou como deveria proceder. O que poderia ser tentado numa situação daquelas? Ser agradável, simpático e puxar um dedinho de prosa? - Talvez os diabos gostassem que falássemos das coisas que se exploram numa relação sexual. Sim, eu poderia falar de fatos estupendos, das sensações que senti com ela. Poderia encher a sua bola, dizer sobre o quanto me excitou seu delicioso par de seios, aliás, seios que mais se assemelhavam a melões fartos e suculentos. Não! talvez fosse vulgar demais, ou então poderia me esforçar na tentativa de lhe parecer poético, falando dos odores perfumados que se exalaram da sua ardente vagina. Poderia falar de Dior, J¨Adore, ou quem sabe do Chanel 5, se assim ela preferisse o perfume. Não, melhor não, talvez eu estaria sendo demasiadamente pessoal, e isso os demônios provavelmente não gostam.
Bem..diante tanta dúvida procurei ser o mais trivial possível:

- Então.,..dona diaba, é assim, todos os demônios são franceses? - Perguntei para ela. Ela apenas me olhou, franziu a testa enrugada e persistiu no silêncio. Como nada respondeu, achei que havia tocado num assunto desinteressante. Tentei focar-me noutro questão, talvez lhe parecer espirituoso. Então mandei ver:

-Por acaso os diabos praticam  Board Jump na Torre Eifell? –   Claro, era uma tentativa, válida,  minha e do meu sofrível francês, óbvio,  acompanhado dos meus sorrisos insinuantes. Novamente ela me olhou e se abrigou na clausura do silêncio.  E assim ela permaneceu por um bom tempo até que, repentinamente se manifesta:

-Par chance saviez-vous que Dieu est brésilien? – Questiona-me à queima-roupa.  Abismei-me! Eu acreditada que somente os humanos tinham as características de relacionar nada com nada, dizer monte de asneiras, abobrinhas. Inacreditavelmente o demônio acabava de me perguntar se eu sabia que Deus era brasileiro! - " Deus, um brasileiro? - Perguntei-me.  Fiquei pensando naquilo por alguns segundos, e talvez ela tivesse razão. Será que Deus poderia ter nascido nascido em Maragogi. E por que não? - Concluo o pensamento vestido das incertezas inerentes aos humanos..

Eu a olho perplexo, e surpreso sinto a minha perna direita em chamas. Olho para ela e definitivamente ela está em chamas,  porém ajo rapidamente e abafo o fogo com uma toalha que estava ao lado e sob a cadeira. Olho para a perna e admiro-me, pois não havia marca de queimadura, mas apenas o nauseante cheiro de pelos queimados. Sem estragos maiores continuamos silenciosos ao tragar nossos cigarros de brasas amenas. Na tentativa de lhe parecer calmo, tranquilo, eu  abri meus maxilares e deixei com a boca apenas um formato ovalado por onde se expelia as fumaças, e elas se expeliam redondas, e nessa condição rumavam ao teto do quarto. Me aproveitava para olhar as bolinhas de fumaça para arriscar, vez ou outra,  um rabo do olho naquele corpo espetacular, capaz de enlouquecer o mais pacato dos cidadãos. Por alguns instantes ela fechou os olhos e se aprisionou dentro de si como em estado letárgico. Agora giro minha cabeça e a olho com mais firmeza e seus olhos estão cerrados, e talvez ela pensasse em nosso mundo e nessa globalização perdida entre crenças e fanatismos. Talvez para ela o planeta Terra fosse surpreendente e as pessoas tão tresloucadas que, conseguiam de certa forma a  interação entre elas, assim como são alcançadas  entre Deus e o Diabo, e nós éramos prova disso. Enfim, jamais saberia o que poderia estar ocorrendo em sua mente, aliás, se é que estivesse passando algo.

Terminando o meu cigarro acendi outro na própria  bituca enquanto ela amassava o seu  num cinzeiro de louça ali mesmo, apertado, na pequena mesinha de cabeceira. Foi esse o instante que ela virou para o lado e olhou pra mim e abraçando-me  sorriu de forma tão doce que, ocasionou-me perplexo ao ter, agora, a mais absoluta certeza que os demônios são abastecidos de sensibilidades.
Em seguida retornou para o  seu estágio  meditativo enquanto eu fiquei a matutar sobre a razão de tudo.
E ao questionar me fiz muitas perguntas; Será que morri e não fui avisado? Será que isto é um sonho, ou o pesadelo que se dá após a morte?  Não! Talvez não fosse nada disso e sim  a a minha solitude, abrangente, exacerbada, sempre a me causar síndromes, delírios, e talvez convulsões que nem próprio lembrava.
Entretanto nada disso ocorria, pois o calor ardia em minha pele, e era demasiadamente real e quente para deixar de ser verdadeiro. Novamente olhei para o par de seios e os depilados pentelhos avermelhados logo abaixo do ventre, e sorri; Será que a “coisa ruim” estava ali, atrás da minha alma? Será?
Mas...Se veio com tal finalidade não tardará a me fazer alguma proposta na qual leve vantagem, afinal os demônios são espertos demais - Concluí-

Desviei dos pensamentos e desviei o olhar dos seus peitos e me concentrei no rosto que ainda se mantinha em  estado de êxtase. Talvez ao retornar do transe quisesse me possuir novamente, pois que com o demo não se brinca, pois nem lhes lhes conhecemos as vontades. E pensando dessa forma me mantive atento aos seus movimentos. Agora, analisando por outro lado existia a  possibilidade de que tudo não passasse de ilusão proveniente do excessivo consumo de álcool, já que a garrafa de vodca que abri por volta das cinco da tarde estava ao lado da cama, vazia. Outra vez voltei meu olhar para a estante e o cravei no enigmático e horripilante Buda; O que ele poderia me dizer?  Quem sabe ele fosse camarada e me dissesse que eu estava atormentado, vivendo realidades que só existem na mente dos esquizofrênicos, dos arrasados pelo transtornos dos eventos do sono, pois há um bom tempo não dormia mais que duas horas e meia consecutivas. Lá de onde estava, o Buda continuou nos olhando contemplativo, e dessa vez ele me pareceu um bom camarada. E insisti e continuei a olhá-lo, e ele me transmitia paz, imensurável, algo que antes causava-me  pavor, mesmo que incompreensivelmente. No entanto ele e a sua bondade continuavam nada dizendo, nada sabendo, e ele tanto quanto eu, diferentemente do diabo que ali estava,  nada sabíamos.
Eu me sentia exaurido física e psicologicamente, e agora o sono me pegava e meus olhos pesavam, já que era preciso dormir, e me sentia na paz.

E outra! O que eu poderia temer? Nada! Pois até o diabo abrira mão da empáfia ao insinuar que Deus é  brasileiro. Poderia alguém afirmar que a história entre Deus e Diabo não é algo manipulado para causar pavor ao homem, aos cristãos manipulados pelo medo do fogo eterno? Quem poderia afirmar ou negar com a mais absoluta das convicções que o Diabo não seria  o lado obscuro de Deus?
Quem? Afinal, não existe o bem e o mal?  Não é certo concluir que muitas fatos divergem enquanto outros são tão nítidos quanto ao amor concebido entre mãe e cria ? Não são esses os fatos dum conjunto que ocasiona e dá certo sentido a existência? Por acaso não somos amor , ódio, brancos, negros, ricos e pobres? Não amamos o doce, convivemos com o amargo, tanto quanto estamos benevoleantes  e mesquinhos, heróis ou covardes? E então, não poderemos concluir que  o bem e o mal sejam unos, interligados no agir e conforme convêm cada situação?
E eu? Por acaso não posso estar  levando vantagem sobre os demais da minha espécie? Sim, posso concluir que que sim, pois não creio que os demônios andam propondo a fila indiana aos mortais para uma trepadinha grátis! Não, é óbvio que não, pois mesmo que não eles e eu não joguemos no mesmo time, foi assim que um deles veio e me legou um punhado de paz.

E era o que concluía e meus olhos pesavam quando a  Diaba deu um salto da cama e se colocou em posição ereta ao lado da estante, bem próxima à complacência do Buda. E ela se postou diante de mim, e era enorme e estava linda, ela e seus peitos empinados vermelhos! Ela e suas  pernas grossas e sem  varizes ou estrias.
O demônio apenas sorriu e sua voz soou grave e sensual, algo que me fez relembrar a gostosíssima Marilyn Monroe sussurrando uma canção de  aniversário para o então amante, presidente Kennedy. E a diaba agora cantava a sua, além do mais, mundialmente conhecida.

- Allons enfants de la Patrie Le jour de gloire est arrivé ! - Era cantou maravilhosamente  a Marselhesa, o hino nacional da França.

Depois disso desapareceu no ar como se fosse um truque de David Copperfield, um mágico que às década de 80/90  invadiu os televisores do planeta terra para fazer desaparecer fatos materiais, inclusive aviões de carreira. Claro, era um belo truque do mágico! Aliás, tudo nessa vida é nada mais que truque. E você é um truque, eu sou truque, e a existência é apenas a mais perversa e deliciosa das mágicas, e ela faz surgir a alegria para depois perpetrar-lhe sofrimentos com a mesma singeleza que se pede um guaraná em balcão de bar. E é esse o meu e o seu legado, é a herança da vida  sendo partilhada para a raça humana, onde alguns de mais sorte poderão ficar com a melhores fatias do bolo. Logo, faço um gesto à frente do buda, mas minhas mãos não são mágicas, assim não lhe concedem vida, mas estou sonolento, e ele me parece recíproco ao me olhar com ternura. E sua expressão cerâmica é afável, o que me faz olhá-lo de outra forma, pois talvez a falta do sono tivesse me tornado intransigente e inacessível.

Enfim, estas coisas são de um sujeito cansado e relutante em acreditar nas cenas ocorridas, pois talvez não passassem da mais deslavada das mentiras, ou mesmo a  imaginação fértil que faz delirar um notívago destroçado pela falta do sono. Porém, mesmo que truque fosse é certo que o próprio David Copperfield poderia explicar  passo a passo  todas as cenas desfiladas diante do olhar meu e do Buda. Entretanto e o mais provável é que David Copperfield  naquela hora estivesse em sua mansão de Malibú aproveitando os primeiros raios do sol em sua piscina olímpica. E mesmo levando em conta a diferença de nossos fusos horários é como se eu pudesse vê-lo sentado à borda com os pés imersos na água, e ele  num ridículo e fosforescente short verde limão com listras laranjas bateria os pés e espirraria água para os lados diante os surpresos olhos dum Garfield estampado em sua alva camiseta.
E isto posto, o mais correto me seria ter a certeza que o mágico jamais perderia o seu tempo com um desregrado como eu, que, além de ter sentido aversão pelo pobre Buda, ainda sairia por aí alardeando à boca grande que andou copulando com o demônio.

Portanto apago as luzes e  penso na trepada com a diaba e sorrio de tudo. Loucuras ou verdades desfilaram ali, ou não. E com os olhos praticamente fechados e a mente entorpecida de incertezas é que encosto e apoio o corpo na estante e procuro a imagem do Buda com as mãos.
Ao achá-lo acaricio as suas formas arredondadas e estalo um beijo em sua lisa calvice de porcelana.
E a cúmplice negritude da noite predomina, no entanto seria capaz de apostar que, se repentinamente  acendesse a luz  flagraria o gorducho com um risinho sonolento e de paz cravado no rosto.
Ainda tateio a protuberante barriga da estatueta e dou graças a Deus e ao Diabo, pois agora sim tinha a plena certeza que seria brindado com uma exuberante  noite de sono.

-Boa noite! Um beijo na bochecha e na baita bunda balofa do bondoso e bolachudo Buda! -

Digo para ele num sorriso que não lhe mostra os dentes,  pois certamente eu era o idiota que, vez ou outra gostava de brincar com uma única letra e com elas formar as frases. Evidente, um tipo da frescura que só cabe na mente dum sujeito notívago e sem muita noção para as coisas.

-Tudo bem, eu sempre fora um desmiolado mesmo! Admiti em alto e bom som ao atirar-me à cama e outra vez cobrir o gélido corpo com os três acolhedores cobertores.



Copirraiti 21Jun2011
Véio China®

terça-feira, 14 de junho de 2011

O Sr. Kasparov, meu neto e um Surfista Prateado

-Dad, sabia  que sempre eu penso em Nossa Senhora com um manto cor de rosa e calça jeans? Geralmente a imagino  em cima dum palco com focos de luzes, assim como  num show de rock.

Esse era meu neto, Jean-Paul, 12 anos. Minha filha Dynáh escolhera esse nome em homenagem ao grande filósofo Jean-Paul Sartre, de quem era fã e ávida  leitora. Dynáh sempre fora inteligentíssima (QI 148) Portanto, nada mais óbvio que Jean Paul, mistura genética com um pai de QI 154, fosse algo próximo à genealidade. Talvez,  Dynáh já o tivesse pressentido através dos carinhosos mimos de suas mãos na enorme barriga dos tempos de gravidez.

-Mas.. Jean Paul, veja, Nossa Senhora não é  popstar como a Madona,  muito menos uma estrela do mundo do rock – Contestei

-Ih vô! Numa dessas minhas viagens aposto que não vai querer saber  dos lugares que vi Jesus percorrendo...

Claro, o bom senso dizia-me  que não deveria questioná-lo dessa vez. As suas  reticências e o ar vago e maroto  deixavam-me vaga impressão dos locais por onde ele fizera o filho de Deus transitar.

E assim era com Jean Paul, onde sua criação excessivamente católica viera com as fraldas e o limpar de bunda, herança herdada do meu genro, um rico industrial na área da informática.
Paradoxalmente, minha filha, agora também  afeita  ao catolicismo, esquecera de suas crenças antigas em clara oposição aos seus filósofos favoritos,  mas em comunhão com Antenor, seu marido,  um católico praticante e que sempre teve ótimo acesso ao pároco. Convem ressaltar que meu genro  jamais agiu com mesquinharias  nas doações feitas para a Igreja do bairro, independentemente de jamais fechar os olhos para alguns fatores que ocorriam naquela igreja e com o padre Luisinho,  tal qual o habito do religioso trocar o modelo do automóvel todo o santo ano. Evidente que eu me questionava quem poderia estar arcando com esses gastos. Claro, crentes, os fiéis afirmavam que essas despesas eram bancadas pelo Vaticano. Porém, cético, sempre desconfiei que o dinheiro do Antenor estava  metido no meio nessas aquisições..

E assim foi que, cercado de religiosidade  por todos os lados praticamente não restou alternativa para Jean Paul que não fosse aceitar a imposição dos pais para que de trilhasse o caminho da fé. Fé que ajudei a desvirtuar ao transportá-lo no tempo e aos caminhos pregressos da minha revoltada juventude. Comum era desviá-lo da rota  cristã ao contar-lhe parte das minhas estórias  mais amenas ou fazê- lo cadenciar o par dos seus pezinho 38 sobre o tapete persa do Antenor.  Naquelas ocasiões e para seu delírio,  no mini system colocado acima  da minha mesinha de cabeceira eu desfilava para ele os pesados  rocks progressivos, principalmente os das bandas The Who,   Led Zeppelin, Pink Floyd entre muitos outros. 

E aquele maroto de inteligência formidável assimilou tudo de forma rápida e precisa às custas de alguns dos DVDs das minhas bandas  favoritas. Devido a alguns filmes antigos que ele ele aprendera a dar os pulinhos iguais ao do  Pete Townshend e do Angus Young. E eu me divertia ao vê-lo curtir um som e atravessar o quarto empunhando a sua guitarra imaginária, saltando pra lá e pra ca com as pernas ora dobradas para um lado, ora esticando-as para o outro  numa  perfeita imitação dos seus ídolos. Nada incomum também eram os momentos onde as delicadas mãos de minha filha batiam à minha porta com toques apreensivos e que sugeriam um demasiado nervosismo: “Ô pai, não vá me dizer que senhor tá induzindo o Jean Paul a ouvir esse barulho dos infernos?” –  Evidente, esses  lances da Dynáh quebravam completamente o  nosso barato, e o que me obrigava a diminuir consideravelmente o volume. Depois, claro,  eu  ria dessas passagens.  Mas o que as batidas de Dynáh não conseguim impedir era a minha cumplicidade para com aqueles pequenos delitos de Jean Paul. Delitos esses que nos aproximavam ja  que seria improvável que ele praticasse aqueles "absurdos"   na presença dos pais.

-Dad, eu não sei se você sabia, mas... Platão desenvolveu uma teoria que foi esboçada no Mênon: A teoria da reminiscência –  La vinha ele com suas afirmativas num descolado sorriso. Óbvio, eu saquei que ele estava  pretendendo me gozar.

-Mas... que merda quer dizer isso,  eim sabichão? - Ele riu divertido com a complexidade da minha frase.

-Ah, é assim, vô: A gente nasce com a razão e as idéias verdadeiras. E aí a Filosofia nada mais faz do que nos relembrar dessas idéias. Isso é conhecido por maeutica, entendeu? – Ele afirma com um olhar de sabe-tudo.

-Ah sim...agora que entendi! Bem, mas como eu diza.... – Rapidamente eu tentava abortar aquele seu lero-lero

Eu não suportava aqueles momentos em que Jean Paul  cismava de desfilar a vidas dos filósofos, os seus amores, as suas desilusões e até as suas mortes singulares. Pra falar a verdade eu achava aquilo tudo um porre. Portanto só me restava livrar-me dos bocejos ao tentar desviar a sua atenção.  Sem dar tempo pra ele raciocinar, impostei a voz e mandei brasa:

-Diz aí pirralho sabe-tudo! Quem foi o “Surfista Prateado”? – Eu jamais fora homem de levar desaforo para casa. Era olho por olho, dente por dente.

-Surfista o que...? – Ele questiona com olhos esbugalhados. Parecia que eu estava lhe perguntando sobre caramujos tailandeses.

Claro, compreensível que ele não soubesse me dizer.  Jean Paul jamais poderia saber do “Surfista Prateado”. Evidente, meu neto desconhecia que eu me referia a uma  leitura do meu tempo de ginásio. Foi então que pacienciosamente expliquei para ele que o "Surfista Prateado" fora um herói de uma revista em quadrinho e que dava conta que ele viera  de uma outra galáxia  a mando de um dos chefões do cosmos com a finalidade de devorar a Terra ( Os seus olhos se arregalaram  quando citei  que ele viera devorar a terra) Mesmo diante da sua reação continuei esplanando que o super-herói levitava  na sua prancha prateada e que se encantara com a nobreza dos sentimentos terrenos. E em se encantando  ele resolvera permanecer entre os humanos, travando guerras contra todos os tipos de mal e crueldade.
Talvez com o tempo o meu neto pudesse compreender que a minha predileção por aquele super-herói se a atrelada ao seu perfil psicológico; um super-herói nostálgico, solitário, e excessivamente melancólico. Evidente, eu e o Surfista tínhamos tudo em comum, exceto o fato de eu jamais ter sido um super-herói.

Foi então que Jean Paul com cara de pouca surpreso e concluiu: - Ah sim.. Então esse que é o tal  Surfista Prateado.. .Nossa, nada punk!

Porém os seus olhos e atenções estavam distantes daquilo que eu falava. Foi quando tentei penetrar naquele nos seus  olhos azuis como as águas do oceano Atlântico. Como era de se esperar, não consegui.  Não conseguindo levei-me a concluir que por mais qu tentasse jamais flagraria Jean Paul interessado por esse tipo de coisa. Ainda mais para alguém como ele; um apaixonado por mitologia grega, culturas milenares e tudo aquilo que se distanciava de minha parca intelecutualidade.

-Ô vô! Mudando de assunto... Já ouviu falar duma tal de Maria Madalena? -  Ele desconversou, provavelmente insatisfeito com aquele papo de super-herói. Porém o sexto sentido me sinalizava que ele estava prestes a me colocar numa outra fria.

- Ah...Cê ta falando daquela da bíblia?

-É! Essa mesmo, vô! - Ele confirma.

-Sim... O que  sei que é ela foi uma prostituta, e que queriam apedrejá-la. Mas sei também que Jesus interviu à tempo – Confirmei convicto. Peguei o bandido! Dessa ve eu tinha a história e a bíblia a meu favor.

-Bem, vô, até que enfim você acertou uma...  Mas...se disser que Jesus Cristo fez aquilo porque estava com outras intenções na cabeça, o senhor acreditaria? - Dito, ele me fez a cara mais sacana que um safado de 12 anos poderia  me proporcionar.

Atônito ao ouvir tal despautério minha boca ressecou e eu mal consegui piscar.

-Como assim? Que leviandade é essa seo  moleque sem-vergonha, safado!  - Seus olhos se assustaram com a rispidez da minha reação.

Horrorizado abro a porta do quarto e vocifero:

-Ô Dynáh! Vem tirar esse demônio daqui! - Minha voz ecoou pelo corredor, forte, irritada, absurda.

Ouço os saltos altos de Dynáh, e eles estão a caminho, mas o danado, esperto, nem esperou a chegada da mãe. Quando dei por mim ele subia em desabalada as escadas que davam acesso ao seu quarto. Provavelmente la dentro e em seu notebook de última geração ele travaria uma feroz batalha virtual contra um poderososo software de xadrez desenvolvido com  as complexas informações  do lendário  Gary Kasparov.

-Que foi pai? O que o Jean aprontou dessa vez?

-Ah filha! Nada não. Bobagem! - Desconverso.

Dynáh me olha com ar de repreensão. No mínimo me achava um tolo por tirar sua atenção de algo que deveria estar fazendo. Eu olho para ela ao se afastar e sinto um imenso carinho por aquela figura femina. Ela some pelo corredor e adentra à biblioteca e eu penso no meu garotinho;
Eu não me surpreenderia se ele desse uma boa sova no programinha daquele russo metido à besta.

-Xeque Mate! - Exclamo para as paredes e uns poucos quadros à óleo. Atrás da porta, num poster envelhecido, Janis Joplin me olha, esquizofrênica.


Copirraiti 13Jun2011
Véio China©

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Subterrâneos

-Paizinho, sobreviveremos a Junho? – Ela pergunta

O senhor Onadia a olhou enquanto pensava sobre o que poderia ser compreendido nas divagações da garota. Ele sempre soube que as perguntas eram mais difíceis que as respostas, ainda mais para ele, que andou bons pedaços da vida metido em situações que jamais se equacionaram.
De toda forma se recordou que ela surgiu numa bela manhã de Maio. Naquele dia a brisa acariciava o seu rosto enquanto o sol e as cores das ruas tornavam a vida com algum sentido. O sorriso da garota resplandecia e iluminava parte dos seus subterrâneos. Subterrâneos que sempre foram a sua vida. Não que ela fosse plena em amargura, tristeza, porém, insensível, não dimensionando as emoções que o cercavam, apenas obrigando-o a se conformar com a monotonia excessivamente linear.

-Paizinho, sobreviveremos a Junho? – Ela insistia

A pergunta, pelo tom, travestia-se dramática e desafiadora, mas ele não quis decepcioná-la. Realmente não tinha a certeza se sobreviveriam a Junho. Por milagre estavam superando aquele Maio, mesmo que creditando-o a uma força superior.
Sim! Sabia também que milagres aconteciam, e mesmo que raros, numa proporção de um por milhão pretendeu supor que ele poderia ser essa chance. Todavia, calejado, jamais contava com a sorte e não desconhecia que as possibilidades daquele relacionamento dar certo eram as mesmas de na marca do pênalti tentar fazer o gol do campeonato chutando uma bola de concreto.

Nela, um ar jovial e as impacientes mãos na cintura tornavam-na algo peculiar. Tão incisivo quanto a pergunta, em seu rosto sobressaia a maquiagem de tonalidades fortes, azul e algo rosáceo. No corpo a justa calça de jeans delimitava as formas perfeitas e um bumbum empinado. Ele apenas continuava a olhando e sorrindo com ternura. Ela tinha idade pra ser sua filha. O que ela poderia ter visto ou sentido por ele?
Em todo o caso tudo estava ocorrendo da forma que imaginara. Sabia que mais cedo ou mais tarde surgiria nela algum outro interesse que revigorasse as batidas do seu jovem coração. Ele podia pressenti-las. Via no olhar daquele rosto quase juvenil e ainda sem as marcas do tempo toda a esperança que era de direito aos jovens, apesar da pouca experiência.
Nada, absolutamente nada fugiu-lhe ao script ou se furtou ao seu comando. Tudo era tão óbvio e previsível como naquela manhã de sol quente e de ruas coloridas quando se apaixonou por aqueles enormes olhos castanhos.

A garota se impacientava pela resposta que não vinha. Então ele levantou os braços e os deixou cair desleixadamente ao pronunciar, sereno:

-Filha, to me guardando para quando o carnaval chegar!

Ela o olhou surpresa. Chico Buarque também o olharia. Ambos jamais o compreenderiam. E Chico, principalmente, talvez até por jamais se ver metido em questões daquela ordem. Contudo e ao fim ele sabe que o senhor Buarque teria sorrido e lhe pagado uma cerveja estalada antes de voltar a cuidar dos seus próprios problemas.

A garota permaneceu atônita com a conclusão. Além do posicionamento não lhe fazer sentido, era ela necessariamente jovem a ponto de não perceber que era nela que as respostas se acomodavam.

E, o senhor Onadia continuou a olhá-la em seu desconforto. Ele sabia que os subterrâneos o aguardavam ansiosamente e com certa saudade. Talvez, numa relação quase que sado masoquista, ambos, ele e as profundas colunas de si se apegaram um ao outro. Era passada a hora de retornar. Ele compreendia perfeitamente que ficara tempo demais exposto ao sol, e que isso poderia matá-lo
O senhor Onadia encaminhou-se para o pequeno bar anexo à sala e de la retirou dois copos e os completou com Jack Daniels. Para ele sem pedras de gelo, para ela, três.
À princípio tocaram seus copos e depois ele içou os braços no nada e brindou:

-Tim tim, meu caro Chico!

Após o brinde inusitado ele persistiu sorrindo enquanto a fantasia em sua mente desvairava a ponto de vislumbrar ali o Sr. Buarque com cara de bons amigos, mesmo que sem entender os seus motivos. O senhor Onadia continuou sorrindo daquele seu jeito, como se no momento pudesse alçar Chico e dar-lhe um abraços dos mais amistosos.
Ao fim do drink os três entenderam que era a hora do adeus. Toda a ternura no mais doce dos seus beijos selou a despedida. Em seguida a musa de Maio choramingou por alguns instantes e se foi. Não havia o amor, é claro, mas toda despedida causa algum tipo de dor. Eles o sabiam.
Sozinho agora, o senhor Onadia serviu-se de mais uma das várias doses do uísque que tragaria naquela noite de alguma tristeza. Era o processo de retorno para dentro de si por atalhos e rotas que somente ele conhecia.
Seus subterrâneos se mantinham risonhos, dolorosamente.


Copirraiti 09Jun2011
Véio China®