quinta-feira, 5 de junho de 2014

Entrevistando um grande escritor... ( Uma história forrada de nostalgias, críticas, e garrafetas de vodca)


Tudo aconteceu muito rápido, e penas chegou e me flagrou num banco de jardim, precisamente no Parque da Luz. Mas não foi somente este o fato, e evidente, surpreendia-me  as vigorosas estocadas do seu indicador no lado esquerdo do meu ombro. Incomodado, remexi-me de um lado para outro e ele me pareceu perplexo, talvez  até por ter-me surpreender-me (antes do susto) num diálogo absurdo com a árvore cravada atrás de mim. Provavelmente o sujeito não soubesse ou, quem sabe, achara que eu enlouquecera por completo. Mas não era nada disso e apenas criava cenas e as falas das minhas novas personagens, estudando meticulosamente cada um dos movimentos, já que  fariam parte do meu próximo livro.
E em se falando do  romance, o mais provável é que contasse com o ovo no cu da galinha, pois nem mesmo me dera ao trabalho de sair à caça de algum maldito editor que tivesse a suficiente coragem de publicá-lo. Bem, deixando os editores de lado, o que importa é que o garoto aportava ali no momento que minha mente produzia frases tórridas para um imaginário casal de meia idade que se bolinava, escorados na árvore em questão.

E me sentia bem, pois a imaginação voava como há muito não fazia. E eu gostava daquilo, e colocando mais lenha à fogueira vislumbrei ações em alta temperatura, as mãos do homem deslizando pelas costas da mulher, repousando sorrateiras num bumbum bem formado e generoso. Sim, sobre a dona dos glúteos avantajados, Sophia, poderíamos considerar que ela é muito bonita, e não só ela, e assim também o elegante tailleur cinza que vestia.
Logo, insistindo nas cenas  fiz todos perceberem que ali estava uma dona de classe, fato escancarado no sofisticado  e estiloso echarpe de seda chinesa que contornava delicadamente o seu rosado pescoço.
Entretanto o seu rosto de querubim somado as outras tantas evidências dum requinte social, não escondia dos transeuntes a sua escassez de recato. E a carência dos bons modos se contrapunha aos poucos minutos anteriores, onde ela e o namorado, caminhando pelas pequenas ruas arborizadas não se desgrudavam das mãos e nem dos sorrisos.

Portanto não seria de admirar que as pessoas que zanzassem pelo local apostassem suas fichas na compostura daquela mulher de fino trato, e que o atrevimento do namorado seria passível  duma  descompostura em regra. Mas assim não ocorreu, pois não se percebeu nela a inocência dos amantes incautas, já que as mãos do homem pareciam estimula-la, fato cristalizado diante os gemidos da mulher e de suas mãos de unhas encarnadas acariciando as nádegas do homem, excitadas.

E assim fiz as cenas persistirem, e eles se sussurravam obscenidades, beijando-se,  tocando a crueza de suas línguas sem se importarem com os protestos de um grupo de quatro velhotas que há poucos metros dali tagarelavam suas fofocas. 

-Senhor Oldman! Senhor. Oldman! O zelador do seu prédio disse que eu o encontraria aqui  – O rapaz insiste e interrompe o exercício de minha imaginação. O tom de sua voz é jovial e entusiasmado. Claro, sua interrupção me irrita.

-Sim, ele disse, mas, o que posso a ter com isso, rapaz? – Devolvo com feição de poucos amigos. Evidente,  não me ocorriam os motivos de estar me cutucando daquele modo.

-Ah sim, desculpe-me senhor Oldman! Falha minha em não apresentar-me!  - Ele exclama.

-Sim, e quem você é? - Questiono

-Ah, o  meu nome é Arlindo Augusto, e estou aqui para um trabalho do meu grupo de Universidade - Ele devolve

-Hã? Universidade? Sim! Mas.. o que tem a ver comigo? –  Insisto contrariado enquanto o garoto retira o dedo do meu ombro.

-Bem, é que o trabalho vale uma ótima nota. Inclusive a ideia de entrevistá-lo foi minha. Sabe senhor Oldman, sou seu fã número um, e ficaremos felizes ao nos concedesse a entrevista.

-Ai meu Deus! Universitários não! – Gemo para ele.  Se havia coisa que me deixava acabrunhado eram esses fanfarrões universitários. Porém eu não podia simplesmente desaparecer com a sua imagem assim como fazia com as personagens. Retorno à carga.

-Tá bom meu rapaz! Mas..já que tinham que enviar alguém, porque não mandaram uma daquelas gostosas que certamente há em seu grupo ? -  Ele pensa por instantes e sorri sem graça.

-Bem senhor Oldman...a culpa não foi minha, juro! Até que tentei trazer uma delas, pois sei das suas facilidades quando estás diante dum bom par de pernas! - Ele se justifica, e completa: -Sei de tudo, pois tudo está nos seus livros.

-Nos meus livros, é?  Sim...Mas..por que eu? - Replico  - De fato eu estava curioso para saber como chegaram até mim.

-Bem, senhor Oldman, foi assim que aconteceu...Numa lista prévia de escritores sobraram três, e o senhor entre eles. E o seu nome foi à votação, e... - Ele explica, reticente, talvez acreditando que devesse me sentir feliz com a escolha.  Acho o fato engraçado e resolvo fazer parte da brincadeira.

-Nossa que ótimo! Olha...Eu lhes fico muito grato pela unanimidade,  e pelo reconhecimento! - Dissimulo com certo orgulho.

-Bem senhor Oldman, também não foi bem assim - Ele devolve timidamente e conclui: É que um deles morava em Recife, o outro em Maceió, e ambos afirmaram que só concederiam a entrevista se estivéssemos lá, pessoalmente.

-Uai! E por que não foram? - Replico desencantado e já sem o orgulho.

-Bem.. Sabe como é, né senhor Oldman...A vida de estudante é dura... mal sobra grana pros cineminhas de domingo, imagine então para as viagens... - Arlindo divaga. Merda! Sei que não deveria, mas a justificativa me irrita profundamente

Puta que pariu, odeio universitário! - Obviamente eu fora eleito por exclusão.

Arlindo percebe a minha irritação, talvez preocupado que a entrevista terminasse antes mesmo de iniciar. Ele me olha constrangido, e sei lá por qual cargas dágua resolve reportar os bastidores da votação do Prêmio Nobel de Literatura Universitária.

-Sabe senhor Oldman, nós os homens, éramos a maioria dos votantes, e só foi fecharmos com o seu nome e as garotas tirarem o corpo fora da escolha. Elas disseram assim "Já que querem esse sujeito...Então o problema é totalmente de vocês!" – Arlindo relata impregnado dum risinho imbecil. Aquilo me deixa curioso.

-Mas...Por que tiraram o corpo fora? 

-Ora, senhor Oldman, convenhamos... Há nas tuas histórias muitas marcas de escândalos, fofocas, assim como em suas andanças os rastros de  mulheres se pegando à tapa, entre outras coisas piores. Portanto... para os que leem a sua obra é como ter aceso à xerox autenticada dos seus procedimentos... -

-Ah..entendi. E sendo assim elas... - Ele não me deixa terminar

-Fugiram deste encontro da mesma forma que o vampiro foge dos raios de sol – Arlindo conclui amorfanhado, levantando e deixando deixar cair os ombros.

Seu pensamnto me deixa perplexo. Não o que avalia a minha moral ou conduta, mas, a outro, aquele que fala do vampiro e raios de sol.

-Uauuu, garoto! Será que te ouvi direito?  Assim como o vampiro foge dos raios de sol? Que frase magnífica! - Exclamo enquanto me olha surpreso.

Claro, a exclamação era puro sarcasmo, e mesmo que levasse em conta o fato do garoto ser meu fã, tudo me pareceu cristalino, um tremendo mala.
Permaneço com o olhar cravado nele e na apatia de sua feição que, a cada frase dita insistia em repetir o meu nome. E ele era atípico, pois quem detalhasse a sua aparência logo veria um desses rapazes como tantos outros que se metem a cursar o Jornalismo. Na sua fisionomia raquítica e cheirada à indolência sobressaia suas longas pernas que mais se assemelhavam a tacos de bilhares que se metem numa calça jeans. Acima do rosto, os fartos e encaracolados cabelos destoavam do ralo cavanhaque aloirado que ostentava no rosto afunilado. Seus lábios eram largos e finos, mas havia alguma expressão em seu olhar, pois procurava nele coisas que o identificassem com o público leitor. Também analisei  seu tórax e braços, e mesmo que fosse desprovido de músculos questionei se ele não seria uma boa personagem para a minha história. Sim, e por que não? Talvez eu pudesse colocá-lo numa das cenas do “ménage à trois” com o desespero daquele duo de amantes quarentões.

Ah, sim, falemos sobre os meus amantes. Bem...Sobre eles poderíamos concluir que são fruto dum casamento igual a tantos outros que, em certa fase convive com o conformismo dos beijos e trepadas que não mais carregam ranços de paixão. Logo, não há as bolhas provenientes de fervura, pois estão atolados à mediocridade da rotina destrutiva e do "nada eu faço, nada tu fazes, e nada faremos nós". E é justamente o que se dá com meu casal. Entretanto há alguma luz, e os faço perceber o que se ocorre á volta e os faço empreender mudanças. Claro, algumas delas são drásticas,  radicais até, aliás, como ocorre com eles ao tratarem dum limoeiro doente, no entanto, esperançosos que,  mesmos caídos, os limões debilitados ainda resultem na limonada que amaina a sede.
Certamente, tais fatores são aflorados à minha percepção de vida, principalmente aqueles que dizem sobre os sentimentos, pois para mim o amor se assemelha a um bólido que desaparece das vistas numa  auto-estrada sem  fiscalização. E penso assim, já que experiência não me torna ignorante, e nem me obriga a desconhecer que é preciso muita perícia para que o amor alcance o seu destino, isento de acidentes.
Assim reputo, pois agora sei que o amor  requerer calma e muita prudência, desafeto que é  do grotesco das nossas falhas e desacertos que, dependendo da conjuntura poderá nos  inviabilizar outra oportunidade.

E essa era parte da trama, e eles mereciam outra chance. E um deles é Marcos, talvez 43, um advogado criminalista que jamais enfrentou  o tribunal do júri, quer fosse defendendo os milionários do narcotráfico ou os apelos dramáticos dos crimes passionais.  Não, com ele tais defensorias jamais ocorreram, pois logo após  a formatura e num raro golpe de sorte assumiu por bagatela  e por prazo estendido uma pequena loja no ramo das peças. Agora, passados  15 anos seus negócios prosperaram e há um imóvel de sua propriedade que  ocupa meio quarteirão numa caríssima avenida comercial, um dos campeões nacionais no segmento das autopeças.
Com a esposa as coisas não foram muito diferentes. Ela é dois anos mais nova, psicóloga, uma dessas que jamais clinicaram ou mantiveram consultório próprio. Sim, é a verdade, pois igualmente saiu dos bancos da universidade para uma noite de núpcias numa humilde pousada  do interior de Minas Gerais. Não, não estranhem a situação, já que à época não tinha um gato para puxar pelo rabo. Entretanto, inteligentes e com ótimo aproveitamento diplomaram-se às custas da União. Agora pasmem, ela, Sofia, casou na plenitude da virgindade.

- Senhor Oldman, senhor Oldman.. Pode ou não pode nos conceder a entrevista? – Outra vez suplica ao enfiar (de novo) o dedo no meu ombro. Outra vez me vejo extraído do surto criativo. Obviamente, tinha que ficar puto da vida.

-Moleque do cacete, por que tu não abaixa essas calças e enfia a ponta desse teu dedo no rabo? – Esbravejo retirando bruscamente seu dedo da minha pele.

-Oh senhor Oldman, por favor, me perdoe! Não tive a intenção de machuca-lo – Ele justifica desapontado. E desta vez me pareceu tão desalentado que levou o seu olhar para o desgastado par de coturnos.

Depois da bronca me arrependi, e assim abrandei a raiva nas linhas do meu rosto. Subitamente Arlindo levanta o olhar e ele  parece ser frágil como a alma artista, igual a esses que brincam  com malabares de fogo nas noites frias de inverno. Repenso em sua participação em meu livro e definitivamente concluo que tanto seu biotipo como o espírito não condizem com o erotismo das cenas, portando, decido descarto-lo da cena que ocorreria num lugar próximo e por mim conhecido. Bem, talvez Arlindo Augusto nem quisesse estar naquele quarto miserável de um hotel vagabundo e destinado às prostitutas. Talvez fosse essa a forma encontrada encontrada por mim para punir o abastado casal. E já decido pronuncio:

-Bom, paciência, Arlindo! Não será desta vez que você atuará em meu romance – Sentencio antes que retorne  ao meu juízo perfeito. O garoto me olha surpreso e eu peço que inicie a entrevista. Entretanto parece que minhas falas o deixei bolado.

-Incluir-me no romance?  Como assim senhor Oldman? – Ele pergunta. 

-Ai meu Deus, tinha que arrumar sarna pra me coçar? - Recrimino a mim mesmo.

-Diga, diga senhor Oldman! O que o senhor pensou para mim? - Ele insiste

-Ai Jesus! Nada não, Arlindo Augusto, deixemos essa conversa para lá! - Ele parece compreender meu tom decisivo, mesmo que não saiba o por que.

Ainda surpreso, solicita a permissão para sentar ao meu lado, e damos início ao seu trabalho. Permito  que sente e escorrego para a beirada do banco no aguardo das perguntas. Arlindo assenta as nádegas na porosidade do concreto e abre a  sua mochila retirando do interior o aparelho celular. Em seguida aperta algumas teclas de comando e num gesto brusco e desajeitado o coloca bem rente minha boca, quase tocando-me os lábios. Faltou-me pouco para manda-lo à merda, entretanto  relembro a bronca  e refreio minha intenção. Repentinamente retira o aparelho de minha boca e o move para a sua e exclama algumas palavras. Para mim foi demais;  Ele esquecera de testar o nível da gravação

-Um, dois, três, testando! Som, som, som! –  É o que ele fala para um minúsculo orifício no celular. Meu Deus! “Um dois três testando..som..som..som”  Repito comigo e continuo a rir. Definitivamente, Arlindo Augusto era mais que mala, talvez,  babaca fosse pouco. Bem, depois de verificar que estava tudo em ordem deu a partida para a sua entrevista.

-Senhor Oldman, são passados cinco anos de sua última publicação. O que o faz tão ausente do mercado literário?

-Bem meu jovem...acho que a cabeça não está produzindo o suficiente

-Faltam ideias, senhor Oldman?

- Não, talvez esteja transbordando. Porém o volume de ideias é tanto que me confunde, e o meu comum é misturar as coisas ao coloca-las no papel. E o problema reside aí, pois percebo na confusão que meto as minhas idéias, um verdadeiro balaio de gatos pardos.

-Não coordena suas ideias coerentemente, senhor Oldman? - Ele pergunta, surpreso.

-Olha...não que eu seja um descoordenado, não é isso. E o mais que provável é que idade esteja pesando e eu numa estrada onde o inexorável é a velhice. De uns tempos para cá ando demasiadamente preocupado comigo, com as doenças, o alzheimer,  e esse maldito o meio que nos cerca. 

-Mas...e quais seriam esse preocupações, senhor Oldman?

-Bem, ando preocupado com tantas coisas. Com os preços nos supermercados, com o desabastecimento de água. Sabe,  Arlindo, estou apreensivo e inconformado com o valor das aposentadorias, com a conta do restaurante por quilo, a falta de crédito, as orgias esparramadas pelo país, com drogas e drogados, repressores, com  os bêbados e cirroses.. - Nesse ponto faço uma pausa.

-Caraca! O senhor é mesmo preocupado com as coisas, eim senhor Oldman?

-Ah, isso eu sou! Hum...E com as balas perdidas, e com  sujeitos que possam me "acertar" nos cruzamentos do país - Replico num tom alarmista, dramático até.

-Poxa! como o senhor é pessimista, senhor Oldman! - Ele diz recolhendo os ombros e arregalando os olhos. Entretanto era bom que ele soubesse que minhas lamúrias ainda não tinham terminado. Continuei.

-E agora há o pior, Arlindo Augusto...Você sabia que o Viagra parece não ser eficaz tanto quanto antes?  

- Hã! Com assim, senhor Oldman... O Viagra deixou de ser eficaz! Ora! Mas qual é a correlação que existe entre o medicamento e a literatura,  ou mesmo com com o processo criativo? Não entendi, senhor Oldman! - Ele devolve, perplexo.

-Ora, meu jovem! Em minha opinião tem tudo a ver, meu rapaz! A pílula azul já foi mais eficiente ao manter elevada a autoestima de sujeitos como eu. Logo, o que me preocupa é a eficiência do medicamento, pois se de fato nada mudou em sua fórmula, significa que a droga sou eu! - Depois de ter soltado essa preciosidade, óbvio, me arrependi, pois não existia qualquer necessidade de deixá-lo a par do meu problema eréctil. E isso foi um erro, já que não deixou passar em branco:

-Hahaha! A droga é o senhor! Essa foi muito boa, senhor Oldaman!  - Ele ri divertido, enquanto curva o dedo polegar para baixo. Depois assume a feição séria e diz: - Olha, não encuca com isso senhor Oldman. Talvez seja apenas fase, passageiro, e tudo voltará ao normal. Provavelmente é algo que esteja prejudicando a absorção medicamentosa – Ele ameniza com  algumas reticências. Porém percebo nele  o incentivo. 

- Bem, Augusto, obrigado. Mas carrego as minhas culpas, pois aos  65 continuo fumando mais de duas carteiras de cigarros por dia, e isso há mais de meio século.  Sabe...talvez  eu esteja no fim da validade, ou coisa assim. Entretanto ouça com a máxima atenção aquilo que vou dizer; Entre a Terra e o espaço sideral sempre haverá mais mistérios que a  nossa inútil filosofia possa decifrar.. - 

-Opa! Já conheço esse bordão, senhor Oldman, aliás, não exatamente com essas palavras. Porém não compreendi  essa coisa dos “planetas e as estrelas e nem a sua desistência em produzir algo  relevante nesses anos de ostracismos –  Ele devolve numa tonalidade abafada. Olho para ele, e ele está entretido com alguns pombos apressados, pezinhos lépidos, daqui pra lá, de lá pra cá à procura de algum alimento. Talvez fosse esse o momento dele saber o real motivo de me distanciar da literatura:

- Bem, senhor universitário, vou explicitar para que a ficha te caia melhor; Quando uma cabeça não funciona dizem que o corpo padece. Quando ambas cabeças não funcionam, bem, ou estão em pane, ou refém de outra possibilidade. Logo, no meu caso, ou escrevo um monte de asneiras, ou limpo as lentes bifocais com detergentes poderosos para me esbaldar em filmes de putaria na internet. E pelo jeito tenho optado pelas duas... -  Depois de soltas as palavras fiquei pensando porque dissera aquilo. Novamente ele não me poupa:

-Hahaha... O senhor ainda assiste a esse tipo de filme, senhor Oldman? Por acaso é carência?

-Quer saber garoto? Carentes todos somos e seremos sempre, pois a carência é implícita à natureza humana! Poderia até estar mais se não me fosse  a pródiga memória. Sabe, não sou sambista, aliás, detesto o samba, mas há uma letra de um desses sujeitos que é espetacularmente sábia.

-E u também não gosto de samba, mas, o senhor se lembra do título ou quem canta?

-Não, não me lembro, só de parte da música, principalmente o trecho que diz “Recordar é viver, eu ontem sonhei com você”  E é assim que funciona a vida, garoto, logo, vivemos mais  para as recordações que para as realidades, talvez até porque poucos de nós aceitem envelhecer  sem um olhar sedutor no passado.

-Opa! Será que o seu pensamento anda largado em alguma de suas mulheres daquele tempo Sr. Oldman? E digo isso pelo fato de todos sabermos o quanto o senhor foi mulherengo...

-Mulherengo? Ô garoto, acredito que esteja  me confundindo  com o falecido Jesse Valadão! Então...Mas não há nada de abandonos em mulheres do passado, mas apenas no status quo de outrora. Há a saudade dos meus cabelos negros e fartos. Há a saudade das calças “Levis” boca-de-pito. Há saudade até do tênis “Bamba”, branco, assim como toda lembrança das minhas camisas rendadas e coloridas, que combinavam perfeitamente como os meus sapatos Cougar. Lembro que tinha três pares de cores diferentes; verde, vermelho e amarelo.

- Nossa senhor Oldman! Sapatos verdes, vermelhos e amarelos, e ainda por cima camisas rendadas? Isso que é ser antigo, eim?  As suas lembranças devem fazer parte dum antiquário! – Ele devolve com chacota.

-Sim, eu sou o antiquário em pessoa! E isso porque ainda não falei dos Beatles e nem de “Let it Be”. Não te segredei o que era subir a Rua Augusta grudado na cintura de uma garota de peitos  GG. Você já assobiou “Its too late” da Carole King ou “Atlantis” do Donavan? Não, né? Então...  e também sinto saudades dos  “cremes rinses” daquela época. É sim, pois eles nada tem a ver com essas porcarias de condicionadores de cabelos que são fabricados nos dias de hoje.  Eles sim conferiam  um look todo especial . 

-Nossa, creme rinse? Nunca ouvi falar - Ele tripudia - Bom..apesar que acho que o seu passado  deve ter sido um lance bacanérrimo, né senhor Oldman?

-Sim, foi....e outra... - Novamente me interrompe já engatado numa nova pergunta

-Senhor Oldman, poderia nos dizer quais eram as curtições daquele tempo, inclusive, as mais quentes? -  Ele pergunta e olha pra mim com certa malícia. Óbvio, percebo o que ele quer, mas decido deixá-lo ansioso e relato fatos mais amenos.

-É assim meu rapaz, muitas foram as curtições.  Uma delas era que a minha geração adorava tomar café no Aeroporto de Congonhas durante as madrugadas. A outra, degustar uma boa sopa de cebola num restaurante simples e próximo ao Ceasa. Entretanto os lances mais badaladas eram os bailes de bairro. Neles predominavam os efeitos das luzes. Eram bailes cobrados, alguns com conjuntos tocando ao vivo. Mas a diferença estava mesmo naquelas lampadas mágicas, luzes negras e estroboscópicas causando efeitos que deixavam nossas roupas brancas e os dentes com uma aparência fosforescente, algo quase azul neon, assim como os letreiros dos Pubs de hoje.

- Nossa senhor Oldman, acho que o senhor foi um arraso! Imaginando aqui o senhor dançando com uma ninfeta da época, colando o rosto, pernas, seios... - La vinha ele novamente.

- Ah meu rapaz, nem tanto... – Respondo demonstrando a humildade que não possuo. 

- E o senhor se recorda de algumas passagens pitorescas? – Os olhos dele brilham. Foi então que notei que ele pretendia que entrássemos diretamente ao assunto.

-Ta certo, entendi, garoto! Bem...Lembro de uma ou outra. Certa vez dei uma trepada  rapidinha com uma garota que conhecera dentro do ônibus da Breda Turismo. Era uma viação que fazia  a linha no litoral sul do estado de São Paulo e tinha por destino a cidade de Peruíbe

-Nossa! E como foi isso de fazer amor dentro de um ônibus? Deu certo?

-Para nós deu. Talvez nos assentos do carro houvesse meia dúzia de pessoas. Logo após a partida uns rocavam aqui, outros ressonavam acolá, pois é comum às linhas noturnas partirem com poucos lugares ocupados. Como de hábito comprei o último assento, solitário. Ao entrar no ônibus vejo uma  garota sentada na terceira ou quarta fila. Ela era bem bonita e tinha em sua cabeça uma dessas faixas que trazem frases do mundo do rock, coisa bem comum nos anos 70.  Era uma com frase de Jim Morrison, tipo assim - “Alguns nascem para o suave deleite; outros para os confins da noite”. Conclusão; Eu adorava Morrison, portanto me amarrei nela e no seu adorno... 

-Ah, certamente ela também deveria ser fã do Jimi Hendrix e da Janis Joplin! – Ele me interrompe, brilhantemente, diga-se.

-Cara, estou perplexo! Você deve ser um gênio! Que dedução magnífica! – Replico entusiasmado. Ele sorri sem jeito, talvez levando ao pé da letra a falsa lisonja. Porém não me senti um crítico solitário, pois naquele instante os pombos arrulharam em grupo, espalhafatosos.

-Sim, e o que aconteceu, senhor Oldman? – Ele me parecia frenético ao esfregar a mão com rapidez no tecido da perna direita.

-Calma rapaz, já te conto. Bem, não sei se sabe, mas sempre fui um cara de pau, logo, sentei-me ao seu lado e puxei conversa. Foi mágico! O papo fluiu como nos conhecêssemos há anos. Estávamos falando há uns 10 ou 15 minutos e passava um pouco da uma da manhã quando a convidei para sentarmos onde tinha o assento comprado. Ela me olhou e me ofertou um sorriso incógnito e prontamente se levantou...

-Conta...conta...conta logo senhor Oldman! – Ele pediu eufórico, agora batendo o punho direito contra a perna.

-Fique tranquilo meu jovem – Acalmei-o e continuei; Bem...já sentados nos últimos bancos e após conversamos por 10 minutos reclinamos os bancos e começamos a nos acariciar. Ela era uma delícia e sussurrava baixinho e seus gemidos se fizeram tão sensuais que lembrei dos filmes estrelados por Brigite Bardot. Ah, o biquinho que ela fazia quando dizia "Mon amour" me matava! Bom, não demorou muito e pulei para o banco ao lado e me deitei sobre ela. Daí ficamos num rala e roça insano, até que, com alguma dificuldade arriei a calça jeans. Para ela foi mais fácil, já que estava de mini-saia, e ela só teve o trabalho de desabotoar a blusa floral e para os seios saltarem ansiosos, escondidos que estavam num sutiã meia-taça. Sim, os peitos dela eram lindos! Um pouco mais de excitação e foi inevitável deixarmos de dar uma trepada das boas. Evidente que tomamos alguns cuidados, como o de gemermos baixinho para não acordarmos o pessoal dos bancos da frente. 

-Uauuuu! Que bárbaro senhor Oldman! Ah como gostaria de estar sentando no banco ao lado, incógnito, invisível. Ah, como gostaria de ter assistido tudo! – Ele exclama excitado. 

-Bom, foi isso, meu jovem. Depois nos limpamos com alguns lenços umedecidos que ela trouxera na bolsa. Agora...o estranho mesmo ficou por conta do meu rabo, de fora, indo de um lado para o outro conforme as curvas efetuadas, pois a Serra do Mar é um festival delas, fechadas...Ah, e isso sem falar na maldita pressão nos ouvidos, algo que tem relação com o nível do mar.

-Poxa vida senhor Oldman! Acredito que foi uma aventura e tanto! – Ele concorda extasiado. Depois emenda outra pergunta: Ah, assim, Já que estamos falando em “fazer amor” recorda de algum outro caso inusitado?

-Garoto, vamos parar com esse papinho frouxo de “fazer amor”? Use uma linguagem menos coloquial, porra!

-Epa! Desculpe senhor Oldman. Tentarei me adequar! – Ele assente num risinho safado.

-Isso! Assim que se fala, garoto! 

-Então vamos lá senhor Oldman! Existiram outras trepadas tão  incomuns quanto essa?

- Sim existiram algumas. Tô lembrando aqui de algumas. Teve a da escada de incêndio, na sala do arquivo morto duma firma que trabalhei, algumas me aproveitando do "vai-e-vem" das ondas do mar. Você não vai acreditar, mas trepei até em sala de cinema!

-Caraca! Em sala de cinema, senhor Oldman?

-Sim, bum cine-teatro bem fuleirão. Pra falar a verdade eu era bem garotão e foi numa sessão das 3 da tarde ao dar o meu maço de cigarro praticamente cheio para uma strepper balzaqueana que fazia show no local.

-Nossa! Que barra eim, senhor Oldman!

-Pois é, foi barra. E, ah, teve uma ocasião muito esquisita. Só que nessa entrou areia! Acredita?.

-Hã? Como assim? O senhor foi flagrado com a boca na botija? Foi pego pelo pai, mãe, ou pelo irmão da garota?

-Não, não! Não foi nada disso! O problema não foi esse! Nessa entrou areia, mesmo, literalmente falando. Era também madrugada e transamos num areal de Copacabana, num terreno desocupado, logo atrás do parquinho de diversões em que ficamos boa parte da noite. Apagadas as luzes do parquinho, ficamos por ali e nos ocultamos em alguns arbustos e nos misturados às embalagens de sorvetes e de amendoins torrados demos cabo ao serviço. Naquela época eu curtia uma de ser mochileiro, e estava ali com a namorada para ver as escolas de samba no carnaval carioca. Porém a grana era curta, e a decisão era a de; Ou comprávamos os ingressos, ou dormíamos naquelas espeluncas do centro. Claro, optamos por ver as escolas, além, óbvio, de tomarmos banho de gato naqueles famosos chuveirinhos de praia.

-Caraca! Não imagina como seus fãs ficarão felizes por lerem essas preciosidades...

-Ah sim! Posso imaginar o riso estampado no rosto de meia dúzia de sujeito que perde tempo em me ler!- Devolvo com sorriso cretino e conformado. Eu também era filho de Deus.

-Poxa vida, senhor Oldman! Que relatos canas! Podemos finalizar a nossa entrevista com um bate pronto?

-Claro garoto! Mas vamos inverter a ordem; Agora sou eu que respondo enquanto você pergunta! Ok?

-Hahaha! O senhor é mesmo um grande gozador, senhor Oldman – Ele riu farto e inocente. Pra falar a verdade, começava a ir com a cara daquele garoto.

-Ok, ok! Você venceu baby! E para os vencedores batatas fritas! Manda ver, guri! – Ele sorriu novamente, encostou o celular próximo dos lábios e sapecou:

-Uma bunda!

-Ah sim, a bunda de Carla Perez - Rebato

-A bunda das bundas? – Ele pergunta, agora mais desinibido

-Bem garoto, olha que já vi muita bunda bonita, mas a de  Da Rita Cadillac era imbatível!

-Puta que pariu! A de Rita Cadillac? Por acaso é uma velhota que há uns 8 anos atrás fez um filme pornô  deitada sobre o  capô dum cadillac vermelho?

-Sim! Ela mesmo!

-Hum..entendi. Bem, e a sua maior decepção, senhor Oldman?

-Hum... talvez a minha maior decepção foi jamais ter visto os peitos de Grace Kelly

-Quem? Grace o que? Quem é, senhor Oldman ?

-Ah foi uma atriz dos anos...Ah, deixa pra lá garoto!

-Ok, não vou insistir. Ah, agora me diga; Há muitos enganadores nesse país?

-Ih meu rapaz! Esse país está abarrotado de enganadores. Mas, o maior deles é o governo! – Ele me olha assustado. Aquilo me preocupa, pois talvez eu estivesse na presença de um desses esquerdistas alienados e que não enxergam um elefante à frente do próprio nariz. Se fosse o caso a entrevista corria o risco de interrupção.

-É... nessa vou ter que concordar com o senhor, senhor Oldman! – Eu o ouvi quieto e com um certo alivio. E ele continuou:

-Deduzindo, senhor Oldman. Se existe enganador, existe quem se deixa enganar. Por acaso seria a tal  "Elite branca" o grande bobo desta nação?

-Elite branca? Bah, guri! Isso é conversa pra boi dormir! O grande otário é o povo brasileiro como um todo, principalmente os mais humildes que se deixam seduzir por alguns míseros trocados – Devolvo convicto.

-Hum, certo, certo – Ele assente. Depois me desafia; Senhor Oldman, vale um bloodmary a sua convicção política mais contundente.

-Ah garoto... Essa é muito é a mais fácil de todas!

-É? – Ele questiona

-É! - Confirmo  

-Então diga senhor Oldman!

-Fora Petralhas! – Exalto-me. Talvez a tonalidade da voz tenha sido tão contundente que todas as árvores do parque me ouviram. E não só elas, pois as pessoas que passavam nos olharam, até os pombos nos olharam, e arrulharam ainda mais alto, não sei se a pró ou contra a minha convicção política.

Ele me olha e sorri. Eu olho pra ele e devolvo o sorriso. Depois o convido para um drink. Ele parece não entender. Então tiro do bolso do paletó de lãzinha cinza duas pequenas miniaturas de vodca. Ele aceita de pronto.

-A nós –  Eu digo

-A nós –  Ele Retribue

Terminadas, repetimos os goles com outro par de garrafetas. Repentinamente ele dá um tapa na própria testa e diz "Que cabeça essa minha" Eu apenas olho sem nada compreender. Ele me comunica "Senhor Oldman, tenho um presente para o senhor" Agora quem é pego de surpresa sou eu.  Pego mais duas miniaturas e outra vez consumimos o conteúdo. Apalpo um dos bolsos e noto que ainda sobrara um par delas no paletó-adega. Então ouço o barulho do zíper de sua mochila, e ele saca do interior um estojo embrulhado num bonito papel laminado. Estou ansioso e ele me faz a entrega. Assim que me desfaço da embalagem os meus olhos brilham diante dum belo par de lentes negras. Olho o estojo com atenção e nele há a marca Ray Ban. Talvez os óculos fossem legítimos, talvez não,  e isso não me importou. Retiro da caixa e me desfaço da velha armação que estava em meu rosto e a substituo pelo novo presente.

-Demais, senhor Oldman! Ficou muito bom, bom mesmo! O Senhor ficou parecendo com Charles Bukowski! Ta igualzinho a uma foto dele nos anos 80 em Los Angeles – Ele exclama

-Quem é Charles Bukowski? - Brinco com ele.

Ele sorri e eu devolvo. Depois levanta-se para ir embora. Já em pé  me dá um forte abraço, caloroso, cheio de afeto, e aquilo me fez sentir importante, pois há muito tempo não me afagavam daquela forma.  Talvez achem que sou piegas, mas repentinamente tudo à minha volta pareceu ganhar vida, pois há um dia ou um momento na vida da gente que as coisas, por mais pequenas que sejam, tornam-se imensuráveis.
E aquele era o dia e o momento. As flores pareciam adquirir um novo colorido, e no rosto das pessoas mais alegria, e até os pombos e seus incontroláveis apetites pareciam outros, diferentes, arrulhos inquietos, mas que sugeriam paz.
Surpreendentemente sinto algo aguar os meus olhos,. Era como tivessem pingado gotas de colírio, que ameaçavam desabar. Entretanto eu era duro, portanto arregalei  bem os olhos e as consegui reter, não possibilitando ao rapaz ver o quanto havia de humano em mim. E com as lágrimas dominadas assim como os velhos e cansados leões, enfio a mão no bolso do paletó-adega e resgato as derradeiras miniaturas. Ele acolhe a sua com galhardia e a entorna numa outra única golada, enquanto consumo a minhas em goles mais comedidos. Terminadas, civilizadamente ele recolhe todos os frascos vazios que deixamos sobre o banco e os leva até a lixeira mais próxima. Depois volta e pega a sua mochila e verifica se não está deixando algo para trás. Com tudo em ordem  enfia o celular no interior e me dá um “Até breve” e eu devolvo num “Até a próxima” . E ele toma o seu caminho e segue em linha reta. 

Eu o acompanhei por uma daquelas ruazinhas até onde meus olhos puderam distingui-lo. E no caminho ele brinca no cocuruto de algumas crianças, e ajuda um senhor de severa idade a se erguer do banco. Porém eu notava nele algo não sincronizado. E conforme ele segue pela alameda eu sorrio prazeroso, pois Arlindo Augusto dava evidentes sinas de confusão motora. Eu sabia que não demoraria para que tropeçasse nas próprias pernas num inequívoco estado de embriaguez,  mesmo que, por sorte, ainda em estágio inicial.

Sim! Não existia qualquer dúvida agora; Arlindo Augusto era um garoto legal.


Copirraiti26Jun2014
Véio China©