sexta-feira, 23 de março de 2012

Duendes - Um conto quase infantil -

O garoto cismou em ver de perto o homenzinho de cabelos brancos que  nervosamente agitava as mãos para o alto enquanto caminhava ora de um lado, ora para outro.
O seu olhar de criança podia perceber a ineditismo da cena,  bem diferente às que se acostumara. Não há no palco a sua esquina e o sinaleiro que sempre lhe dá algum tempo de manobra, e nem o seu sorriso pedinte junto às janelas dos veículos como se fosse possível com ele convencer os motoristas a comprarem os pacotinhos das suas balas e chicletes. Alguns que, parecendo temer aquele pirralho de não mais de 11 ou 12 anos fechavam seus vidros rapidamente,  mal permitindo ao garoto escutar o “zoom” do motor elétrico acionando as vidraças. E isto, óbvio,o mantinha o guri longe de  rostos carrancudos,  antipáticos,  e sem compaixão alguma.

Porém aquele não era dia de trabalho.  Que se danassem a mochila e os diversos kits das suas humildes guloseimas. Sim! aquele dia ele  instituía como sendo o dia da sua folga!
Já não bastavam as desculpas que teria que inventar para o pai pelo pouco rendimento do dia?
Enfim, não era um dia de se vender balas e nem chicletes, mas de ver as árvores, sentir o aroma das flores, deixar-se largado num dos bancos do parque e ouvir a incompreensível cantoria dos pássaros que tanto acalentava leveza e a paz para o seu espírito. Aliás, ele queria e merecia mais e muito mais! Merecia ver garotos com tenis Nike e  bicicletas coloridas pedalando  pelas vielas arborizadas, bicicleta que diga-se de passagem, um dia ele haveria de ter. Ah! e como haveria!

Mas a presença do homenzinho persistia  intrigando com todos aqueles gestos de braços, de mãos e frases distantes e que ele não conseguia ouvir. Com extrema curiosidade e sem demonstrar receio aproximou-se do velhote e percebeu que ele, além dos gestos,  ralhando um mau humor danado apontava o dedo  para o alto da árvore  à sua frente

-Donavam, seu pirracento! Desça já daí! Aposto que foi você que convenceu Aillen a subir nesses malditos galhos.

O garoto dessa feita se assustou. Desconfiado caminhou para debaixo da árvore e firmou as vistas com o intuito de flagrar as estripulias daqueles meninos de nomes estranhos. Olhou para o alto e nada. Nenhum movimento, nenhum som vindos na direção daqueles galhos. Era estranho, muito estranho ele pensava enquanto ouvia o velho resmungar para o nada. E além do mais, ele desconfiava que o homenzinho poderia estar delirando, ou com algum outro  problema.
Porém como dúvidas não faziam parte do seu cotidiano aproximou-se do senhor e o questionou:

-Ei tio! Com quem o senhor está falando la no alto da árvore?

O senhorzinho o olhou com cara de poucos amigos:

-Ora moleque, não está vendo? Estou falando com Donavam e Aillen!

O menino o olhou com alguma desconfiança. Mais uma vez firmou os olhos, aprumou os ouvidos mas, novamente nada viu ou ouviu.

-Num to entendendo, tiozinho –  Protestou. Aquele senhor só poderia estar de gozação com sua cara, isso sim - pensou.

-Você é surdo, garoto? – O velho mastigava as palavras. Depois continuou – E acho que além de surdinho também é ceguinho! Não vê que estou falando com os duendes?

-Mas como assim tio? Não vejo ninguém nos galhos, e ainda mais... doentes?  –  O garoto argumenta surpreso enquanto crava os olhos na direção dos galhos sem  perceber neles movimento que levasse à presença dos meninos que o velho falava.

-Garoto abestalhado! Tu tens que ser consultado por um otorrino! Eu disse. Dueeeeeeeeende e não... doeeeeente! Duendes Leprechauns! – O velho exclamou irritado numa densa cuspida ao chão

-Duende de Lebre... o que? –  O guri pergunta ao homem com os olhos estalados.

-Duendes Leprechauns! Duendes são criaturas pequeninas e de orelhas pontiagudas! E saiba, são eles que cuidam dos parques, das flores, plantas, enfim, da natureza... – O velho diz num tom professoral, livrando-se surpreendentemente da rudeza.

-Uai tio, duende cuidar de parque?  Eu jurava que fosse o jardineiro que cuidasse disso aqui! – Exclama o menino apontando para todos os lados. Claro! Aquele homenzinho só podia estar tirando um barato com a sua cara. Muitas vezes ele próprio flagrara ali homens e mulheres limpando, carpindo, podando, e até plantando novas mudas de grama.

-Fique quieto coisa medonha! Logo se vê que você não entende nada! E além dos mais... eles não aparecem pra qualquer um não. Tem que acreditar neles para que você os veja! – Rebate o senhorzinho num tom de sermão dominical – Acreditar... acreditar... – O velho repete num murmúrio enquanto contunua os procura no alto da árvore.

-Uai tio! Acreditar numa coisa dessas de que jeito? Eu não acredito nem nos meus amigos! E olha que eles existem, moram casas que sei onde é, e tem até irmãs peitudinhas ... - O menino deixa escapar num sorrisinho sacana.

O velhote o olha desanimado. Era como se não compreendesse porque aquele garoto tinha que ser tão cabeça dura.

-Por Deus! É por isso que esse mundo está do jeito que está; Perdido! Os jovens de hoje não acreditam em nada, nem mesmo em duendes - Desabafa largando os ombros. Porém algo o faz retomar o tom vigoroso de antes:

-Donavam! Aillen! Desçam daí, já! Estou mandando!

O menino, agora desolado persiste observando o velho; aquilo mais parece um pesadelo e ele sabe que pouco  ou quase nada adiantaria contestá-lo. Ah se ao menos conseguisse ver os pequeninos duendes de Lebre não sei o que... E além do mais a sua vida estava aquem das quimeras daquele velho,  e talvez nem lhe fosse de direito sonhar com tantas fantasias. De fato, de direito, e real,  só sabia o que seria difícil convencer o pai de que o dinheiro fora pouco porque as pessoas não quiseram dar cabo ás suas guloseimas. Ah... e como seria!

E se fosse pra pensar em fantasias, pra que precisava delas? E elas nem era tão importante, afinal, dormiria sabendo que o dia seguinte seria igual á todos,  de privações, com dificuldade mesmo que tentasse acreditar em sonhos tal qual  o de ter bicicleta tão bonita e colorida como as dos garotos do parque.

E foi com esses pensamentos que ele abandonou o pequeno bosque ao fim da tarde. Aintes de ultrapassar o portão de saída voltou o olhar e percebeu o homenzinho numa outra árvore, apontando, gesticulando, andando de lá pra ca. Enfim, apesar de achá-lo meio doido sabia que devia respeito às pessoas, afinal,  era direito de todo louco ter suas manias.

Saindo do parque caminhou uns quatro quarteirões até chegar ao ponto de ônibus onde tomaria um que o deixaria próximo á favela do Marrom, lugar onde morava.
Disposto a enfrentar mais de duas horas e meia de viagem ele adentra a coletivo lotado e com muita dificuldade chega à catraca. Vagarosamente ele sobe o olhar na direção  do cobrador enquanto retira do bolso o dinheiro da sua passagem.

-Não acreditooo! Exclama. Aliás, nem foi exclamação e sim um grito que todos ouviram espantados, inclusive o surpreso cobrador que agora é por ele interrogado.

-O seu nome é Danovam e tem uma irmã chamada Aline, não é? –  Sim! Tudo se aclarava! Eles existiam, sim!

O cobrador o olhou assustado, com medo até; Seria aquele garoto mais um daqueles loucos que tanto se esparram pela cidade?

-Vamos, diga! Aposto que o seu nome é Donavo e que tem uma irmã chamada Aline! Certo?  – Insistia o garoto num tom esfuziante e um brilho intenso no olhar.

Ao cobrador, de natureza tímida e simples, avexado por todos os olhares que repousavam sobre ele só coube responder-lhe a fim de livrar-se daquele embaraço:

-É eu não! Eu é o Lédisnelso!

O menino o olhou com profundo desencantado. Ele tentara acreditar que o cobrador fosse um deles, mas faltou alguma coisa, talvez algo como a diferença que permeia os  sonhos e  os pesadelos, o falso e  o verdadeiro, e finalmente, a vida e a morte.

E foi  desta forma desenxabida que ele retornou à realidade e compartilhou o ínfimo espaço com as demais de 50 ou 60 pessoas do coletivo. Pessoas simples que voltavam cansadas para suas casas após um árduo dia de trabalho, famintas  e com o desejo inconteste de algumas horas de sono.
E ele, triturado pelo sacolejar do ônibus olhou mais uma vez para o cobrador que dava o troco com algumas moedas; Incrível como o rapaz era idêntico á descrição que o velhote fizera dos tais duendes.  La estava um rosto hiper engraçado, orelhas pontiagudas além da pequeníssima estatura de talvez menos de metro e meio. Contudo, o que lhe encantou  nele foi aquele olhar doce e traquina. Porém,  apesar do olhar e das orelhas Lédisnelso não era Donavam.

Com algum esforço venceu a catraca e olhou  para a janela pelo pequeno vão entre as pessoas e notou que a tarde morria mormacenta, preguiçosa - “Em todo o caso foi bom ter tido essa fantasia” – Tentou justificar-se enquanto uma senhora obesa e de estatura imensa como se fosse um trator abria a fila no corredor espalhando as pessoas. Estacionou, espremeu alguns passageiros e se colocou rente ao banco, deixando o menino atrás de si,  apoiando de forma proposital as volumosas nádegas sobre suas mirradas costas  – “Ô saco! Mais uma dessas folgadas!” – O garoto rumina para si mesmo – Enfim, também tinha se acostumado a isso, mas não ao cotovelo no queixo que ela lhe dera  ao virar-se para o lado e procurar na bolsa o celular que tocava de forma estridente.

-Sim querido, sou eu! Aonde você está? Ah.. aqui perto, no parque...sei sei. Hum.. sei, procurando Donavam e Aillen. Hum.. logo vi – Em seguida fez uma pausa onde ela pareceu ouvir com atenção o que a pessoa lhe dizia.

-É, eu sei meu amor! Então... assim que encontrá-los volte logo para casa, ta! Te amo, ta! Tchau!

Desligando o celular a mulher percebe que o rapaz do lado se manteve atento a fala dela.  E ela na sua natureza extrovertida foi logo despachando:

-Ah, era meu marido, sabe,  ele é aposentado e acredita em duendes, saci- pererê e essas coisas todas. Inclusive está às voltas com um casal deles,  Donavam e Aillem la no parque municipal onde está tentando tirá-los duma árvore em que se enfiaram. Mas... sabe moço... fora isso, ah, ele é normalzinho de tudo!

Ao fim da fala a mulher gargalha com estardalhaço enquanto o rapaz com feição cansada apenas lhe sorri um sorriso insípido e olha através da janela à procura de algo que dessa vez lhe traga algum alento.
No corredor  o inconformado garoto ainda tenta se desfazer dos seus duentes quando, irritado,  crava o cotovelo nas desconsertantes proeminências daquela mulher.


Copirraiti 23Mar2012
Véio China©

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