segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Um dia de fúria - By Véio China


Definitivamente aquele não foi o meu dia de sorte.
Novamente subia ao apartamento, só que dessa vez para trocar a calça e por um fato absurdo. Lembro-me que pouco antes ao descer do 13º, meu andar, o elevador estacionou no 5º onde entraram a dona Isolada e seu cachorrinho, um chihuahua enegrecido e com manchas claras no peito. Mesmo para os que escassamente conhecessem a o histórico dos moradores do condomínio nunca foi surpresa que, tanto eu quanto o cão não morríamos de amores um pelo outro,  num antagonismo declarado . E o pior nele era a  expressão sádica, além, óbvio, dum aparente retardo mental. Claro, bem que poderíamos isentar dona Isolada de idênticos predicados, mas não, pois às vezes sua natureza indomada sugeria ser tão ou mais esquizofrênica que a do próprio cão, pois é  provável que o chihuahua tenha herdado algumas manias em tão estreita convivência.
Ah sim! Sobre sobre  ela só posso dizer que era a mulher do síndico, criatura obsessivamente gorda e de peitos 58, se é que a numeração possa existir. Entretanto as suas dimensões e grandezas não estacionavam unicamente por ali e o que me faz ser mais insensível na análise do seu perfil psicológico, afinal, mesmo não sendo a síndica por direito a era de "fato" tal a facilidade de ingerência no vida do edifício, toando decisões, dominando e manipulando o marido síndico, seu Virgílio. Bem, e em se tratando deles (síndicos) boa parte me atemoriza  mais que os próprios batedores de carteiras que se postam nas esquinas de grande movimento. E por que isso? Simples... com os ladrões sabemos que estamos sendo roubado por ladrões...

Esquecendo essas questões que envolvem os síndicos e mulheres dominadoras retornemos ao Paquito (era esse nome do chihuahua) e àquele infeliz  dia onde o coisa sádica  houve por bem confundir a minha calça cinza com um poste de rua ( ao que achei intencional) maculando-a  com uma urinada espetacular. Recordo que momentos antes havia algo que me perturbava ao descer pelo elevador, talvez fosse um sexto sentido, não sei. E a premonição foi desvendada no se  abrir a porta no 5o andar  e ao vê-los entrar no elevador. Assim que enfiaram seus pés na cabine me percorreu no corpo uma sensação desconfortável, ruim,  tanto que afrouxei a gola da camisa social. Lembro de ter cumprimentado a dona Isolda com um desinteressado "oi" e  fixado meus olhos na placa luminária presa ao teto para fugir á presença da dupla. E eu olhava para as luminárias por não mais dez segundos quando senti algo quente  transpassando as as barra das minha calça, umedecendo a meia e o calcanhar.
Instintivamente dirigi meu olhar para para a direção dos sapatos e flagrei o Paquito com uma das pernas levantadas e o volume líquido era tanto que a sua urina escorria pelo peito do meu mocassim e  seguia criando um veio no  piso cerâmico.
Aquilo me irritou profundamente, pois me sentia agredido com a displicência descarada de dona Isolda ao reprimir o seu problemático animal:

-Paquito! Tenha modos e não faça pipi na calça do cavalheiro! - Ela dizia para o cão que a olhava com feição demente e sem qualquer receio ou medo. Óbvio, diante o blefe de sua dona persistiu urinando em minha calça..

Puta que pariu! Eu tive vontade de chutar o rabo dos dois. Chegando ao térreo, apesar da raiva me foi impossível não maldizê-los ao vê-los andar à minha frente, lado a lado, e tudo neles contrastava, até os ridículos e desengonçados rebolados.
Sem alternativas subi  ao meu apartamento, tomei uma rápida ducha  e desci com as calça trocada. Chegando ao térreo bato as mãos no bolso e não encontro minha carteira. - “Porra seu cabeça de asno” Xingo-me, pois esquecera de tirá-la da calça trocada. Retorno ao apartamento e localizo a carteira e desço com o elevador que para dessa vez no 7º andar. Um calafrio me percorre o corpo, pois aquele não era mesmo o meu dia de sorte. Ali, à minha frente dona Sara e sua famigerada cria, Brigite, uma garotinha loira dos seus sete anos entram. Definitivamente ela sempre pareceu ter problemas comigo; não, a mãe não, a garotinha.  Acho que estava com tanto azar que só me faltava também dar de cara com o nazista. Enfim, era tarde para recuar, e quem sabe se a sorte me ajudasse. Cumprimento dona Sara, e olho para a garotinha e tento sorrir um sorriso de simpatia. Não adiantou.

-Mãe, olha... é o moço com nariz de... – Prontamente interrompo Brigite,  a chatinha,  e completo.

-Já sei! O homem com nariz de palhaço, não é? Não era isso que ia dizer? - Pergunto com um sorriso amarelo.

-Era! E que também tem o nariz vermelho! -  Ela devolve prontamente e sem pestanejar.

Olho para ela com um outro sorriso, desses que adoram estrangular crianças malcriadas, pois provavelmente era a 15ª vez só naquele ano (e ainda estávamos no início do 2º semestre) que eu a ouvia de sua boca petulante a afirmação que meu nariz era enorme e vermelho. Bem, talvez até fosse um pouco, mas aí deveríamos creditar aos fatores genéticos e hereditários, já que eu era oriundo da mais alva raça germânica. Dona Sara que à tudo assistia achou que é era a hora de intervir

-Filhinha, mamãe já te pediu diversas vezes! Não deve se referir assim às pessoas, mesmo que você tenha razão ou que haja um motivo verdadeiro! – Se havia coisa que admirava em dona Sara era o seu espírito conciliador, apesar de que naquele momento não me foi de grande valia.

O resto do percurso foi feito sem grandes atropelos e a menina esquecendo-se do meu nariz  apertou os botões de todos os andares sob a intrigante complacência da mãe. “Ah, Noêmia, aí vou eu!” Eu sussurrei comigo ao chegarmos ao térreo. Um pouco mais saia pelo portão e me encaminhava para o meu veículo que deixara estacionado em frente ao prédio e bato as mãos no passante da calça jeans á procura do chaveiro  do carro, e... - "Puts, é foda! Você esqueceu as chaves do carro, asno!" - Agrido-me. Mais uma vez retorno para o interior do edifício e no saguão dou de cara com a mãe e a filha, já que dona Sara parecia reclamar algo com o zelador. Definitivamente eu estava encrencado...

-Mãeee! Olha... o moço com nariz de palhaço voltou! – Brigite exclamou numa  surpresa infantil, porém insuficiente para aplacar o aborrecimento de Dona Sara que a reprimiu com alguma severidade. Bem, quanto ao resto nós já sabemos:

-Filha, eu já te falei e não vou mais repetir... NÃO SE INCOMODE COM O TAMANHO DO NARIZ DO MOÇO - Ela a admoesta num tom exagerado

A reprimenda seria ótima se não houvesse tantas pessoas  que transitavam por ali naquele instante e que  a ouviram  perfeitamente. E digo com certo aborrecimento, pois agora sim o meu nariz faria parte do folclore condominial, exposto e devassado ao domínio público. E o fato era tão notório que dona Amélia do 18o, e duns 80 anos transitando pela portaria na companhia de sua filha e com rumo ao hall dos elevadores não me isentou da sua honesta observação:

-Nossa! Olha só Roseli... e não é que o moço tem uma napa e tanto?- A filha, uma discreta quarentona otimamente apessoada sorriu-me desajeitada e continuou conduzindo a matriarca pelo pelo braço. Não tinham se afastado demasiadamente quando ouço a gentil advertência de Roseli

-Pelo amor de Deus, mamãe, que coisa feia! Deixa o nariz do moço em paz! Eu já vi bem maiores que o dele!

Jesus Cristo, eu não merecia aquilo. Encabulado, continuei batendo as mãos nos bolsos, disfarçando, esperando que subam para depois ir para lá. Novamente vou ao apartaemnto e procuro as chaves do carro e as encontro em cima da estante da sala. Estou de saída quando o telefone toca. - “Deve ser a Noêmia e provavelmente aborrecida” – digo comigo mesmo, afinal, eu já deveria estar em sua casa há mais de 10 minutos.

-Alo, quem fala? A pessoa se antecipa e me pergunta – Não. Não era a Noêmia. Era sim uma voz aguda e que me parecia ser de homem apesar da excessiva afetação.

-Pois não, com quem quer falar? – Devolvo

-É o Kaká? –  A pessoa insiste. Bem, meu nome era Carlos. Carlos Brickmann, pra ser mais exato. Porém não me recordava de ser chamado de Kaká por qualquer pessoa conhecida.

-Sim, é o Car - los  Brickmann que está falando! – Retribuo separando sílabas como  incentivando a pessoa a me tratar num tom mais formal.

-Ai Kaká, aqui é a Rogéria! Sabia que você é delicioso? Já estou sentindo falta desse teu corpinho ao lado esquerdo da minha cama – Disse num tom espalhafatoso. Claro, eu não era um gênio ou um fonoaudiólogo, mas tinha a experiência suficiente para reconhecer as nuanças de um travesti.

-Escuta aqui seu Rogério não sei das quantas! Você ligou pro número errado, pro cara errado. E a porra do meu nome não é Kaká. É Carlos! – E bati o telefone.

Já estava fechando a porta quando o telefone toca novamente – “Agora é a Noêmia” – Exclamei -  Retiro o telefone do gancho e coloco no ouvido e ouço plano de fundo uma daquelas canções   de Gloria Gaynor com identidade no universo homossexual

-Kaká, você é um grosso! – Outra vez alguém bate o telefone, mas desta feita não fui eu. E além do mais o sujeito estava com muita sorte “Ah se naquele momento eu tivesse um identificador de chamadas” – Lamentei.

Novamente estou no hall quando o elevador chega. Entro e aperto o “T” Outra vez ele para na descida,  agora no 8º andar. Nele entra um o sujeito mais temidos da região e justamente a quele que eu não  queria encontrar - O nazista  Wolf Hocken - Wolf era um careca de quase dois metros de estatura e uns vinte e cinco anos. Ele é simplesmente um monstro, algo como uma ilha  que tem corpo cercado de banhas por todos os lugares e  distribuídas nos seus mais de 160 quilos de peso. A sua negra camiseta  EEXGG é imensa e estampa uma suástica em vermelho e que lhe confere uma aparência atemorizadora.
Sim, eu tinha informações de fonte limpa que Wolf era um desses Skinheads da pesada, inclusive a polícia já estivera em nosso prédio umas duas ou três vezes à sua procura para esclarecimentos.

-Sieg Heil! Camarada Brickmann! – Ele me saúda cerimoniosamente com o braço  em riste tocando os calcanhares dos coturnos que produzem som duma batida seca.

Traduzindo, era saudação com um “Salve a Vitória” como se eu participasse das suas ideologias. Porém ele me irritava com  aquela sua mistura de Vladimir Lênin e Adolf Hitler. Eu o olhava e me perguntava qual o miserável que fornecera minhas passado informações pessoais ao babaca, inclusive  o meu sobre nome de descendência germânica. Sim! Morar em condomínio era uma merda!
Não pretendendo contrariá-lo ergo meu braço e devolvo a saudação e saímos juntamente do elevador e ele segue apressado pelo saguão e à minha frente. Olhando-o pelas costas era temerária e agressiva a sua compleição, ainda mais porque soubemos que ele esteve metido em agressões às minorias sociais,  discriminações que geraram violência e que podem fundamentar mortes. Deixei-o se distanciar e Wolf seguiu cada vez mais rápido até desaparecer das minhas vistas. - "Ah Noêmia, aí vou eu! Agora ninguém nos segura!”–  Sorrio.

Entro no meu Tipo 96 e sigo em frente. Eu estava louco pra mostrar o meu novo carro pra Noêmia, adquirido por suados 7.500 reais. Ansioso, vencia as ruas deixando para trás alguns carros e faróis vermelhos, já que era deficiente a fiscalização do trânsito nos dias de sábados. Em exatos 20 minutos estou em frente ao prédio dela num bairro Judeu; um edifício relativamente simples que abrigava garagens coletivas. O porteiro ao perceber que era eu que estava atrás do volante e acostumado com a minha presença abre-me o portão automático da garage e eu entro com o veículo - “Ah Noêmia! Estou chegando, mais alguns andares!” -

E a minha carência era enorme. Carência dos seus carinhos, dos seus beijos melados, dos seu cabelos curtos e negros e de cada curva daquele moreno corpo de judia.  E a carência tinha motivos; há mais de 20 dias não fazíamos sexo, geralmente por minhas ausências à serviço da empresa em que trabalhava. – E quando juntos ela tinha o hábito religioso de dormir extremamente cedo. Não raras vezes me expulsou do seu apartamento ou tive que levá-la apressadamente do meu – “Amor, preciso dormir, descansar. Entenda, por favor,” – Noêmia costumava me comunicar antes mesmo de começar a novela das oito, que ironicamente nunca começou antes das nove. Bem, fora esse insignificante detalhe, eu e ela nos dávamos muito bem, ao ponto de pensarmos num compromisso sério, fato lógico para quem está junto há mais de um ano. - “Ah, Noêmia, Noêmia, estou a poucos metros de você! - Aguarde-me!” – Disse-me na subida do elevador

Chegando ao seu andar segui para a porta e toquei a campainha  Nada. Apertei o botão e outra vez ninguém atendeu. Mantive os ouvidos grudados ao madeiramento da porta e não ouvi qualquer ruído no seu interior. - “Talvez esteja no toalete”! – Pensei – Aguardei mais 5 minutos e toco novamente a campainha. Insatisfeito, pressiono o botão sem dar folga ao dedo. Talvez a sirene tenha sido tão irritante que a vizinha saiu à porta.

-Ei moço! Quer parar de tocar campainha? Noêmia não está aí. Ela saiu há coisa de ½ hora, mais ou menos – Me comunicou laconicamente.

Dito isso fechou a sua porta sem esperar qualquer pergunta minha. - “Caraca! Acho que ela deve estar muito puta comigo!” – Deduzo. Enfim, Noêmia, depois de tanto esperar deve ter cansado e saiu para dar umas voltas, provavelmente para me irritar.

-Ah meu Deus! Que saudades daquele rabo, do  par de coxas fenomenal, dos peitos EG! – Reclamo comigo em alto e bom som ao sair do elevador, já no saguão.

-Como assim... que quer dizer isso de peitos EG  seu Carlos? – Pelo jeito eu não estava sozinho, e o porteiro estava atrás da coluna próxima à saída dos elevadores e sem que eu percebesse.

-Foi nada não Expedito! Esqueça! – Finalizei. Provavelmente só ouviu parte final da frase, e mesmo assim não seria eu a lhe explicar o significado.

Despedi do porteiro com um aceno de mão e desci ao estacionamento. Quase seis da tarde e a noite se precipitava  bela e calorenta lá fora. Provavelmente nas ruas e àquela hora as pessoas zanzavam de um lado pra outro, esperançosas e no aguardo que coisas boas acontecessem.  Chegando ao carro eu tentava enfiar as chaves na porta do veículo quando sinto algo chocando dolorosamente em minhas costelas.

- Ei tio! É um assalto! Quietinho! Tu num vai querer uma pancada na cabeça como a mulher do carro ao lado, né? –  O sujeito disse num tom ameaçador enquanto um outro comparsa me cerca pela lateral.

Provavelmente os marginais entraram enrustidos com alguma moradora. Apesar do tom enérgico noto que se trata de um jovem, o que me fazia ter medo dos seus dedos ansiosos e talvez sem muita experiência.  Deus do céu, esses caras não perdoavam nada?  Nem prédios residenciais? Vejo nas costas do outro garoto uma enorme mochila e ela está abarrotada com coisas que não sei precisar. Com os cantos dos olhos inspeciono à nossa volta e percebo que os vidros de alguns carros estão estilhaçados, o que me leva a crer que eles entraram para furtar aparelhos DVDs e toca CDs do interior do veículos, pois dificilmente deixam  alarmes ligados nos estacionamentos. Presto atenção e cerro as vistas e olho no carro ao lado e  consigo agora consigo ver a moça desmaiada no seu banco do motorista, apesar do vidro fechado e da escura película de insulfilm e provavelmente era ela a pessoa com a qual os garotos entraram. Olho e ela continua desfalecida, certamente ao receber uma coronhada na nuca. Então eu penso na situação e recordo que o automóvel  se ladeava ao meu ao quando adentrei no garage, e isso indicava que eles já deviam estar  espalhados por entre os carros praticando os furtos.

- Não, não! Tudo bem! Eu não vou reagir - Respondo ansioso e temerário que algo de ruim possa me acontecer - Depois ofereço: - Podem levar a minha grana e o meu carro, mas, por favor, não me façam nada de mal! –  Era evidente o meu medo, ainda mais que por qualquer bobagem um fedelho daquele poderia estourar os meus miolos. - "Quem tem cu tem medo!" - Costumava dizer a minha avó, portanto sei que esses garotos são inconsequentes e rápidos tanto  para roubar, assim como matar.

Decorrem segundos que parecem a eternidade e apenas sentia o cano do seu revolver nas minhas costas. Ele nada respondeu, parecia estar perdido em alguma questão, até que se pronunciou:

-Não... não! O seu Tipo é ano 96, né tio?

-Sim! Tipo 96 modelo 97! - Respondo gaguejando. - Ele pensa por mais alguns segundos e me diz:

-É o seguinte, tio, o Tipo 96 não interessa então ele fica com o senhor e a grana vai com a gente. Tira a grana do bolso, rapidinho, anda! – E estocou a arma  outra vez em minha costela. Suava frio quando enfiei a mão no bolso e retirei a carteira  e os 300 reais em notas de 50 e outras de menor valor

-Olha aí tio! Fica com esses cinquentão! Prum pneu furado deve dar! Boa sorte com o tua caranga 96, ta? Agora tira a gente daqui! E quietinho, não se esqueça que vamos estar deitados no banco traseiro e com a arma apontada pras tuas costas.  O tio não vai uma de mané e ganhar um tiro... vai? – Naquele instante percebi que se alguma coisa desse errado eu poderia dar adeus ás minhas intenções e vontades com Noêmia.

Eles vão para trás e o sujeito da arma fica estocando o meu banco com o revolver enquanto abandono o edifício do bairro Judeu. Não ando mais que 50 metros e ele me manda parar. Paro e os marginais saem do meu carro e não demora nem 15 segundos e surgem duas motos que freiam ao lado da minha janela. Evidente, eram os comparsas. Os dois ladrões enfiam rapidamente os capacetes oferecidos e sobem à garupa e saem em disparada.  Ainda o vi o rapaz que me ameaçava acenar para mim assim quando a sua moto partiu
Trêmulo, aspiro e inspiro um bom bocado de ar e parto para a Delegacia de Polícia mais próxima: Não! Não seria o Carlos Brickmann  que colaboraria com a impunidade no Brasil e nem fazer parte das estatísticas dos crimes não comunicados, principalmente os mais violentos. Porém, participar e fazer parte das estatísticas em nosso país custa um certo preço, e caro; Saio de lá quase às 22hrs envolto em descasos e respeito da máquina pública. E é dentro duma delegacia de polícia que você  percebe o quanto  a vida pode ser dura, pois la eu vi de tudo; Vi bandidos algemados, pessoas baleadas, ferimentos, sangue escorrendo, gritos de horror e tantas outras barbaridades. Enfim, foi deprimente.

O meu dia fora um fracasso absoluto. Eu ficara sem Noêmia e suas coxas grossas. Ficará sem uns bons trocados, mas, ainda com sorte ao continuar com meu Tipo 96, aquele mesmo relegado com respeito pelo jovem criminoso. “Ah Noêmia! Eu queria tanto te mostrar o meu carro novo!”
Está certo que não era um modelo moderno, mas o carro estava em excelente estado de conservação e possuía  até um toca-discos Pioneer, antigo, mas em bom funcionamento.

Ao sair da delegacia me senti tão frustrado por não encontrar a minha garota que, algo nostálgico me seduziu e tive saudade de  tempo atrás e da Rua Augusta. Pensei por alguns instantes - " E por que não?" - Como nada contrario foi questionado e numa tentativa de reeditar-me numa parte da década de 80, me dirigi para la. Ah, como eu lembrava das casas de shows eróticos e das prostitutas que se apinhavam nas esquinas e que conferiam à noite um tom melancólico e desesperançado. Recordo também que àquela época costumava percorrer os quarteirões pecaminosos a bordo de uma Brasília amarela, e não seria necessário confessar que apenas gastava gasolina e pneus indo de um lado para outro. Sim,  era só despesa, já que por mais que pretendesse transar com uma daquelas mulheres, nunca consegui. Talvez eu apenas gostasse do clima noir e dum sentimento triste ao vê-las prostituindo seus corpos semi desnudos e vestidos em por calcinhas de todas as cores,  vermelhas, verdes, brancas, negras, e algumas até com certo vestígio de sangue menstrual. E relembrando o tempo não há como esquecer das suas maquiagens pesadas,  pródigas nos tons rosados e azuis, negros e que as deixavam com feições de mortas-vivas. Porém, naquela noite a nostalgia do roubo  se fazia necessário retroceder no tempo. Lembro que fiz os mesmos percursos de antes e nada parecia ter mudado, nem suas bundas, seus peitos e maquiagens coloridas, e elas todas ainda continuavam em vitrines de aberrações.

E assim eu percorria as ruas e todas tinham as mesmas caras e pernas e peitos, e já estava desistindo quando vi uma delas escorada na grade dum estacionamento em local de parca iluminação. Olhei para ela e seus longos cabelos loiros e ela e eles pareciam diferentes e combinavam com um conjunto de saia e blusa negra. Olhei para a saia acima do joelho e ela era mais comportada que das das outras garotas. Dei o farol alto na tentativa de vê-la melhor, já que donde  estava ela me pareceu linda, mesmo que carregando  maquiagem em seu rosto. A princípio ela se sentiu incomodada com farol que a cegou instantes, e então desliguei as luzes e o motor do carro. Ainda sob o efeito dos potente faróis resvalando suavemente as mãos junto dos olhos veio na direção do meu carro e depois para a minha porta. Ao estar praticamente ao meu lado pude lhe ver o corpo e excitei-me sobremaneira, pois as curvas da prostituta eram simplesmente divinas, e me surpreendia o fato de naquela hora  não estar gemendo em alguma cama dos pútridos hotéis da região.

Ainda na penumbra da pouca iluminação ela se debruçou à janela do carro para oferecer seus serviços;

-E aí garotão! O que vai ser pra hoje? Um boquete ou uma transa completa? Eu reconhecia aquela voz no mesmo momento em que vi o seu rosto. Sim, eu a conhecia apesar da peruca loira.

-Noêeeeeeeeeeeemia!- Foi o meu gemido, foi a dor, enfim,  era o meu dia de fúria, não com ela, mas comigo. Como pudera estar com Noêmia há tanto tempo e não perceber?

Por um bom tempo foi aquela a última vez que nos vemos. Passado quase um ano e meio  voltei à Augusta e reencontrei Noêmia. Dessa vez não houve exclamação e nem surpresa. Houve sim uma mulher com traços de algum envelhecimento precoce e ávida em ter alguém para conversar - "Apenas quero alguém para me ouvir" - Disse-me ela. Penalizado fui com ela para um daqueles pardieiros e ela fez de tudo para que transássemos. Recusei, obvio, não senti o menor tesão. Depois,  um pouco mais centrada me contou da sua vida, aliás, me contou tudo.  Sim, o subterfúgio de sempre dormir cedo era pretexto para ir  à prostituição. Contou-me também que após a noite da descoberta o seu maior erro foi o não saber abrandar a curiosidade à primeira fumada do crack oferecido por um cliente de classe média. Agora estava viciada e não havia como retornar. Falei que existiam clínicas, até algumas com a iniciativa do estado, mas ela disse que se parasse de prostituir teria problemas com o seu cafetão.
A conversa já me incomodava quando fiz menção de ir embora e ela me pediu mais alguns minutos e novamente tentou fazer com que trepássemos.
Evidente, eu não transei com ela, apenas continuei ouvindo os relatos da sua desgraça e o quanto chorou naquele dia que tudo foi desvendado

Enfim... encarei suas confissões sem qualquer pretensão e fui embora. Lembro de ter  voltado à Rua Augusta algumas vezes e testemunhado que ela se definhava cada vez mais. Nunca mais frequentei aqueles quartos fedorentos e sempre lhe deixava algum dinheiro que ajudasse nas despesas. Recordo-me da última vez  que estive la e não a encontrei. Preocupado perguntei pelo seu paradeiro para uma de suas colegas. A resposta foi objetiva, dura e a óbvia:

- A Noêmia? A Noêmia já era moço!

Lembro que saí de lá um tanto desorientado. Doía saber que uma mulher de pouco mais de 30  sucumbira às drogas. E assim foi para ela e assim é  e será para outros milhões de dependentes  e sem que possamos fazer grandes coisas. Dilacerado desci a Augusta no seu lado mais central e estacionei o Tipo diante dum boteco fuleiro. Ali alguns bêbados de meia idade e de bocas-moles cantavam canções de Roberto Carlos que desfilavam num Jukebox caindo aos pedaços. Sentei numa das mesinhas vagas e pedi um rabo-de-galo e  cerveja. Tomei o primeiro numa única talagada. Solicitei outros e os demais sorvi com maior persistência. Embebedar-me era inevitável e mera questão de tempo.

Talvez estivesse pelo quarto drink quando me juntei aos bêbados; Entre a meninice e a  adolescência eu ouvira as canções de Roberto Carlos, pois minha mãe nutria adoração por elas. Portanto, de tanto ouvi-la cantar acabei por decorar algumas, ou parte delas. Mesmo que não mais façam o meu gênero  existe todo saudosismo por suas letras românticas e ritmos apaixonados. Claro, jamais seria presunçoso em não admitir que jamais houve alguém que cantou o amor tanto quanto ele, amores que transbordando em suas composições me foram incompreensíveis, pois nunca os tive, portanto, não tendo,  jamais ofertei.
Passava das três da manha quando abandonei o boteco e ao voltar para casa fiz diversos ziguezagues  com o Tipo pela Radial. Leste. Por sorte na via expressa quase não havia trânsito e isso talvez tenha evitado que me envolvesse em acidente de proporção talvez até fatal.
Chegando em casa (há um bom tempo não mais residia em apartamento) bêbado e sendo o portão demasiadamente estreito, fatalmente havia o risco de amassar a lataria do carro. Sendo assim  achei melhor abandoná-lo em cima da calçada e bem defronte ao portão. Com alguma dificuldade consegui trancar o carro e entrar trôpego para dentro de casa. Provavelmente devo ter assassinado algumas formigas pelo caminho enquanto a morte sorria sarcasticamente para mim e num num sorriso que somente eu podia ver. Era como ela me dissesse: Irmãozinho vá devagar e nunca, mas nunca mesmo te esqueça que sempre estarei de olhos abertos para você.
Eu ri do meu pensamento; Ela e eu sabíamos que para mim era apenas necessária uma ótima noite de sono.


Copirraiti 17Jan2013
Véio China©

2 comentários:

Uma Telles disse...

Muito bom....Engraçado e verdadeiro......a arte imitando a vida......quem mais além do China para fazer tamanha proeza rss...vc é singular.....o que determina sua importância....Parabéns.

Raquel Ordones disse...

amarradona na tua escrita

show!