segunda-feira, 3 de setembro de 2012

À noite todos os gatos são pardos

Wal ainda não sabia a fria que estava entrando, porém começava desconfiar.
O bip do celular da moça indicava mais uma mensagem; Era a quarta em menos de meia hora. As três primeiras ela achou melhor ignorar e aguardar por um momento mais apropriado para responder, talvez ao voltar para casa.
Sim, Wal pensou em desligar o aparelho, mas como a vida é repleta de imprevistos poderia surgir a qualquer instante algum recado ou ligação importante, assim o manteve em funcionamento.
Todavia a insistência dos rápidos tons fizeram-na  mais uma vez  pedir licença aos amigos de mesa num bar para ler a mensagem.

“Loira, pq ñ respondeu, eim? Já sei! comendo fgo à passarim e com seus dedos engordurados. Ah, alguém está te paquerando? rs” –  Queria saber o amigo emissor.

Aliás, nem amigo seu era, mas apenas um conhecido, um sujeito vinte e tantos anos mais velho que ela conhecera através da  internet. E o conhecimento se deu numa dessas comunidades literárias de Orkut onde ambos participavam escrevendo e comentando textos de outros autores. Sim, Wal, aliás, Walkiria era escritora e o sujeito também dizia ser, ao menos era o que sugeria ao escrever parecido com um. Como ele parecia ser uma pessoa legal e o relacionamento literário cercado de coisas espirituosas e divertidas,  Wal, cedeu á solicitação do homem e passou o seu número de celular.

E ele ligou, e naquela primeira ligação ao fim duma tarde mormacenta conversaram por um bom tempo, falaram sobre literatura, relacionamentos e algo de suas vidas pessoais.
Sim, fora um papo agradável, divertido e que até gerou algum interesse.

-Então Alberto. Nesse próximo sábado vou sair com uns amigos, beber alguma coisa e conversar um pouco para espairecer dessa minha vida louca e atribulada. Quando estou “zen” consigo escrever melhor, as idéias surgem com mais facilidade – Ela  disse naquela ligação.

-Ah, vai sair, é? Que bom! Adoro quando as pessoas espairecem – Respondeu antes que amistosamente se  despedissem ao celular.

E agora era isso. Depois de dois dias do telefonema e decorridos nem 30 minutos de estar no bar atendia a quarta mensagem diante dos amigos, interrompidos pelos frenéticos e sonoros “bips” do aparelho.

Bem... o melhor era resolver a situação – Wal comunicou a si mesma já que não via razoabilidade no ficar entretida às mensagens dum sujeito que a deixava distante dos papos da turma.

“Alberto, é o seguinte...estou com amigos, bebendo e conversando um pouco. Há gente bacana, médico, advogado, até um delegado de polícia. Um beijo de boa noite para você. Até!. rs” – Wal enviou a resposta sem as costumeiras abreviações. Era bom dar um chega-pra-lá no rapaz, e talvez agora Alberto percebesse que poderia estar interferindo

-Wal, quem é o sujeito dos bips? – Pergunta-lhe  Silvio, um dos presentes na mesa, um advogado atento ás suas atitudes.

-Ah... é um amigo meu. Conheci numa comunidade literária. Ele mora em São Paulo.

-Poxa Wal! Não poderia encontrar um xarope que estivesse mais próximo de você? – Na outra ponta da mesa, Gilberto graceja para o divertimento da turma. Óbvio, o mais “próximo” foi mera alusão ao fato de Alberto estar há quase 3.000 km de distância dali.

-Ah, ele não é chato não, e além do... – Wal pretendia justificar o amigo paulista quando foi novamente  interrompida pelo som do bip. Mais uma vez os colegas se entreolham com um certo desconforto. Wal pela quinta vez pede licença, puxa a cadeira para o lado direito e lê a mensagem curta, descabida até

“Loira, por acaso esse médico que ta falando é ginecologista?”

Na mesa os amigos sussurram e ela ouve pequenos risos ao virar-se repentinamente e pegá-los  numa expressão de gozação. Gilberto, em flagrante de delito tenta disfarçar ao procurar por alguma coisa no bolso do paletó pendurado no encosto da cadeira. Achado, faz o uso dos objetos.

-Não fui eu quem disse que teu amigo é um chato! – Defende-se o médico à bordo dum  óculos de armação quadrada, enorme, plástica e sem lentes. Nas narinas ele carrega  uma meia bola vermelha onde faz desfilar um  perfeito nariz de palhaço.

Convém frisar que os adereços estavam em seu rosto porque naquela mesma tarde ele fora visitar o asilo, onde,  para divertir os velhinhos fazia coisas engraçadas, coisas de um verdadeiro palhaço. E como as suas palhaçadas não tinham fim ali estava ele  a suas micagens no celular, simulando alguém  que enviava e recebia mensagens. Evidente, todos se divertiam com suas fanfarronices.
Wal,  sem graça, novamente pede licença arrastando a cadeira um pouco mais adiante e redige a mensagem.

“Alberto, o médico é o Gilberto, aliás, um caso raro na medicina. Ele clinica em duas especialidades. É um verdadeiro gênio. rs” –  Claro, ela se reportava ao amigo ginecologista/ urologista apesar de não mencioná-lo na mensagem.

Sim, poderia ter dito também que ela e Gilberto foram namorados na juventude e quase noivaram, que só não ocorreu porque  à época ela se apaixonou por um outro rapaz, porém não vinha ao caso. Antes de enviar, Wal relê cada uma das palavras a procura de alguma inexatidão, e a mensagem está prestes a ser enviada quando um novo toque sonoro se ouve. Todos se olham.  Nervosa, Wal imprime um dos dedos no teclado e libera o torpedo que acabava de entrar.

“Wal, esqueci de falar q detesto urologistas e ginecologistas. Os urol. São estúpidos, insensíveis com os dedos. E os ginecos pq são canalhas. Teve um gineco, um palhação que em 80 roubou uma noiva que tive. Torço pra esse q taí seja um pediatra duns 73 anos. rs”

Foi o suficiente pra Walkíria irromper numa estrondosa gargalhada. Pra falar a verdade Wal acabou por engasgar de tanto rir.  Depois, tentando findar o surto  brincou com o médico na outra ponta da mesa:

-Gil, tem horário para ambas especialidades na segunda? Barba e cabelo! Pode ser?

-Ulala! Claro meu anjo! Pra você sempre tenho tudo! – Respondeu piscando os olhos dum palhaço gozador e descarado.

Wal continuou rindo e depois um pouco mais tranqüila pede outra vez licença e vira a cadeira para o lado e se promete a uma última mensagem. Novamente passa as vistas à procura de lapsos e estando em tudo em ordem a envia.

“Alberto, desculpe, mas avisou tarde demais. Já marquei tuas consultas pra segunda. Agendei com o gineco na manhã e com o urologista à tarde. Ah! Tava quase me esquecendo de falar... Gilberto também é um palhaço sacana nas horas vagas! Ah..você me lembra  “Le Postiche”

Depois, sorriu para a turma, enfiou o celular na bolsa de grife e tomou o seu drink tranquilamente. Seria a plenitude de um sábado que começava a se tornar perfeito se não fosse o som de um novo bip no interior da sua Louis Vuitton negra – “Não acredito” – Murmurou baixinho. Contrariados os seus olhos cerraram e não faltou para ela a vontade de retirar o pequeno aparelho do conforto da bolsa e espatifá-lo ao meio da rua. Antes que se permitisse a tal agressivo prejuízo  retira o celular e lê o mais recente recado.

“Nossa! Le Postiche, ñ é a Lj de cart. e mochilas? E esse papo d consultas, palhaços, o q é? Vc é mto doida! Gosto gente divertida! Sabia q t amo, loira?” – Realmente,  Alberto não tinha percepção do que se passava”

Wal lê e ri um riso debochado, nervoso. O babaca se esquecera de mencionar que, além de carteiras, mochilas, cintos e acessórios, a famosa loja era no país uma das maiores revendedoras de malas de viagem. Malas de todos tamanhos, de todas as cores, de todos sabores.
Ainda continuava sorrindo quando desligou o aparelho  e o voltou à bolsa para agora sim se divertir sem restrições. Porém ela sabia que havia algo que apesar de não fazer diferença agora, deveria ser providenciado na segunda feira ao ir para o escritório; A compra de um novo chip para o seu celular.


Copirraiti03Set2012
Vío China©



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