sábado, 27 de agosto de 2011

100% Virtual

Conversávamos eu e meu amigo num bar. Ele parecia preocupado comigo e eu nem sabia extamento o por que. Era-me estranho sentir aquele cuidado todo. Enfim, talvez o avanço de minha idade preocupasse o garoto. Talvez ele tivesse receio que duma hora pra outra eu batesse as botas espumando bebida entre os lábios, desabando e lambendo o chão como o mais vadio dos cachorros. Eu esvaia um gole dos grandes do meu terceiro Bloody enquanto ele há um bom tempo sorvia suas  doses conhaque, rebatendo na outra, misturando à cervejas e cu de burro (suco de limão e sal). Sua voz soava pastosa, ébria, macilenta:

- Veio, está na hora de parar com isso.

-Com isso o que, AVG, com a bebida? – Indaguei.

-Claro que não, porra! To falando dessa tua virtualidade exacerbada.

- O que? Minha virtualidade exgerada? De que Wikipédia você ta falando, cacete?

-Uai! Só não vê quem não quer. Você não se tornou incólume a ela, não se safou ileso dela – Ele se achega curvando o corpo sobre a mesa e sussurrando como se segredasse algo.

Claro, o meu amigo era um desses garotos chegados num português cheio dos tre-le-les. Aquilo até que não me aborrecia. Eu gostava dele e o achava engraçado, principalmente quando se embebedava.

-Ué, não sei por que Mozilla você cismou com isso, Maicon!  

Ele me olha por alguns instantes e pensa. Os seus olhos apesar de bêbados mantem ainda o brilho de alguma esperança, coisa,diga-se de passagem, há muito não visto nos meus.

-Bem... o que eu quero dizer, Veio, é que acho que você está carente de realidade. Sabia que seios e uma vagina bem lavada e depilada fazem um bem danado prum homo sapiens de pênis?

Eu achei divertida a sua colocação. Dito, retorna para a posição de origem na cadeira. Ah sim! Sobre Maicon nunca seria demais dizer que além daquele seu palavreado cheio das nove horas, era ele um sujeito chegado numa assepsia absurda, quase intolerante até.
Claro, naquele estado ele jamais poderia se lembrari que um ano anos antes, numa noite de inverno em que nos afundávamos num louco porre de vodka e cervejas, ele, com o dedo em riste e o corpo desgovernado levantára-se da cadeira e do nada discursou:

-Não existe um único bucéfalo neste recinto que me verá desfilando com uma dona em fase excreta de  fluxo sanguíneo mensal! 

A princípio o silêncio. Mané, o dono do bar,  permanece estático, dinheiro do troco cravado entre os dedos ante o cliente que aguardava em frente ao caixa registrador. O constrangimento só foi vencido por algumas garotas duma mesa próxima. Inicialmente elas sorriram, depois gargalharam.
Também pudera! Por Deus! Bucéfalo? O que o pobre equídeo de Alexandre tinha a ver com aquilo? E além do mais  ele poderia ter simplificado tudo  e dito que jamais sairia com alguma garota em fase de período menstrual.
Em todo o caso aquilo não me era importante naquele dia e nem no dia de hoje, mas sim,  o motivo de ter chegado a conclusão que eu me tornara 100% virtual. Permaneci calado por algum tempo. Olhei para o meu bloody, girei as pedras de gelo no copo e  me manifestei:

-Maicon, Emessene à parte, acredito que que você esteja exagerando? –

Evidente, era exagero, absurdo. Era simples de perceber que o cara com problemas era ele e não eu. Podáimos nota isso a olho nu. Ele me fulminou com aqueles olhos  ébrios e  meneando a cabeça num gesto de reprovação, me questiona:

-Ah é? - Então me diga. O que está fazendo nesse instante? –

-Sim, sim! Estou com o laptop Winamp aberto. Mas... e daí? – Respondi sem perder-me da tela do meu note.

-E daí o cacete? Agora me diga... Com quantas donas está teclando aí no seu "mesene" seu,  seu, Don Juan webmaníaco?

-Bem. estou com... três amigas! Ops,... quatro!  - Naquele exato momento acabara de entrar uma quarta Youtube amiga. Era a Rutinha. Uma loira plastificada, talvez uns 42 anos, mas ainda de seios fenomenais, em que pese as suas proteses de silicone.

-Está vendo, Véio? Você não é capaz nem de dar-me atenção. Tu que não percebes a inexorável contradição que te tornaste - Inexorável? Puta que pariu! Maicon estava com a corda toda. Quanto ao "tu"era compreensível, afinal, Maicon  adorava falar para a 2ª pessoa verbal. – “É a pessoa vebal da poesia” – Ele costuma dizer.

-Ô Maicon... não é bem Yahoo assim! Eu presto atenção em você, mas sem deixar de conversar com as minhas amigas. É uma questão de cavalheirismo. - Defendi-me

-Amigas, que amigas seu velho cabeça dura? Amigo é coisa de carne e de osso. Amigo é aquele que te leva para casa no segmento mais alto do membro superior  se por acaso você necessitar (O filho da mãe me pegara de jeito. Eu sabia o que ele pretendia dizer)

-Sim, Google, sei disso Maicon! Apesar de eternamente grato por aquela noite e ainda mais por ter feito aquilo por mim! Mas...não poderia simplesmente ter dito assim: Amigo é aquele que a gente carrega no ombro quando está bêbado?

Claro, ele queria que me fazer sentir culpado. Maicon era bom em chantagens emocionais.

- Seu Xucro! - Ele responde -  Eu sei você que gostaria que eu declinasse da frase para simplesmente  ter falado com a rudez com que falou.

Maicon se entusiasmara.

- Amigo é aquele de quem sentimos o caloroso abraço. Esses sim são os nossos eternos amigos, e não essas pragas cibernéticas surgidas duma cartola virtual. - Os seus olhos ganham maior brilho, algo insano, louco, um lobo bêbado e desvairado que continuou com seu discurso:

- Toda essa manifestação afetiva virtual me parece tão falsa quanto o ilusionismo de David Copperfield!  Lembra-se dele, Véio?  Aquele sujeito que fazia desaparecer avião diante nossos olhos...

Eu olhava para a sua boca e ela não cessava os movimentos. Possivelmente os seus problemas fossem maiores do que aqueles que imaginara.

-Maicon, Maicon, Facebook, pare! Acredito que você esteje delirando... – Tento em vão despertá-lo tocando fortemente no ombro.

-Ah, maldita rede mundial de computadores! - Ele continua - Essa coisa absurda que vocês tratam por....por.... – Maicon parecia em transe. Ele simplesmente nao se recordava da palavrinha pequena e mágica.

-Internet, Maicon! É a Internet, Badoo, o que você está se referindo! – Tento auxiliá-lo. Sua mente quedava-se á embriaguês.

-Que seja essa porra de Internet! – Ele dá de ombros. Nele, além da embriaguês eu notava o tom de decepção.

Eu olhei para Maicon e entendendi que aquilo jamais aquilo que fiz jamais poderia ter dado certo.
Sem que ele soubesse eu fizera para ele um perfil fake no Orkut. Gostaria de não vê-lo  tão só, com o pé na modernidade, fazendo novas amizades, vendo pessoas, interagindo, se mostrando em webcam, falando por microfone, enfim....

Mas... Maicon...Bem....Maicon era complexo demais e jamais entenderia a virtualidade, e nós... os meros virtuais.


Copirraiti 26Ago2011
Véio China©

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