domingo, 17 de novembro de 2013

O velho e o Mar (By Véio China)


Os sentimentos do pescador, um verdadeiro lobo do mar, naquele dia se concentravam nas tormentas e no infinito das águas azuis, que faziam dançar o seu barco como se fosse dum papel pouco encorpado. Sim, fora avisado pela guarda costeira dos perigos, porém não deu atenção, pois perdidos dentro de si havia o cheiro das tripas dos peixe que, tal qual a natureza humana se misturavam em suas entranhas. Ele navegava solitário, já que e aprendera compactuar com as levezas dos mares calmos, assim como agora defendia-se das poderosas ondas que, bravias e sucessivas pareciam pretender partir ao meio o "Gladiator" seu velho barco de pesca.
Naquela tarde de mar revolto ninguém saíra para pescar, afinal, bom pescador é aquele que respeita o mar, pois sabe que as águas não aceitam desafios. E havia nele toda a compreensão para todos esses ensinamentos, porém, ele sorria. Sorria para o instante, sorria das suas peripécias e maestria ao desafiar o oceano que aguardava por um só por um dos seus deslizes para sepultá-lo de vez naquele cemitério de vagas. Mas também o fato não o impressionava, pois ele não estava ali para pescar, mas sim para morrer, já que lhe parecia romântica a ideia de ir-se tragado pelas águas, pois para ele seria como estar sendo velado no quintal de casa.

Claro, poderia ser tudo mais simples e mais rápido; a bala nos miolos tornaria tudo tão definitivo, mas, o pavor de causar algum transtornos para Helga, a sua boa vizinha de trailer, deixava-o incomodado. Ah Helga! Uma pessoa de coração imenso, e que, apesar da cegueira, ainda encontrava alegrias para viver. Sempre se perguntara por que Helga descobria os infindáveis motivos que permitissem sua batalha perdurar, mesmo que sozinha, aliás, não somente só, mas junto duma modesta pensão deixada pelo falecido marido ferroviário. Lembra de tudo que ocorreu há cinco anos; do rapaz que deu naquela praia dirigindo um trailer e o estacionou ao lado do seu. Lembra ainda que a mulher desceu pela porta tateando as paredes do veículo, e que depois de algum confabulo com o jovem motorista veio até si e pediu autorização para cravar vida ali. "Eu não sou dono da areia, dona! Nem do mar" - Respondeu a ela. Ela sorriu, sim, mesmo que estivesse com óculos escuros pode perceber o sorriso denunciado nos cantos dos lábios. E assim ele pediu para conhece-lo, e contornando seu rosto com as pontas dos dedos foi que travaram o primeiro conhecimento. E de lá para cá nasceram dois irmãos, e ele gostava de voltar do mar e dar a ela um b om peixe, e sentar-se na soleira do trailer para ouvir as boas histórias da velha Alemanha, país natal de Helga.

Fora isso não havia muitas lembranças, salvo a da visita do seu único filho e de quando se viram pela última vez, talvez há uns três anos e meio.
Foi num fim de tarde de domingo quando emborcava o último quarto da sua garrafa de vodca, e foi acordado pelas palavras ditas por alguém de rosto jovial:
“Oi pai, tudo bem com você?” – Assustou-se, e entre encantado e surpreso conseguiu apenas responder um “Tudo bem!”. Porém não houve nem tempo de apresentá-lo a Helga, e  Dustin não ficou mais que 30 minutos e se foi tal qual como chegara; sem deixar qualquer endereço ou um número de telefone.  Agora ele pensava naquilo; Talvez a culpa tenha sido sua. Talvez não tivesse demonstrado a necessária alegria em vê-lo, talvez a história teria sido diferente e ele tivesse ficado para jantar o melhor dos peixes que um pescador conseguisse preparar.
Então, praticamente com quase nada a se falarem foi que viu a silhueta do filho descer os degraus do trailer e se tornar apenas um ponto caminhante nas areias e desaparecer no horizonte ao fim daquela mesma tarde.

E fora assim naquele mesmo dia que ele decidira da um basta em tudo, portanto estava aqui. Era doído recordar-se da mãe de Dustin e de quanto era bonito o seu sorriso. Dilacerava reviver aquela noite que, voltando do mar não encontrou ninguém no trailer. Depois disso sua vida não buscou realizações, e ele se deixou levar por uns poucos amigos (alguns deles falecidos) e de algumas rameiras de beira de cais Por fim, recordou-se dos homens e da natureza humana e de quanto algumas dessas pessoas possuem o dom de desintegrar qualquer tentativa duma existência pacífica e feliz.

Vivia nesse conjunto de lembranças quando foi acordado pelo surgimento de raios que chicotearam o ar e um vento gélido o fez tremer nos ossos; Seria possível ver o que via? Sim! Não havia a menor dúvida, pois vinda do horizonte ele divisou a formação de uma descomunal onda, talvez a maior da sua vida.
Novamente sorriu, já que sabia que era a onda da sua vida. Repentinamente o céu se acalma e não há mais raios e nem os ventos da tormenta, mas apenas o vagalhão que se aproxima calmo e colossal, e vai ganhando corpo até formar um paredão como se fosse um edifício de alguns andares. E ela veio e “Gladiator” surfou na sua crista, porém o leme já não respondia a qualquer manobra dos seus braços. Evidente, quem seria ele pra enfrentar a imposição do oceano? Não, era pouco, quase nada, mas não se entregaria assim, sem qualquer luta,  dignidade, pois o que pouco houvera em vida não ia lhe faltar na morte. E foi então que onda quebrou-se em cima e o barco despencou e desgovernado num mergulho que beirou ao desespero, foi à pique. Livrando-se do barco os seu braços tentaram se debater junto às outras ondas, agora menores, mas já não havia mais qualquer resistência no corpo exaurido, portanto,  submergiu.

E o seu corpo afundava e o ar se rareava nos pulmões enquanto percebia a beleza em algumas das exóticas criaturas marinhas. Podia notar a beleza e o bailado dos peixes das tantas espécies, e de como tudo que estava sob a água se movimentava de forma exata e disciplinada. E a cada instante o corpo ganhava as profundezas, pois o soube ao golfar o último ar. No seu rosto insistia o sorriso sereno, e um desejo moribundo. Sim! Estava á porta da morte, e para um moribundo nada se nega, pois foi o que lhe ensinaram em sua existência.
Ainda restava alguma vida em seus olhos quando ela veio; linda,  maravilhosa, seios fartos e  mamilos generosos. Ao fim do estonteante corpo da criatura não se viam pés, mas a graciosa nadadeira que fazia aquele ser quase humano flutuar com a mesma leveza de um balão à gás. E então ele a admirou, e ela sorriu para ele e estendeu-lhe as mãos alvas e delicadas. Ele, encantado as pegou e ambos sorriam docilmente ao iniciaram o bailado do adeus. Sutilmente, percebendo que não mais havia ar em seus pulmões ternamente se desvencilhou das mãos sedosas e cerrou os olhos, colocou posicionou a mão direita junto ao coração e disse um adeus para Helga.
Ao tocarem o fundo do oceano havia nele um sorriso agradecido.
Era um belo e meigo sorriso preenchido de paz.



Um comentário:

Márcia Poesia de Sá disse...

É...ESCRITOR, mais uma vez me pegas pelas mãos e me levas contigo, mas desta vez não apenas me deixastes num canto, retirando-se para um ou dois cigarros para depois voltar, mas sim deixastes todo meu eu lá no fundo do mar a assistir a tudo atônita...na boca, um gosto de sal,que modifica-se totalmente de repente para um doce saudoso, e em raras ocasiões minha mente vagava por cheiros de temperos místicos! Coisa mais incrível, realmente mágico, impossível não se identificar aqui e acolá com o texto, parar de ler, tragar o cigarro e só olhar o nada, voltando depois curiosa para o final, quando morri junto. Obrigada demais por cada viagem...Belíssimo Du Pavani! aplausos todos! Fã sempre.